Em dias atuais, em meio ao cenário de amadurecimento democrático no Brasil, somado as crises política e econômica, tem sido comum a discussão de direitos metaindividuais – que são os entendidos como os direitos coletivos (proteção jurídica do meio ambiente, do patrimônio histórico, da defesa do consumidor, etc.); ainda nesse contexto, a crescente evidência de conflitos que abarcam a responsabilidade da pessoa jurídica e os reflexos mercadológicos decorrentes.
Nesse sentido, episódios recentes envolvendo empresas brasileiras conceituadas em mercados distintos reforça a discussão acerca dos riscos concretos existentes para o empresário que exerce atividade econômica no mercado atual construído sobre as premissas capitalistas que sofre com a grande influência da globalização (liberdade contratual e lei da oferta e da procura).
É sob esse prisma que o gerenciamento de riscos se apresenta como a melhor medida para os empresários que almejam a continuidade da atividade exercida de maneira mais estável quanto possível, à garantir inclusive, sua estabilidade perante o mercado financeiro de modo geral.
Os riscos são inerentes a qualquer negócio e quando atrelados ao ganho de capital, muitas vezes prevalece a máxima de que – quanto maior o risco, maior o rendimento.
Ocorre que arriscar não envolve somente o ganho, mas também suportar as consequências do ato o que na maioria das vezes significa a falência do empresário por não ter uma estratégia sobre quanto, de fato ele pode arcar, quer seja em relação ao risco sobre o pessoal, quer seja sobre o risco reputacional. É um verdadeiro jogo de xadrez.
O risco à imagem (reputacional) é consequência do mau gerenciamento dos riscos que se torna público e faz com que a empresa sofra com os impactos negativos de determinada prática adotada, sobretudo na ânsia de obter resultados a qualquer custo.
Cita-se, por exemplo, o caso de uma gigante mundial do setor de processamento de carnes que teve seu nome veiculado negativamente na mídia nacional por estar na mira do Ministério Público do Trabalho que requereu a aplicação de pesada multa por descumprimento de ordem Judicial que visava observância de requisitos de segurança laboral. Assim como, uma das maiores redes de televisão do mundo que foi obrigada a reeditar um de seus programas para minimizar sua exposição e a polêmica nas redes sociais decorrente de um fato que envolveu um de seus apresentadores acusado de agressão.
Recentemente, pode-se mencionar o caso do renomado hospital localizado na cidade de São Paulo que teve seu nome estampado nos jornais e nas mídias sociais em razão do vazamento de informações do quadro de saúde de uma paciente considerada figura pública.
Problemas dessa natureza e tantos outros aqui não citados retratam, em diversos segmentos industriais e empresariais, a relevância de conscientização quanto aos riscos de cada modelo de negócio e induzem a reflexões sobre a ausência de análise ou pouca efetividade nos estudos de risco operacional, a fragilidade na gestão de riscos jurídicos e a ausência de atenção aos preceitos legais estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
Tais fatores quando não tratados devidamente resultam, além de prejuízos financeiros, um quase invisível risco reputacional que, a propósito, é de suma relevância diante da sua perpetuação no tempo, pois a quantificação dos efeitos é complexa e os mecanismos que geram esse risco são difíceis de serem compreendidos na dinâmica do mercado globalizado.
Essa dinâmica de risco, além da ligação na relação de consumo, está diretamente ligada às relações com investidores e instituições bancárias que ao estabelecerem relações comerciais e concederem créditos financeiros de acordo com critérios básicos de análise da viabilidade econômica e da expectativa de mercado, têm levado em conta cada vez mais os aspectos voltados ao risco reputacional do beneficiário, a existência de programas de governança e os mecanismos usados por eles na mitigação de riscos e contingenciamento de crises.
Assim sendo, não é demais dizer que tais investidores, sejam instituições financeiras ou não, buscam arduamente o distanciamento de a) apoio à empresas que atuam em segmentos econômicos criticados pela mídia e organizações não-governamentais; b) participação direta ou indireta em ações que causam danos ao meio-ambiente, compreendendo inclusive o meio ambiente do trabalho pela utilização de mão de obra escrava ou atividades de risco sem qualquer medida de contingenciamento; c) vinculação com conduta empresarial dissociada de valores cada vez mais exigidos socialmente (ética, moral, responsabilidade, transparência e consciência social); d) relacionamento conflituoso com clientes com geração de danos de consumo; e e) financiamento à empresas com ineficiência ou ausência de controles contábeis/financeiros.
O risco definido genericamente como sendo a probabilidade de ocorrência de algum evento desfavorável para um determinado resultado esperado, alcança aplicabilidade também no processo de concessão de crédito, seja privado ou público, especificamente considerando a probabilidade de ocorrência do não pagamento do valor repassado nas condições estabelecidas; prática de desvios de tais recursos ou diminuição do patrimônio intangível do negócio (imagem/marca) decorrente de crises reputacionais.
Inobstante sejam levados em conta apenas fatores de risco dimensionáveis, como sendo aqueles associados a uma determinada probabilidade de ocorrência, não se pode desmerecer o fato de que determinados fatores como eventual ação civil pública, ação popular ou qualquer outro mecanismo de proteção a bem jurídico tutelável, somada a uma pulverização midiática, possam abalar as estruturas reputacionais e, consequentemente, econômicas de um empreendimento independentemente da sua dimensão econômica.
Em tempos de aceleração e de crescimento das mídias sociais e da democrática liberdade jornalística, os riscos se escancaram, exigindo das instituições financeiras, investidores e do próprio governo como incentivador e garantidor de benefícios financeiros, o fortalecimento das políticas de concessão de crédito.
A exemplo disso, a Resolução 3.678/13 do Banco Central do Brasil leva em conta a necessidade de divulgação dos aspectos qualitativos para cada estrutura de gerenciamento de risco do negócio, incluindo objetivos e políticas de gerenciamento dos riscos e abordando a estrutura e os processos utilizados, formas de comunicação e informação de tais riscos.
Seguindo a nova linha de relacionamento pautado em transparência e eficiência na governança e análise de riscos e gestão de crises, o reforço pela implantação de mecanismos internos de controle impõe aos empreendedores novos cenários econômicos.
Em maio de 2016, em nova análise de crédito, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) suspendeu os aportes de recursos para 25 projetos na área de engenharia após consulta realizada junto a Advocacia Geral da União em razão da propositura de ação civil pública contra as empreiteiras investigadas na operação Lava Jato (Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Correa).
O Globo, em matéria divulgada em junho de 2016, destacou pesquisa realizada no mesmo ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 50 grandes empresas, dando conta de que 38% aperfeiçoaram seus códigos de ética em razão da lei anticorrupção.
Isso se deve ao fato de que os riscos econômicos não estão afetos apenas ao segmento do negócio e à volatilidade do mercado, mas também aos reflexos de eventual ocorrência de crise reputacional advinda de falhas operacionais ou de conformidade legal/jurídica que possam comprometer o patrimônio ou a continuidade do negócio.
Nesse sentido, merece relevante destaque as “Políticas Operacionais do BNDES” traçadas para 2017, onde projetos de maior impacto para a sociedade têm melhores condições de financiamento, elegendo como um dos pilares de relevância o “Fortalecimento da governança das empresas”, incentivando a adoção de boas práticas corporativas pelas financiadas, objetivando a “melhoria dos ativos intangíveis das companhias”, tais como: governança, transparência, gestão e práticas socioambientais, capital humano, competências inovadoras, relacionamento com clientes e fornecedores, gestão de riscos e outros mecanismos de conformidade, citando a experiência positiva do BNDESPAR no mercado de capitais.
Na mesma linha de transparência e controle no uso do dinheiro público, a recente Portaria Interministerial nº 424 de 30/12/2016, firmada pelos Ministérios do Planejamento (MPDG), da Fazenda (MF) e da Transparência e pela Controladoria Geral (CGU) dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse para entes públicos ou privados, exigindo que a partir de Janeiro do corrente ano as entidades beneficiadas devam ter um canal efetivo de comunicação com ampla divulgação social para denúncias, reclamações e ou elogios.
Considerados tais apontamentos, tem-se que as exigências do mercado, como sempre, ditam as regras e a bola da vez está com as boas práticas de governança corporativa, a análise de riscos e compliance/conformidade como elementos indispensáveis para se estabelecer um relacionamento mais seguro, duradouro e transparente com clientes, investidores, administração pública e a sociedade.
Marcelo Ambrósio Cintra, é advogado, sócio do escritório Oliveira Castro, Cintra e Peixoto Advogados Associados – Cuiabá/MT, especialista em Direito Administrativo com ênfase em Gestão Pública; pós-graduando em Direito Constitucional, Consultor em Compliance pela FGV, membro da Comissão de Controle de Gastos Públicos e Combate a Corrupção da OAB/MT e Presidente da Comissão de Anticorrupção e Conformidade do Instituto dos Advogados Matogrossenses.
Amanda Fumes é advogada associada do escritório Oliveira Castro, Cintra e Peixoto Advogados Associados, pós-graduada em Direito Constitucional aplicado pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus com curso de extensão em Internacionalização do Direito pela Universidade Católica do Porto – Portugal.