A decisão do Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que esta semana ratificou liminar proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça, reacendeu o debate sobre o momento correto para a expedição de precatórios no âmbito da Justiça Federal. O caso envolve expedições de precatórios por algumas varas federais, supostamente ocorridas antes do “trânsito em julgado” das decisões que apreciam impugnações ao cumprimento de sentença.
O pedido de providências, proposto pela União, foi acolhido parcialmente pelo Ministro Mauro Campbell Marques, Corregedor Nacional de Justiça, que determinou a suspensão da expedição de precatórios sem trânsito em julgado ou antes da estabilização do crédito pela ausência de impugnação. Também foi ordenada a devolução às varas de origem daqueles precatórios expedidos sem essa consolidação processual, com vistas à correção dos atos e à exclusão das propostas orçamentárias irregulares.
A decisão da Corregedoria Nacional, em perfeita consonância com o regime constitucional dos precatórios e com a Resolução CNJ nº 303/2019, teve como objetivo corrigir distorções e assegurar a higidez da dívida pública judicial. No entanto, sua aplicação prática em algumas instâncias gerou interpretações equivocadas, resultando, em certos casos, no cancelamento de precatórios com bloqueios, mas regularmente expedidos — isto é, aqueles que já haviam sido consolidados por força de preclusão temporal ou de reconhecimento de parcela incontroversa. Tais situações não estavam abrangidas pela liminar e suscitaram preocupações legítimas quanto ao alcance de seus efeitos.
É essencial deixar claro que a decisão da Corregedoria não visou — nem poderia visar — suprimir a independência judicial. Ao contrário, sua finalidade foi preservar a ordem jurídica e evitar fraudes ou erros que comprometessem a execução orçamentária. Ocorre que a forma como a medida foi interpretada por algumas unidades jurisdicionais, sem a devida distinção entre precatórios irregulares e aqueles legitimamente estabilizados, ainda que com cautelas, acabou por gerar efeitos indesejados que exigiram esclarecimentos no julgamento colegiado.
No seu voto convergente, o Conselheiro Ulisses Rabaneda destacou os limites da medida: são irregulares apenas os precatórios expedidos sem trânsito em julgado e sem reconhecimento de parcela incontroversa. Quando há preclusão temporal — pela inércia da Fazenda Pública em impugnar tempestivamente — ou preclusão lógica — decorrente do reconhecimento parcial ou total do crédito — a expedição do precatório é legítima e encontra amparo legal e constitucional. Nesses casos, não se trata de antecipação indevida, mas de consolidação legítima da obrigação. Assim, o cancelamento de tais precatórios não guarda correspondência com o decidido pela Corregedoria Nacional.
Em linha semelhante, o voto do Conselheiro Marcello Terto reforçou que a Resolução CNJ nº 303/2019 prevê hipóteses alternativas e não cumulativas para a expedição do precatório. Há, inclusive, decisões legítimas de expedição parcial com base em valores incontroversos que, diante da postura da União, não devem ser confundidas com irregularidades.
O Conselheiro Terto, ainda em seu voto proferido na sessão, observou que o dito “trânsito em julgado” não confere efeito suspensivo automático a recursos dele desprovidos e reafirmou que o uso abusivo do processo pela Fazenda — com impugnações protelatórias ou resistência infundada — não pode ser premiado com a paralisação das execuções judiciais. O reconhecimento da parcela incontroversa, por exemplo, impõe a expedição imediata do respectivo precatório, sob pena de comprometimento da efetividade da jurisdição e da própria autoridade da coisa julgada.
A atuação correcional do CNJ não visa limitar a função jurisdicional, mas sim garantir segurança jurídica, integridade orçamentária e respeito à Constituição. Ao mesmo tempo, busca-se preservar a autonomia judicial na condução das execuções e combater a litigância abusiva de entes públicos que resistem, sem fundamento, ao cumprimento de decisões judiciais definitivas.
O regime constitucional dos precatórios é um instrumento de efetivação de direitos fundamentais e de concretização da autoridade das decisões judiciais. Sua manipulação indevida, seja por omissão, seja por cancelamento sem base legal, gera instabilidade e ameaça a credibilidade do Poder Judiciário. O CNJ, ao reafirmar os parâmetros da decisão correcional, cumpre seu papel constitucional de garantir não apenas a integridade orçamentária, mas também o respeito à coisa julgada, à boa-fé, ao devido processo legal e à confiança do cidadão na Justiça, que não pode ser abalada por interpretações que extrapolem o que efetivamente se decidiu.
A decisão do Plenário é clara: corrigir distorções, sim; comprometer a confiança do jurisdicionado na Justiça, jamais.
Marcello Terto e Silva e Ulisses Rabaneda - Conselheiros do CNJ