O juiz Diego Cemin, da Vara do Trabalho de Sorriso, considerou inverossímil, a alegação feita por uma trabalhadora, de que ficou sem receber o salário por um ano e só deixou o serviço após ser dispensada pelo patrão.
O processo estava na fase de prolação da sentença à revelia da família empregadora que não compareceu à justiça para se defender.
Entretanto, diante da afirmação inverossímil, o juiz decidiu reabrir a fase de instrução e inverter o ônus da prova para que a trabalhadora, caso tenha interesse, comprove que não recebeu os salários.
Conforme esclareceu o magistrado, a reabertura possibilita que novas provas sejam apresentadas, evitando assim uma “decisão surpresa”, princípio que passou a constar o no Código de Processo Civil de 2015 e que veda que um caso seja julgado com base em fundamento jurídico ou fato do qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar.
A determinação do juiz se baseia, ainda, na alteração promovida pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), que passou a prever que a revelia do não-comparecimento do reclamado não produz efeitos caso “as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos”.
A regra está no artigo 844, inciso IV do parágrafo 4º, incluído com a mudança da CLT.
Entenda o caso
Na inicial, a parte autora relatou ter atuado como empregada doméstica e cuidadora de dezembro de 2018 até março de 2020, quando foi dispensada pela família que a empregava, sem ao menos receber o aviso prévio ou mesmo o pagamento dos salários dos últimos 12 meses.
“Não me parece razoável supor que a parte após dois meses da contratação deixe de receber salários, permaneça trabalhando por 1 ano (sem salário) e seja despedida pelo empregador sem justa causa”, frisou em seu despacho. O julgamento do mérito da ação ainda está pendente de julgamento. (Com informações da Assessoria do TRT/MT)
LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA DECISÃO
Da análise processual verifico algumas pendências que devem ser sanadas antes da prolação da sentença.
REVELIA E ALEGAÇÕES INVEROSSÍMEIS
Afirma a Reclamante que foi contratada como empregada doméstica/cuidadora pela família reclamada em 10 de dezembro de 2018 , laborando das 07h00min às 18h00min com intervalo de 20min para refeição e descanso por dia de segunda-feira a sábado, incluindo os feriados até 19.01.2020, e após este período passou a laborar das 07h00min às 13h00min com intervalo das 20min para refeição e descanso por dia de segunda-feira a sábado, incluindo os feriados, esgotando-se a contratualidade em 07 de março de 2020 após ser sumariamente demitida sem justa causa, sem aviso prévio.
Destaca que não recebia o salário desde o mês de março de 2019. Requer dentre outros pedidos o pagamento dos salários atrasados.
Analiso.
A CLT reza:
Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
(...) § 4o A revelia não produz o efeito mencionado no caput deste artigo se: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
(...) IV - as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Art. 818. O ônus da prova incumbe: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) I - ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 2o A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 3o A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Pois bem.
Considero a alegação da Reclamante: “que não recebia o salário desde o mês de março de 2019” inverossímil.
Não me parece razoável supor que a parte após dois meses da contratação deixe de receber salários, permaneça trabalhando por 1 ano (sem salário) e seja despedida pelo empregador sem justa causa. Não incidindo os efeitos da revelia sobre a alegação inverossímil da Reclamante “que não recebia o salário desde o mês de março de 2019” decido reabrir a instrução processual invertendo o ônus probatório para que a Reclamante possa se desincumbir de seu encargo e no mesmo norte evitar decisão surpresa.
Intime-se a Reclamante para, no prazo de 10 dias, informar se possui interesse na produção de provas exclusivamente sobre a ausência de pagamento de salários.
Após retorne concluso.