Fomos ensinados a aceitar o tributo como condição para a vida em sociedade , um pacto civilizatório em que cada um entrega a César o que lhe é de direito (Mateus 22:21) . Contudo, o que se observa, é que a cada ciclo de propostas e medidas legislativas — que incluem a Reforma do Imposto sobre o Consumo pela Lei Complementar 132/2023, projetos de lei, emendas e outras proposituras — o contribuinte brasileiro presencia a ampliação do alcance tributário do Estado. Estamos cedendo além do razoável, muitas vezes sem clareza sobre o destino ou a contrapartida desse sacrifício coletivo.
O discurso oficial da “simplificação” e do “equilíbrio” é recorrente. Vende-se a ideia de que a reforma tributária trará justiça fiscal e modernidade. Mas, na prática, as mudanças vêm em etapas, fragmentadas, e mascaram um aumento de carga tributária que se infiltra sorrateiramente no cotidiano do contribuinte.
Cada nova fase da reforma é apresentada como solução definitiva, mas o sistema se torna mais complexo e menos previsível. O contribuinte, já sobrecarregado, é surpreendido por regras transitórias, exceções e interpretações que mudam ao sabor do tempo. A insegurança jurídica se agrava, pois nunca se sabe qual será o próximo capítulo dessa novela tributária.
O argumento da progressividade , tão caro à justiça fiscal, é frequentemente subvertido. Mecanismos regressivos por conta de suas exceções que favorecem poucos e oneram muitos, tem se tornado patinho feio do Sistema Tributário Nacional, tornando a promessa de equilíbrio federativo uma miragem diante da centralização das receitas e da ausência de compensações robustas para estados e municípios de menor porte. Aqui, vale um importante recorte: a concessão de incentivos fiscais somente se justifica na medida em que geram empregos, propiciam a capacitação de mão-de-obra, enfim, são aptas a redistribuir renda entre grupos e regiões do País. Servem, assim, mediatamente à justiça social e apenas nessa medida se justificam.
A cada “reforma”, a sensação é de que estamos caminhando para um destino incerto, onde o horizonte se esconde atrás de uma “fase de transição”. O pacto federativo se fragiliza, e a confiança na institucionalidade tributária se esvai, pois a cada etapa se amplia o fosso entre o que se promete e o que se entrega.
O resultado é um sistema que, sob o pretexto de alinhar-se às melhores práticas internacionais, perde a chance de promover verdadeira justiça fiscal. O contribuinte sente que dá mais do que recebe, enquanto a contrapartida estatal — em serviços, segurança e previsibilidade — se distancia da realidade.
No contexto do aumento efetivo da arrecadação, dois pontos merecem destaque: a recente proposta de tributação sobre lucros e dividendos, juntamente com reajuste do valor mínimo na tabela do Imposto de Renda, encampados pelo Projeto de Lei 1085/2025; e o Decreto nº 12.499/25, editado pelo presidente Lula, que majorou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras para operações de crédito, câmbio, seguro e previdência privada.
Ambos ilustram como as recentes alterações têm servido mais ao apetite arrecadatório do que à busca por justiça fiscal. No fim, a sociedade entrega a César tudo o que lhe é pedido — e um pouco mais — sem clareza de propósito ou de destino. A reforma tributária, fatiada e sem transparência, aprofunda a sensação de que estamos todos caminhando para um lugar incerto, onde o ponto de partida é o aumento da arrecadação.
É preciso resgatar o sentido original do tributo: instrumento de cidadania, justiça e desenvolvimento, e não mero mecanismo de arrecadação desenfreada. Que a sociedade não se conforme em apenas dar a César o que ele pede — “Daí, a César o que é de César, não tudo que César pede”, mas passe a exigir transparência, responsabilidade e compromisso com a Reforma Administrativa e corte de gastos.
Só assim será possível construir um sistema tributário verdadeiramente justo, eficiente e seguro, capaz de promover o desenvolvimento sem sacrificar, pouco a pouco, tudo o que é essencial para a vida em sociedade. O consenso é o único caminho possível: passa pela cultura da paz, do bom senso e do equilíbrio — valores indispensáveis para um Brasil mais justo e sustentável.
Lorena Gargaglione é advogada especialista em Direito Tributário, com atuação na área desde 2010. É sócia do escritório Gargaglione Costa Advogados