O ministro Gilmar Mendes defendeu, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a inconstitucionalidade da norma de Mato Grosso, que autoriza a tramitação direta de inquérito entre a Polícia Civil e o Ministério Público.
Ao votar contra o relator, ministro Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes afirmou que não se deve suprimir do Judiciário o controle sobre a prorrogação das investigações.
O caso, de repercussão geral, chegou ao Supremo através do Recurso Extraordinário nº 660.814, de autoria do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de Mato Grosso (Sindepo), que contestou o Provimento 12/2005, da Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso. O ato prevê que, em caso de pedido de ampliação de prazo para conclusão do inquérito, “a análise será realizada pelo representante do Ministério Público, até mesmo para determinar diretamente a realização de diligência à autoridade policial”.
Em junho o julgamento foi iniciado, quando o relator votou para validar o provimento, por entender que a tramitação direta não diminui o papel da polícia na investigação criminal, apenas dá maior celeridade ao processo, evitando uma “triangulação dispendiosa” entre autoridade policial, Judiciário e MP, em que o juiz precisa despachar cada vez que uma diligência rotineira for requisitada.
Logo depois, Gilmar Mendes pediu vista dos autos para melhor analisar a situação. Agora, com a retomada da sessão, decidiu ir contra a norma da CGJ-MT.
Ao longo do voto-vista, Gilmar esclareceu que o dispositivo exclui indevidamente o controle judicial na análise de pedido de dilação de prazo da investigação e repassa o poder para o Ministério Público.
Mendes citou que o STF já assentou em diversos julgados, a possibilidade de investigação direta pelo MP. No entanto, ele acredita que as formalidades procedimentais devem ser respeitadas, ou seja, deve ser mantido o controle judicial para a proteção de direitos fundamentais e contenção de possíveis abusos do poder punitivo estatal.
“Portanto, resta evidente que o Poder Judiciário tem o poder e o dever de controlar a investigação preliminar, limitando eventuais abusos na persecução penal e resguardando direitos e garantias fundamentais. Assim, tal como já ocorre no âmbito do Supremo Tribunal Federal, entendo que a tramitação e a prorrogação das investigações deve ser controlada pelo Judiciário e, se houver ilegalidades, arquivada para proteção efetiva dos direitos fundamentais da pessoa submetida ao inquérito, seja ele policial ou investigação direta pelo MP, o que encontra respaldo na regra efetiva de envio dos autos por parte das autoridades investigativas aos juízes, conforme estabelecido pelo já mencionado art. 10, §1º,2º e 3º, do CPP”, diz trecho do voto.
Corrente divergente
Outros ministros também já votaram e também apresentaram entendimentos contrários do relator. Primeiro a inaugurar a divergência, Ricardo Lewandowski disse que a norma impugnada invadiu competência legislativa reservada à União. Ele considerou que a persecução penal está submetida a rigorosas balizas normativas, constitucionais e infraconstitucionais, que estabelecem limites objetivos ao poder de investigar do Estado.
Lewandowski ponderou que, para evitar abusos e assegurar a manutenção dos direitos e garantias individuais do investigado, não é possível abrir mão do estrito controle judiciário da investigação policial. Esse entendimento foi seguido pelo ministro André Mendonça, que destacou a necessidade da participação de magistrado, como figura imparcial, na fase inquisitorial que é o inquérito.
O julgamento ainda não está definido, já que os demais ministros do STF deverão se manifestar sobre o caso até o próximo dia 2, quando a sessão virtual se encerrará.
LEIA ABAIXO O VOTO DO RELATOR E DO VOTO-VISTA: