Uma trabalhadora que atuou por quase três décadas com a venda de anúncios publicitários para um grupo de comunicação, em Cuiabá, teve reconhecido o vínculo de emprego de todo o período e, com isso, o direito de receber verbas como férias, 13º salário e FGTS.
O reconhecimento da relação de emprego ocorreu após a Justiça do Trabalho concluir que o caso foi uma típica prática denominada de "pejotização", quando o empregador exige que o trabalhador (pessoa física) abra uma firma (pessoa jurídica) para prestar serviços e assim camuflar o vínculo de emprego e se esquivar de pagar os direitos trabalhistas.
Após ser condenada na primeira instância, a empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MT), que negou o recurso e manteve a sentença.
Seguindo o voto do relator, desembargador Roberto Benatar, a 2º Turma do TRT-MT avaliou que ficou provada a prestação dos serviços com os requisitos do vínculo de emprego, incluindo a subordinação jurídica, bem como a ocorrência da "pejotização" como subterfúgio à descaracterização da relação de emprego.
O relator enfatizou o conteúdo dos e-mails, com termos como "convocação" para reunião, "presença indispensável", bem como determinação para que seja "colocado na agenda" treinamento a ser realizado, expressões que denotam obrigatoriedade de comparecimento.
Essas e outras condutas reveladas pelos e-mails enviados pela empresa não deixam dúvidas, conforme o relator, do exercício do poder diretivo do empregador de orientar, coordenar e estabelecer a forma da prestação dos serviços. Por tudo isso, o julgador concluiu estar configurada a subordinação própria das relações de emprego, “evidenciando que a recontratação de trabalhadora anteriormente dispensada, ainda que sob vestes de pessoa jurídica, materializou fraude aos diretos trabalhistas da obreira ("pejotização")”.
FGTS e outros direitos
Com a decisão, o grupo de comunicação terá de pagar as parcelas inerentes ao vínculo de emprego, como férias e 13º salário, desde outubro de 2014 até a rescisão do contrato, em abril de 2019. As parcelas anteriores já estão prescritas e não podem mais ser exigidas.
A trabalhadora terá direito ainda ao pagamento de 90 dias de aviso prévio, considerando que o contrato de trabalho durou mais de 28 anos e ao seguro-desemprego, já que ficou reconhecido que o fim do contrato se deu sem justa causa e por iniciativa do empregador.
A empresa também terá de arcar com os valores correspondentes ao FGTS de todo o contrato (1990 a 2019), inclusive com acréscimo de 40%, em razão da dispensa sem justa causa.
Por fim, como consequência da procedência total dos pedidos da ação, a empresa terá de pagar os honorários à advogada da trabalhadora, fixado em 10% sobre o valor da condenação.
Recurso no TST
Após a decisão do TRT, o grupo de comunicação chegou a apresentar recurso de revista, pleiteando que o caso fosse julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. Entretanto, o recurso não foi admitido, por não cumprir os requisitos para a reanálise do caso.
O caso
A trabalhadora relatou, à Justiça, que começou a trabalhar para o grupo em maio de 1990 na função de contato publicitário, seguindo-se sucessivas contratações e dispensas até que, em 1998, foi-lhe imposta a necessidade de constituir uma pessoa jurídica, por meio da qual permaneceu prestando os mesmos serviços até abril de 2019.
Proferida na 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, a sentença concluiu – com base em documentos, relatos de testemunhas e até o depoimento do representante da empresa – que a relação possuía todos os requisitos característicos de uma relação de emprego, incluindo onerosidade, pessoalidade e subordinação.
Isso porque ficou comprovado o pagamento de comissões, a existência de metas e premiações aos vendedores que prestavam contas a um superior, inclusive em caso de afastamento para tratamento médico. Os contatos publicitários também utilizavam e-mail e crachá corporativo, além de que participavam de reuniões e cursos por determinação da empresa. Eles podiam, ainda, aderir ao mesmo plano de saúde dos empregados (contrato que, inclusive, era pago pela empresa) e utilizar outros convênios, como postos de gasolina e supermercados. Além disso, o próprio representante da empresa disse, em audiência, que os vendedores tinham de ter CNPJ para iniciar os trabalhos.
Diante das provas, a juíza reconheceu a fraude na contratação da trabalhadora como pessoa jurídica, “sendo evidente que a conduta das reclamadas visava impedir a incidência de obrigações e direitos trabalhistas”, finalizou. A magistrada também concluiu pela unicidade dos contratos, de 1990 a 2019.
O grupo de comunicação recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MT), reiterando o argumento de que há muitos anos a trabalhadora prestava serviços de forma autônoma. Antes disso, afirmou ter ocorrido dois contratos de trabalho, mas que o último foi extinto em 1998. Desse modo, qualquer eventual direito trabalhista já estaria prescrito. Porém, os argumentos não foram aceitos pelos magistrados do Tribunal. (Com informações da Assessoria do TRT-MT)