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Opinião Quarta-feira, 02 de Setembro de 2020, 14:15 - A | A

02 de Setembro de 2020, 14h:15 - A | A

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A suspensão dos efeitos das autuações ambientais no novo Código Florestal: atual possibilidade mediante a interpretação sistêmica aos olhos da compensação

Exigir do proprietário, hoje, o Termo de Compromisso para o desembargo e suspensão das autuações é atentar contra a hermenêutica da Lei



Desde o início dos estudos, da edição e da promulgação do Novo Código Florestal, um dos temas mais debatidos e abordados foi o instituto da consolidação dos imóveis rurais e a correspondente suspensão dos efeitos das autuações perpetradas pelos órgãos ambientais governamentais.

Em um adendo inicial, digo que o presente artigo está direcionado à possibilidade sistêmica e visível da suspensão das autuações e de seus efeitos na visão atual, conquanto a matéria relacionada à popular (e, ao meu ver, erroneamente qualificada) “anistia”, será objeto de abordagem em um próximo escrito.

À evidência, a Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal) repetiu as disposições da Lei revogada, mas buscou implementar, de modo mais ativo, as alternativas aos proprietários rurais para efetiva regularização de seus imóveis, isto é, na intenção de conciliar a legislação ambiental com o regular desenvolvimento econômico.

Referida Lei, então, trouxe a dicção do art. 66, qual permite que o proprietário/possuidor rural adote qualquer das alternativas ali previstas para “adequar” o chamado “passivo ambiental” (que nada mais é que o déficit de área de reserva legal) e regularizar sua propriedade, tudo dentro do PRA (Programa de Regularização Ambiental), desde que a supressão tenha ocorrido até 22/07/2008 (data que remete à publicação do Decreto 6514/2008, que regula as infrações ambientais).

O efeito disso é que o imóvel que possuir passivo ambiental (isto é, estiver em dissonância com o art. 12 da Lei 12.651/2012) poderá ser recomposto em até 20 anos (art. 66, §2º) mediante a regeneração ou recuperação na mesma propriedade, ou compensado mediante a oferta de outra propriedade com o percentual de vegetação “faltante” (art. 66, III e § 5º). 

Na mesma linha, o legislador buscou incentivar o proprietário a fazê-lo, porquanto embora se trate de obrigação legal (à luz do art. 225, da Constituinte), a instituição do referido mecanismo serviria para propiciar a efetividade que o legislador buscou na proteção/reparação do meio ambiente, mas também para respeitar o direito à exploração econômica.

No caso específico da compensação (que é a análise primordial deste artigo), houve uma maior efetividade ambiental, ao passo que uma área que encontra-se preservada (e que poderia ser aberta – dentro do percentual do art. 12 da Lei 12.651/2012) servirá para desonerar outra que já está em atividade (e que deveria ser recomposta dentro do mesmo percentual).

Feito isso, o legislador concebeu a compensação aos olhos de dois imóveis: o primeiro que “deveria” ser recomposto (porquanto possui menos área de reserva legal do que deveria), e; o segundo, que ainda poderia ser suprimido (posto que detém mais área de reserva legal do que a necessária).

Importa mencionar que citei o “deveria” acima entre aspas, em vista da da própria hermenêutica da Lei, ao passo que se a compensação se operar, não será necessária sua recomposição, ou seja, poderá o proprietário continuar exercendo atividades rurais no primeiro imóvel, desde que mantenha intacta a vegetação nativa do segundo (claro, dentro dos percentuais a que se comprometeu).

O pensamento foi de manter as áreas de vegetação nativa preexistentes, estimulando que o proprietário não as desmatasse (embora pudesse fazê-lo nos percentuais permitidos). Daí, a contraprestação foi de permitir a utilização do percentual (passível de exploração) como “credito”, qual poderá compensar o “débito” da área que, há muito, encontra-se exercendo atividade rural.

A intenção foi permitir que o produtor rural continue exercendo atividade na área aberta antes de 22/07/2008 e que o meio ambiente continue preservado nos chamados “corredores florestais”, porque não é viável recuperar o primeiro imóvel (em ampla atividade) e suprimir o segundo (se ele ainda está preservado).

Via reflexa, a Lei previu que o proprietário rural que foi autuado pela supressão da vegetação deveria (e deve) ter o mesmo tratamento daquele que não foi e, daí, instituiu a suspensão das autuações por condutas praticadas até 22/07/2008, trazendo consigo a disposição do art. 59, §4º e 5º do Código Florestal.

Neste condão, o legislador nada mais fez que aplicar o entendimento isonômico para todos os proprietários, porquanto verificou que existiriam imóveis que não seriam (e não foram) autuados e outros sim. Justo por isso, aquele que não foi autuado teria o benefício (de não sofrer embargos ou pagar multas), enquanto o outro sofreria com tais questões: daí, nada mais justo que suspender seus efeitos.

Para tanto, o instrumento seria a assinatura do Termo de Compromisso previsto no art. 59, §4º e 5º, da Lei 12.651/2012, para permitir a suspensão perseguida, mas, aqui, pontuo a necessidade da relativização desta interpretação, sob pena de negar vigência à intenção da Lei e perpetuar o prejuízo ao produtor (que claramente busca regularizar o seu imóvel).

Primeiro deve-se considerar que a SEMA/MT ainda não implantou o mecanismo e tampouco implementou a possibilidade de assinatura do Termo de Compromisso (para todos os imóveis subsistentes), conforme várias notícias e pareceres que encontramos em buscas na rede mundial de computadores, inclusive dando conta que a análise dos CAR’s no Estado de Mato Grosso levaria cerca de 30 (trinta) anos.

Segundo, aquele proprietário rural que suprimiu a vegetação antes de 22/07/2008 e teve sua propriedade autuada e embargada, sofre atualmente com tais reflexos, embora seja visível que tem (e continuará tendo - quando assinar o Termo de Compromisso) o direito de exercer as atividades rurais.

Por básico, explico que, no meu entender, não faz sentido responsabilizar o particular pela delonga da administração pública (SEMA/MT) que não lhe permitiu, ainda, firmar o Termo de Compromisso, mantendo-se, enquanto isso, sua propriedade embargada com os efeitos correlatos da autuação.

Note que, desde hoje, é evidente que o proprietário firmará o referido documento, não há sentido em não fazê-lo. Ora, se ele não assinar e não se comprometer em compensar, terá que pagar a multa, sua área permanecerá embargada e, ainda, será forçado mediante uma Ação Civil Pública a recuperar a mesma área (mesmo havendo possibilidade de compensação).

Ou seja, caso o proprietário não cumpra o que está na Lei (assinando o TC), não poderá gozar dos benefícios inscritos (dentre eles a suspensão dos efeitos das autuações), e será forçado através de uma Ação Civil Pública a recuperar a mesma propriedade, inutilizando a área que, há muito (ao menos desde 22/07/2008), era destinada às atividades rurícolas.

Reflexamente, é evidente que o TC constitiu-se de um benefício ao proprietário rural, porque se ele não o firmar, será compelido a recompor (em prazo menor) a área que poderia estar utilzando na atividade rural, e ainda sofrerá os outros prejuízos decorrentes.

Analisando, então, o contexto axiológico da questão, hoje percebe-se que não subsistem razões para a não assinatura do Termo de Compromisso, mas, como ainda o mecanismo ainda não foi implantado pela SEMA/MT, não há possibilidade de fazê-lo em todo caso.

Em linhas mais claras, se existe a ACP para forçar o proprietário a recuperar o imóvel que não aderir à Lei e se os benefícios (possibilidade de utilização dos artigos 66 e 59) são garantidos somente àquele que vier a assinar o TC, pergunta-se: Qual a necessidade de postergar a aplicação de tais benefícios se, desde hoje, verifica-se que o proprietário assinará o documento? A meu ver, a resposta é notável: não há sentido em tal exigência!

Entretanto, infelizmente o referido entendimento caminha vagarosamente perante as Instâncias e Tribunais Pátrios, havendo poucos casos, ainda, de sua aplicação, embora, ao menos em meu sentir, esteja clara e externa a intenção do legislador neste sentido: a interpretação da Lei deve ser sistêmica, sob pena de invalida-la e impedir sua finalidade.

Ressalto, aqui, que não é novidade para este subscritor a dedução da referida tese perante os Tribunais Regionais Federais da 1º e 4º Região, nas Seções e Subseções Federais correspondentes, e ainda nos órgãos administrativos correlatos, sendo possível pontuar que vários julgadores assim já se posicionaram, mas há resistência: ainda estamos distantes de sua aplicação em termos gerais.

Concluo, portanto, que o direito dos proprietários rurais é visível desde hoje, sendo que a mera formalidade não pode se sobrepor ao conteúdo material da legislação. Exigir do proprietário, hoje, o Termo de Compromisso para o desembargo e suspensão das autuações é atentar contra a hermenêutica da Lei, considerando que irá assiná-lo assim que houver disponibilidade, mas isso não depende de sua vontade.

Alcir Fernando Cesa, advogado atuante no ramo do direito ambiental e agrário nos Estados de Mato Grosso, Paraná e Pará, co-fundador da LEOBET & CESA – Sociedade de Advogados.