A instituição de alíquotas alfandegárias de 50% sobre um diversificado portfólio de produtos brasileiros de exportação com destino aos Estados Unidos, com entrada em vigor programada para 1º de agosto de 2025, ocasionou um conjunto de repercussões econômicas, diplomáticas e políticas. A medida, anunciada pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump, foi fundamentada por ele em uma alegada insatisfação com o tratamento político dispensado ao ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil. Tal ação tem sido largamente caracterizada como de natureza retributiva e político-comercial, recebendo veementes críticas de autoridades brasileiras, do setor empresarial e de organismos internacionais. A ausência de uma resposta articulada e eficaz por parte do governo brasileiro poderá perpetuar impactos econômicos adversos, tensões políticas e o aprofundamento do atrito diplomático bilateral. Faz-se, portanto, imperativa uma estratégia governamental célere e bem articulada.
Conforme dados da Comex Stat, a participação das exportações brasileiras destinadas aos Estados Unidos no total das exportações do Brasil perfaz, atualmente, 12%. Historicamente, esse percentual atingiu patamares superiores a 20% durante o quinquênio compreendido entre 1999 e 2004. Não obstante, após esse período, observou-se uma trajetória decrescente de participação que perdurou até o ano de 2010, a qual foi sucedida por uma fase de estabilidade nos anos subsequentes, com oscilações na faixa de 10% a 13%. ver figura 1 abaixo.
Figura 1 – Participação das Exportações dos Estados Unidos nas Exportações Totais do Brasil (1997-2024)
Fonte: Elaboração do autor, por intermédio do excel, a partir de dados extraídos da Comex Stat (2025).
No âmbito das unidades federativas brasileiras, Ceará, Espírito Santo, Paraíba e São Paulo são os que apresentam as maiores parcelas das exportações estadunidenses nas exportações totais, da ordem de 44,8%, 28,5%, 21,5% e 19,0%, respectivamente, revelando um elevado grau de dependência comercial com o país norte-americano e maior sensibilidade aos efeitos das tarifas estabelecidas – ver figura 2 abaixo.
Figura 2 – Participação Percentual das Exportações Estadunidenses nas Exportações Totais de cada Unidade Federativa no ano de 2024
Fonte: Elaboração do autor, por intermédio do excel, a partir de dados extraídos da Comex Stat (2025).
De acordo com estimativas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as novas tarifas podem gerar um prejuízo estimado de R$ 19 bilhões ao Produto Interno Bruto brasileiro e levar à perda de cerca de 110 mil empregos diretos e indiretos. Setores como siderurgia, café, celulose, suco de laranja, aeronáutica, carnes e máquinas estão entre os mais vulneráveis, muitos dos quais possuem forte dependência do mercado norte-americano.
Segundo o boletim do banco Itaú publicado recentemente, a medida deve interromper a trajetória de queda do dólar frente ao real, pressionando a inflação doméstica e elevando os riscos para o crescimento econômico. Apesar disso, a projeção de alta de 2,2% do PIB em 2025 foi mantida, mas o banco reconhece viés de baixa no cenário.
A Advocacia-Geral da União (AGU) classificou a medida como uma afronta à soberania nacional e uma tentativa de ingerência nos processos judiciais em curso contra Jair Bolsonaro. O advogado-geral da União, Jorge Messias, destacou que os Estados Unidos mantiveram superávit na balança comercial com o Brasil em 2024 e que qualquer retaliação será realizada nos marcos da legalidade internacional e com base na recém-aprovada Lei da Reciprocidade.
No campo político, o Governo Federal optou por uma abordagem diplomática, evitando o confronto direto e afirmando que “não precisa de briga, precisa de relação diplomática”. Um comitê foi formado com representantes do governo e do setor empresarial para definir estratégias de resposta e realinhamento comercial. O Governo reforçou que medidas recíprocas só serão adotadas caso as tentativas de negociação fracassem.Enquanto isso, entidades como o Sebrae ressaltaram o crescimento das micro e pequenas empresas nas exportações brasileiras, indicando que a diversificação da pauta exportadora e de mercados de destino pode mitigar parcialmente os danos. O número de pequenos negócios exportadores cresceu 112% nos últimos dez anos, alcançando mais de 11 mil empresas.
A suspensão de exportações de pescado aos EUA, por exemplo, já representa um alerta. O segmento movimenta cerca de US$ 240 milhões por ano e emprega milhares de trabalhadores, especialmente na cadeia da pesca artesanal. Com cerca de 1.500 toneladas de produtos retidos nos portos do Nordeste, o setor pressiona por abertura de mercados alternativos, como a União Europeia e países asiáticos.
No setor de carnes, frigoríficos de Mato Grosso do Sul anunciaram a paralisação temporária da produção destinada ao mercado americano. Empresas como JBS, Minerva Foods e Naturafrig estão redirecionando a produção para mercados como Chile, Egito e Sudeste Asiático. Segundo o Sincadems, essa paralisação é estratégica, visando evitar perdas com a tarifa e buscando alternativas sustentáveis.
No mercado financeiro, a reação à tarifa é imediata. Os contratos futuros de suco de laranja em Nova York subiram 8,7% e atingiram o maior nível em quatro meses. O café arábica também se valorizou. A reação foi impulsionada pela expectativa de desabastecimento, dado que o Brasil é o principal fornecedor desses produtos para os EUA.
A mídia internacional também repercutiu os efeitos do tarifaço. O jornal El País apontou que o real brasileiro caiu quase 3% após o anúncio, e ações de empresas como Embraer despencaram. A agência Reuters detalhou o impacto nos principais produtos exportados e advertiu sobre os riscos à competitividade do agronegócio brasileiro. Já a Câmara de Comércio dos EUA e a AmCham Brasil alertaram que a medida prejudica também a economia americana, encarecendo produtos e desorganizando cadeias de suprimentos.
Diante da magnitude dos impactos projetados pelas novas tarifas impostas pelos Estados Unidos, o Brasil encontra-se em um momento decisivo de sua política comercial. A resposta precisa aliar firmeza diplomática à inteligência estratégica, contemplando tanto ações multilaterais (como a eventual contestação junto à Organização Mundial do Comércio) quanto esforços para a ampliação de mercados e acordos bilaterais com outras regiões.
Ademais, o fortalecimento das pequenas e médias empresas exportadoras e a diversificação da pauta comercial surgem como pilares fundamentais para a construção de uma economia menos vulnerável a choques externos. Em um cenário global de crescente incerteza, a capacidade de articulação entre governo, setor produtivo e instituições será determinante para mitigar perdas, preservar empregos e reposicionar o Brasil no comércio internacional.
Adriane do Nascimento é Advogada. Especialista em Direito Societário, Direito do Trabalho e Direito Tributário. Mestra em Economia, Políticas Públicas e Desenvolvimento pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília/DF. Registrada no Conselho Regional de Economia sob o nº 0001/MT. Premiada no Prêmio Brasil de Economia – 2023, na categoria Artigo Técnico-Científico, no XXV Congresso Brasileiro de Economia realizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon). Consultora da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB (CFOAB) – Gestão 2022/2024. Atualmente, é Doutoranda em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília/DF.
REFERÊNCIASBRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Comex Stat: sistema de estatísticas de comércio exterior. Disponível em: https://comexstat.mdic.gov.br/pt/home. Acesso em: 16 jul. 2025.