Recentemente, eu estava ministrando um treinamento em Brasília e, coincidentemente, estava hospedado no mesmo hotel de uma gama de parlamentares que foram participar da “Marcha dos Prefeitos”, promovido pela CNM, em busca de solução para melhor a gestão dos Municípios, e isso me despertou para pensar de dentro pra fora.
Pois bem, a Reforma Tributária inaugurada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar nº 214/2025 traz um novo desenho para o sistema tributário brasileiro. Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — de competência compartilhada entre União, Estados e Municípios — e a extinção do ISS, os Municípios enfrentarão desafios significativos para manter sua autonomia financeira. Em contrapartida, surgem também oportunidades estratégicas para inovação fiscal, recuperação de receitas e fortalecimento institucional.
1. Revisão Urgente do Código Tributário Municipal
A primeira e mais urgente providência dos Municípios deve ser a revisão do Código Tributário Municipal (CTM). A nova arquitetura tributária demanda a reestruturação de competências locais, com foco em:
• Aprimorar a normatização e cobrança de tributos próprios (IPTU, ITBI, taxas, COSIP, contribuição de melhoria);
• Atualizar o CTM com base nas jurisprudências dominantes e novas tecnologias fiscais;
• Prever mecanismos específicos para fiscalização digital e cruzamento de dados, inclusive com uso de inteligência artificial;
• Explorar novas fontes de receita dentro da esfera constitucional, como receitas oriundas de concessões, outorgas urbanísticas, e operações de exploração econômica de ativos públicos.Essa atualização deve ocorrer imediatamente, antes que a transição para o novo sistema reduza a margem de manobra legislativa dos entes locais.
2. Oportunidades de Recuperação e Compensação Tributária com a União
Outra frente estratégica para os Municípios é a recuperação de receitas e compensações tributárias junto à União, com base em teses tributárias consolidadas, tais como:
• Retenção indevida de IRRF em contratos administrativos;• Erros ou omissões nos repasses do FPM, CIDE, FUNDEB e outras transferências constitucionais;
• Créditos decorrentes de regimes especiais ou compensações não aplicadas corretamente pela União.
É fundamental instituir núcleos internos ou consórcios regionais de recuperação fiscal, com apoio de consultorias especializadas, a fim de garantir maior eficiência e segurança jurídica nesses pleitos.
3. Adoção do ISS Digital: Expansão da Base sem Aumentar Alíquota
Até sua extinção definitiva, prevista para 2033, o ISS ainda é uma fonte valiosa de arrecadação. A adoção do ISS Digital permite ampliar a base de cálculo sem elevar as alíquotas, ao integrar sistemas de emissão eletrônica de documentos fiscais, plataformas de cruzamento de dados e inteligência fiscal automatizada.
Municípios que já adotaram o modelo registraram aumento expressivo na arrecadação com maior conformidade tributária e redução da sonegação. Além disso, o ISS Digital funciona como projeto-piloto para a futura adaptação ao IBS, que exigirá ambiente fiscal tecnologicamente robusto.
4. Participação Técnica no Comitê Gestor do IBS
O Comitê Gestor do IBS será o órgão responsável pela administração e regulamentação do tributo, com impacto direto sobre a repartição federativa de receitas. Os Municípios devem garantir representação qualificada e constante neste colegiado, para:
• Preservar sua parcela no produto da arrecadação;
• Intervir na definição de alíquotas de referência, regimes diferenciados e regras operacionais;
• Participar do desenho dos sistemas de apuração, compensação e fiscalização.Associações municipalistas, consórcios intermunicipais e frentes parlamentares devem ser mobilizadas para ampliar a voz dos Municípios nas deliberações nacionais.
5. Logística e Estratégia de Atração de Consumo Local
Dada a nova lógica do IBS — que incide no destino do bem ou serviço, ou seja, no local do consumidor ou tomador —, os Municípios precisarão desenvolver estratégias territoriais para atrair atividades de consumo e centros de distribuição.Isso envolve:
• Viabilizar centros logísticos e hubs comerciais locais, com infraestrutura adequada (acesso rodoviário, digitalização, segurança jurídica);
• Buscar parcerias com o setor privado e acesso a linhas de crédito subsidiadas ou com garantia pública;
• Criar programas de incentivo à instalação de e-commerces, marketplaces, galpões logísticos e serviços com alto volume de circulação.Trata-se de uma estratégia de “retenção de destino” — garantir que a etapa final da cadeia de consumo ocorra no território municipal, assegurando assim a arrecadação do IBS correspondente.
6. Planejamento de Transição e Capacitação AdministrativaA transição do sistema atual para o novo modelo ocorrerá até 2033. Nesse intervalo, os Municípios devem:
• Capacitar equipes fiscais e jurídicas nas novas regras do IBS e CBS;
• Desenvolver simulações orçamentárias com base em dados setoriais e modelos econométricos;• Reestruturar suas Secretarias de Fazenda com foco em digitalização e interoperabilidade de sistemas.
A antecipação é essencial para que o impacto da transição seja minimizado e para que os Municípios não percam protagonismo na arrecadação e gestão fiscal.
Conclusão
A Reforma Tributária exige dos Municípios não apenas adaptação, mas protagonismo institucional. Revisar seu Código Tributário, adotar o ISS Digital, recuperar créditos, influenciar no Comitê Gestor do IBS e estruturar polos logísticos são ações fundamentais para não apenas mitigar impactos, mas fortalecer sua autonomia fiscal e competitividade local.
Em um cenário de profunda transformação, quem agir com estratégia e inovação colherá os frutos de um novo pacto federativo mais sustentável e inteligente.
André Fantoni - Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas