Atualmente, existe uma discussão jurídica muito aflorada em nossos Tribunais que tenta definir as regras para ação de usucapião no tocante as terras públicas. De um lado, o Estado defendendo o patrimônio que é de todos nós, brasileiros, e de outro, particulares defendo seus interesses de forma judicial pela falta de gestão fundiária do Brasil. Dentro desse contexto jurídico é preciso consignar que vigora em nosso ordenamento jurídico, mais especificadamente nos artigos 183, §3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal e art. 102, do Código Civil, que os imóveis públicos não estão sujeitos a usucapião.
Nesse mesmo sentido, vem o entendimento majoritário doutrinário e jurisprudencial, que vêm se posicionando em favor da vedação imposta pelo ordenamento jurídico. O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso também vem seguindo essa linha com base em precedentes do STJ, que deixam claro que o particular jamais poderá exercer posse ou poderes da propriedade sobre imóveis públicos e sim mera detenção, sendo impossível a configuração dos requisitos para usucapião*. (Apelação53899/2015, DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 11/12/2017, Publicado no DJE 18/12/2017)
Por outro lado, já existem entendimentos dos Tribunais que bem cuja titularidade não é conhecida, ou seja, o imóvel que não possui registro de propriedade, não pode ser havido como “terra devoluta”, cabendo ao Estado tal comprovação, e os tribunais vêm mantendo essa mesma linha*. (ReeNec 87359/2013, DESA. MARIA APARECIDA RIBEIRO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 10/06/2014, Publicado no DJE 18/06/2014).
Aqui surge uma grande necessidade de o Estado identificar e ter informação de quais áreas não são particulares, para poder efetivamente arrecadá-las e incorporar no patrimônio de Estado, sob pena dessas áreas passarem ao domínio de particular por usucapião, não por que o tenha sido permitido usucapião em bem público, mas porque não vigora a previsão ‘irus tantum’ que o bem é público, cabendo ao Estado o dever de provar que área pertence a ele.
Outro ponto que precisa ser esclarecido é que a ação de usucapião só pode ser reconhecida sobre terras públicas e devolutas em casos que ocorreram antes da Constituição Federal de 1988. Isso já é entendimento pacificado nos Tribunais, ou seja, é possível confirmar usucapiões sobre bens dominicais, devidamente consumadas antes do início da vigência do Código Civil de 1916 *(Apelação n. 0002065-66.2007.8.12.0016, Rel. Des. Paulo Alberto Oliveira, publicado em 08/12/2016).
Dessa forma, fica claro que existe uma grande divergência jurídica quanto ao tema, porém, muito pacificada quanto às distinções de formas de hipóteses.
Uma notícia interessante aos defensores da possibilidade de se usucapir imóveis públicos, está no Projeto de Emenda Constitucional – PEC nº 292/2016, de autoria do Deputado Federal Romidio Manai – PR/RR, cuja proposta é a alteração dos arts. 183 e 191 da Constituição Federal, que visa permitir a usucapião de bens dominicais, entre os quais se incluem as terras devolutas.
Da leitura do inteiro teor do projeto, extrai-se que se aprovado e promulgada a Lei, a usucapião de bens públicos passaria a ser possível somente em relação às terras devolutas, não sendo possível sobre os bens de uso comum ou especial, como as praças e os prédios onde funcionam os órgãos da Administração Pública.
Segundo a justificativa do projeto, também possui um apelo social, haja vista a insegurança jurídica que paira sobre milhares de famílias que não possuem o título de propriedade das áreas que ocupam, seja no meio rural ou urbano, invocando os princípios fundamentais da República, apregoados nos arts. 1º a 4º da Constituição Federal, entre os quais destacam-se a construção da cidadania, da dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Porém, nesse sentido existem várias correntes de que os interesses particulares não podem se sobrepor ao interesse coletivo. Ficando assim uma grande celeuma jurídica no ar, e jogando no colo da administração a responsabilidade de se identificar quais áreas são particulares e quais áreas são públicas, inclusive, sob pena de cometerem ato de improbidade administrativa.
Dessa forma, conclui-se que o ordenamento jurídico vigente, acompanhado pela doutrina maciça e a jurisprudência pacificada, vedam a usucapião das terras públicas, com exceção das situações consolidadas antes da vigência do Código Civil de 1916, quando a Lei Civil autorizava a usucapião de terras públicas.
Irajá Lacerda, é advogado, presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB-MT e da Câmara Setorial Temática de Regularização Fundiária da AL/MT
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