A crítica situação política vivenciada no Brasil trouxe de volta, em discussão, a controversa PEC das Eleições Diretas (Proposta de Emenda à Constituição 227/2016). O texto prevê em síntese, que seja alterada a Constituição Federal para que, caso haja vacância do Cargo de Presidente da República, seja convocada eleições DIRETAS.
O fato é que com a crise instalada no país ante às inúmeras denúncias em torno do presidente Michel Temer, prevê-se sua derrocada. Há de se afirmar que a situação do presidente, de fato, não é das melhores, pois sua “queda” pode se dar pelo impeachment (já são 13 os pedidos na Câmara), pela Cassação, no TSE, da chapa Dilma/Temer (cuja sessão de julgamento já tem início marcado para 06/06/17), ou, ainda, pela renúncia do cargo (embora ele tenha afirmado que não o fará). Portanto, não é demais discutir a forma que ocorrerá a sucessão em caso de queda do presidente Temer.
Como exposto acima, a PEC em tramitação tem por finalidade realizar ELEIÇÕES DIRETAS em caso de vacância do cargo de Presidente da República, em qualquer tempo, ressalvado os últimos seis meses do mandato, quando seriam por ELEIÇÕES INDIRETAS.
Insta asseverar que objetivo da proposta é similar ao conteúdo dos §§ 3o e 4o, incluídos pela última reforma eleitoral, ao artigo 224 do Código Eleitoral que dispõe:
§ 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.
§ 4o A eleição a que se refere o § 3o correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será:
I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato
II - direta, nos demais casos.
No que pertine ao artigo 224 do Código Eleitoral, ao meu ver, só pode ser interpretado para a vacância dos cargos de governador e prefeitos, assim, NÃO pode ser interpretado para casos de vacância do cargo de presidente da República, haja vista a Constituição Federal (art. 81) disciplinar expressamente sobre o tema, verbis:
Art. 81. Vagando os cargos de presidente e vice-presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
Conforme se verifica, a vacância do cargo presidencial deve ser suprida, constitucionalmente, exatamente como disciplina o artigo 81 da Constituição Federal, na hipótese de ocorrer nos últimos dois anos do mandado, por ELEIÇÕES INDIRETAS.
Em um primeiro momento, se acaso a famigerada PEC 227/16 tenha por escopo alterar o artigo 81 da CF, em tese, não seria inconstitucional. Ocorre que a proposta de emenda à Constituição em questão esbarra em outro dispositivo Constitucional, o artigo 16 que dispõe:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Com efeito, eventual proposta de emenda à constituição que vise realizar eleições presidenciais em caso de vacância do cargo, por tratar-se de processo eleitoral, estará sujeita ao princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral, prevista no art. 16 da CF.
Na lição de Lugero Liberato, o princípio da anterioridade eleitoral é:
“um desdobramento do princípio da segurança jurídica, adaptado ao Direito Eleitoral para garantir a estabilidade do processo eleitoral e, com isso, prestigiar a democracia. A regra da anualidade da lei eleitoral é de índole constitucional e deixa claro que até um ano antes das eleições não poderá haver qualquer alteração das regras do processo eleitoral”. LIBERATO, Ludgero, CHEIN JORGE, Flávio, RODRIGUES, Marcelo Abelha, Curso de Direito Eleitoral, Ed. Juspodivw, 2016)
Logo, o texto da PEC das Eleições Diretas é Inconstitucional. Ressalto que só não seria inconstitucional se acaso obedecesse o princípio da anualidade e as eleições fossem realizadas após um ano da promulgação da Emenda à Constituição. Fato que seria absurdo, pois pra que alterar a Constituição agora para realizar eleições extraordinárias, em ano de eleições ordinárias?!
Não há dúvidas que algo precisa ser feito para estancar a crise política vivenciada, mas, ainda que não fosse inconstitucional, convenhamos, realizar uma eleição presidencial de forma direta neste ano, gastando-se rios de dinheiro público, para em menos de um ano realizar novas eleições gerais, inclusive para presidente, gastando ainda mais recursos públicos, seria sacrificar demasiadamente estes mesmos recursos que já foram descaradamente, ao longo das últimas décadas, desviados do bem pelos maus.
Dessa forma, a PEC das eleições diretas NÃO PODE ser usada imediatamente como solução dos problemas políticos vivenciados pelo país, sendo, data vênia, inconstitucional. O caminho, então, em caso de queda do presidente Michel Temer, seria aquele já previsto na própria Constituição Federal, em seu art. 81, § 1o, qual seja: ELEIÇÕES INDIRETAS. Ademais, criar emendas e mais emendas, abrindo precedentes para a mudança do jogo em tempos de crise, só demonstraria o quão frágil juridicamente seria nosso país, e isso, não podemos permitir.
Julio Cesar Moreira Silva Junior é advogado em Mato Grosso, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de MT, professor da faculdade de direito do ICEC – Instituto Cuiabá de Ensino e Cultura.