A Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) fixou a tese de que é inadmissível a improcedência de ação de improbidade administrativa, na fase de preliminar, quando há indícios da prática ilícita.
Para o colegiado, a “extinção prematura da demanda compromete o devido processo legal e inviabiliza a adequada apuração dos fatos e responsabilidades”.
Com esse entendimento, a Câmara anulou a decisão que inocentou o ex-secretário municipal de Saúde, Luiz Antônio Possas de Carvalho, e determinou o retorno da ação à primeira instância para a produção de provas sobre supostas fraudes de R$ 9,7 milhões.
O acórdão foi publicado nesta terça-feira (24).
A decisão atendeu o recurso de apelação do Ministério Público do Estado (MPE) que alegou que a ação de improbidade administrativa, que apontou a existência de um possível direcionamento no processo licitatório que sagrou Norge Pharma Comércio de Medicamentos e Materiais e Soluções em Saúde Ltda (também acionada nos autos) como vencedora para prestar serviços de gestão operacional com mão de obra especializada em fluxo de medicamentos e correlatos e de operação de logística para atender as necessidades da SMS.
No TJ, o MP citou diversas irregularidades no caso que teriam favorecido a empresa, como exigências técnicas desproporcionais que prejudicaram a competitividade e um termo aditivo logo após a contratação, que reduziu o valor do contrato, sem estudo ou outros documentos.
O recurso foi atendido parcialmente pela Câmara, nos termos do voto da desembargadora Maria Erotides Kneip.
Ela explicou que o Juízo da primeira instância, após examinar as preliminares, não deveria ter julgado o mérito, sem a realização de instrução probatória. Isso porque os indícios constantes nos autos autorizam o prosseguimento da demanda para apurar as condutas imputadas ao ex-secretário.
Para ela, a inicial não se baseia em “meras ilações ou conjecturas”, mas sim “um quadro indiciário relevante que transcende o mero erro administrativo e sinaliza possível atuação dolosa e estruturada com o intuito de simular legalidade em procedimento eivado de restrições indevidas”.
A magistrada destacou que a Lei de Improbidade Administrativa permite a improcedência liminar, mas desde que esteja demonstrado a ausência de indícios de atos ímprobos. Ela ponderou que a exceção não pode se tornar regra para que ações “bem fundamentadas seja descartadas sem o devido contraditório e produção de provas”.
“Ademais, a extinção precoce da demanda — sem a realização de instrução probatória mínima — compromete o devido processo legal substancial e fragiliza o sistema de responsabilização dos agentes públicos, permitindo que eventuais condutas lesivas à moralidade administrativa permaneçam impunes pela ausência de oportunidade de apuração”.
“A atuação do Poder Judiciário, notadamente em matéria de improbidade administrativa, deve conjugar prudência com efetividade, evitando tanto a banalização das ações quanto sua extinção indevida, sob pena de se enfraquecer o próprio arcabouço protetivo da Administração Pública contra condutas ímprobas”, reforçou Erotides.
O relator, Márcio Vidal, que havia votado pela rejeição do recurso do MP, mudou de posicionamento para acolher o entendimento da desembargadora. O desembargador Jones Gattass também votou conforme Maria Erotides.
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