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Cuiabá, 30 de Julho de 2025

Legislativo Quarta-feira, 05 de Fevereiro de 2020, 17:09 - A | A

Quarta-feira, 05 de Fevereiro de 2020, 17h:09 - A | A

APÓS DECISÃO DO TJMT

“Afeto faz parte do modus operandi dos estelionatários sentimentais”

Segundo a advogada Juliana Giachin Pincegher, presidente da seção Mato Grosso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a vítima acredita estar numa relação de afeto e, por isso, se dispõe a ajudar financeiramente o companheiro

Da Redação

O estabelecimento de relação afetiva faz parte do modus operandi dos estelionatários sentimentais.

O entendimento é da advogada Juliana Giachin Pincegher, presidente da seção Mato Grosso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), ao comentar a decisão do Tribunal de Justiça (TJMT) que condenou um homem a pagar R$ 10 mil por danos morais a uma mulher, além de ressarci-la pelo prejuízo causado decorrente da prática de estelionato sentimental.

O homem fez empréstimo, compras de um notebook e em lojas de grife e pegou cheques em branco da namorada, que teve que arcar com as dívidas depois do término do relacionamento.

Segundo a advogada, a decisão é “justa e contemporânea à dinâmica das relações interpessoais e seus reflexos no mundo jurídico”.

“Enquanto a vítima acredita estar numa relação de afeto e, por confiar que aquele sentimento é recíproco e verdadeiro, se dispõe a ajudar financeiramente, emprestar dinheiro, realizar compras, contrair empréstimo etc, na certeza de que será reembolsada. O reembolso nunca virá”.

“O socorro ao Judiciário é a única alternativa que remanesce à vítima na tentativa de amenizar os prejuízos. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão da posição de vulnerabilidade da vítima. Se é por meio do afeto que foi possível a aproximação e aplicação do golpe, conclui-se, sem dificuldade, que será o ‘termômetro’ do direito a ser tutelado nessa espécie de conflito”, acrescentou.

Para Juliana, a sentença apresenta um olhar humanizado para o trato das relações na esfera judicial.

“O julgador, ao proferir uma decisão como a que se apresenta, evidencia sensibilidade com princípios constitucionais, especialmente da dignidade da pessoa humana, igualdade e isonomia”.

Ela acredita que trata-se de uma tendência no Judiciário, sem possibilidade de retrocessos.

“A evolução doutrinária alinhada com a contemporaneidade das relações e seus reflexos nos atos da vida civil ditam a tendência de um olhar sensível frente a essa temática, objeto de reflexão e ponderação na subjetividade de cada caso”.

“Penso que decisões como esta são, ao final e ao cabo, veículo condutor da efetividade da lei e seus princípios. É tirar da letra fria da lei o sumo da justiça e aplicar no caso concreto. De nada adiantaria contar com proteção normativa que, de um lado tipifica condutas causadoras de dano, passíveis de indenização, e, de outro, negar a tutela postulada”, observou Juliana.

Afeto

A advogada opinou que a Justiça considera o afeto desenvolvido pelas vítimas em casos como os de estelionato sentimental.

“É por meio desse sentimento que as relações interpessoais se desenvolvem e irradiam seus efeitos para atos da vida civil e, bem por isso, a doutrina moderna do Direito de Família confere à afetividade status de princípio”.

Ela citou a vice-presidente do IBDFAM, a advogada Maria Berenice Dias, que definiu a afetividade como “um princípio que fundamenta o Direito de Família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face de considerações de caráter patrimonial ou biológico”.

“Com esse entendimento, frente a um litígio em que o afeto seja o protagonista da celeuma, como é o caso do estelionato sentimental, é de se ver a importância em ponderar os sentimentos da pessoa que, de boa-fé, entrou em determinado relacionamento amoroso mas, enganada, acaba como vítima de violência emocional e patrimonial”, avaliou Juliana.

Preconceito, constrangimento e desinformação

Ela avaliou que o crime costuma passar ao largo da Justiça, já que as vítimas esbarram em uma série de barreiras e constrangimentos ao fazer a denúncia.

“Não é fácil para a vítima ter coragem de procurar uma delegacia de polícia, abrir sua intimidade e detalhar como foi enganada por seu companheiro ou namorado, que, como no caso específico, lhe ocasionou diversos prejuízos financeiros e patrimoniais”.

De acordo com Juliana, o silêncio das vítimas é uma das razões de o Judiciário ter recorrência ainda muito tímida no enfrentamento da questão. Homens e mulheres são vítimas de estelionato sentimental, mas o preconceito, a vergonha e a ignorância acerca da possibilidade de indenização atuam como freio na busca por reparação civil.

“A vítima, na maior parte das vezes, prefere suportar o prejuízo material a ter que se socorrer de uma ação indenizatória. Quando pode, busca a terapia para tratar os danos psicológicos decorrentes do trauma. A vergonha é, em alguma medida, acompanhada de culpa pelo ocorrido”, disse a advogada.

Além disso, a reparação dos danos materiais necessita de comprovação de repasse dos bens ou valores monetários.

“Para que seja ressarcida, a vítima precisa contratar um advogado e, mais uma vez, reunir as provas de que foi levada a erro, enganada sob o manto do afeto, para postular em juízo as indenizações devidas”, atenta Juliana.

Segundo ela, a decisão do TJMT traz ainda um relevante aspecto social, já que ainda há muito preconceito e desinformação sobre o que é estelionato emocional.

“Na medida que os fatos são levados a apreciação do poder judiciário, como consequência, o leque de informação se abre. Decisões como essa, sensibilizam as pessoas. De modo geral, pode-se extrair efeito positivo na medida em que a veiculação nos canais de comunicação possibilita que outras vítimas tenham conhecimento e noção de que podem ser vítimas de golpe. Por outro lado, é assegurado o direito à reparação pelos prejuízos sofridos”, finalizou Juliana. (Com informações da Assessoria do IBDFAM)