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Opinião Sábado, 28 de Março de 2020, 08:27 - A | A

28 de Março de 2020, 08h:27 - A | A

Opinião /

Protesto judicial não interrompe a prescrição nas ações de improbidade

A interrupção da prescrição na LIA constitui-se em evento único, singular, não se prestando a ação cautelar de protesto para interromper o curso da prescrição nas ditas ações de improbidade administrativa



Questão atual que vem sendo bastante discutida no âmbito das ações de improbidade administrativa diz respeito à possibilidade jurídica ou não da ação cautelar de protesto interromper o curso prescricional nas ações de responsabilização por atos ímprobos.  

No que diz respeito ao tema, alguns singelos esclarecimentos se fazem necessários. Inicialmente, vale destacar que a ação de improbidade administrativa [AIA] não tem formalmente natureza penal. Para isso não se faz necessário um esforço complexo, basta observar a parte final do §4º do art. 37 da Constituição Federal.

A expressão “sem prejuízo da ação penal cabível” conduz à conclusão de que os atos de improbidade não possuem natureza penal [a questão foi definida pelo STF, ADI 2797].  

Todavia, não significa que seja exclusivamente cível, especialmente quando analisada a dosimetria da pena, concurso de pessoas, aferição do elemento anímico [dolo ou culpa grave], o benefício da dúvida, a irretroatividade da lei mais gravosa. Nota-se, sem peias, que tais predicados decorrem de clara sinonímia com o sistema de repressão criminal pátrio.  

Os atos ímprobos, por sua vez, sujeitam-se a termo [prescrição]. O art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa [LIA] estabelece os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, excepcionada a pretensão ressarcitória [art. 37, §5º; STF, MS 26.210 – apenas os decorrentes de atos de improbidade administrativa, quando dolosos: STF, RE 852475].  

A LIA diz textualmente que o curso da prescrição [Capítulo VII] será interrompido com a [mera] propositura da AIA, ou seja, da apresentação da inicial. Entre as condicionantes descritas pelos incisos do art. 23 da LIA, contam-se cinco anos. Se a demanda não for proposta até a ultimação do prazo, prescrita estará a pretensão condenatória no sistema de responsabilidade da LIA. O STJ, inclusive, considera regular a citação operada após o atingimento do prazo peremptório de 5 anos [STJ, REsp 1.391.212].  

Assim, a interrupção da prescrição na LIA constitui-se em evento único, singular, não se prestando a ação cautelar de protesto para interromper o curso da prescrição nas ditas ações de improbidade administrativa.  

Com efeito, muito controvertida é a admissão de uma segunda forma ou modalidade de interrupção da pretensão na LIA. Como se disse, a lei trata apenas de uma única hipótese interruptiva: a propositura da ação; não é despacho; não é citação. É o ajuizamento, entendido singelamente pelo registro do protocolo na unidade judiciária. Essa idéia, que concretiza o princípio da especialidade [art. 2º, §2º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro], já fora objeto, inclusive, de apreciação pelo STJ, vide: REsp 1.391.212.  

Nesse viés, apenas a propositura da AIA é capaz de interromper o curso da prescrição da LIA, até mesmo como consagração do princípio da actio nata. Há omissão regulatória no tocante às causas interruptivas [e suspensivas], adotando-se, o legislador, prazo único e global. As hipóteses descritas em estatutos funcionais não possuem o poder de interromper ou suspender o fluxo do curso da prescrição na AIA [LF 8.112/1990, art. 142, §§3º e 4º]. Considera-se a clarividente independência das instâncias.  

Portanto, sem embargo de quem pensa o contrário, tecnicamente é inadmissível a utilização de instrumentos processuais tendentes à interrupção forçada do curso da prescrição no sistema da Lei de Improbidade Administrativa.  

As razões são muitas. Como já salientado, a LIA é regida por um sistema próprio, do direito sancionatório, juízo aproximado do sistema de retribuição penal, segmento marcado pela inescusável concretização da regra da legalidade, que impede processos idiossincráticos abstratos de normas sancionatórias [restrição de direitos]. Interpreta-se exclusivamente e não inclusivamente. Tratando-se de normas excepcionais, a variação semântica é levada a zero, na medida em que lei de cariz restritiva de direitos tem na linguagem o limite da competência de sancionar. É justamente o caso ora examinado.  

Se não bastasse, A LIA também não autoriza, p.ex., a intercorrência da prescrição. O art. 23 da LIA não prevê a prescrição, no decurso de mais de cinco anos entre a propositura inicial e a decisão que a admite, ou outro marco, por absoluta falta de previsão. Conclusivamente, nessa primeira abordagem [que já é suficiente], o preceito [LIA, art. 23] que regula o prazo prescricional para a AIA [apenas], não possui comando permissivo para a aplicação da prescrição intercorrente nos casos de sentença proferida [STJ, REsp 1.289.993].  

Logo, a ação cautelar de protesto não se presta para a interrupção da prescrição nas AIA pela ontológica razão do regime publicístico da pretensão deduzida em juízo [relações jurídico-administrativas]. Dito de outra forma, a convergência do regime privatístico [próprio do CC] no independente sistema da improbidade administrativa não é adequada e revela manifesta descalibragem, sobretudo pela inexistência de prescrição intercorrente e a admissão de uma espécie de dobra do prazo para o Ministério Público propor a ação dita principal [a AIA], caracterizando desproporcional posição de vantagem processual do Estado frente ao cidadão investigado.  

Nesse passo, embora a discussão seja ainda recente, os tribunais pátrios já vêm se manifestando contrários a utilização da ação cautelar de protesto para interromper o curso da prescrição da pretensão condenatória nas AIA. Foi assim por exemplo na decisão adotada pelo TRF1ª que, no âmbito de sua jurisdição recursal, manteve a posição do juízo de primeiro grau e impediu a dobra do prazo, concluindo que não se pode aplicar à AIA o disposto no art. 202, II, do Código Civil, que prevê a interrupção da prescrição pelo protesto, por cuidar o Código Civil de relações jurídicas de natureza eminentemente privada, não se aplicando, portanto, às relações jurídico-administrativas [Processo 0000778-09.2017.4.01.3201].  

Como se vê, por mais que se queira atribuir sentido processual ao protesto judicial, não há razão convincente, porquanto o instituto possui natureza material; exatamente por isso que a decisão sobre a prescrição no processo civil dá lugar à extinção do processo com exame do mérito (CPC/2015, art. 487, II). Não se mostra minimamente adequada a utilização de instituto marcadamente de direito privado em situações de publicísticas de cariz absolutamente restritiva de direitos humanos fundamentais, signo de absoluta proximidade com o Direito Penal e Processual Penal.  

Pensar o contrário, seria o mesmo que imaginar que no âmbito penal, o titular da ação penal poderia requerer em juízo a interrupção da prescrição penal, ao argumento de que não logrou amealhar os elementos de informação suficientes para a elaboração do juízo de imputação penal.   Seria, antes, uma contradictio in terminis, pois estaria o Estado a colocar nas costas do cidadão a sua própria incompetência, sem ao menos conceder-lhe um suspiro de discordância, já que as decisões, ate mesmo pela natureza cautelar do protesto judicial  quase sempre, resume-se em mero despacho: “- defiro o protesto”, não havendo praticamente espaço para a materialização, concreção e livre exercício do sacramental direito ao contraditório.  

Isso sem contar que a utilização indevida da medida de protesto revela contrariedade aos postulados regentes da atividade administrativa sancionatória e está em oposição ao edifício da segurança jurídica construído pelo povo brasileiro quando da promulgação da Lei Fundamental de 1988.  

Valber Melo – Advogado criminalista. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Especialista em Ciências Criminais. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal Econômico. Professor de Direito Penal e Processual Penal.

Fernando Faria – Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação do Ministério Público (FMP/RS). Aluno do Programa de Mestrado em Direito Penal pela Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA/AR).  

Filipe Maia Broeto – Advogado criminalista. Mestrando em Direito Penal (UBA). Especialista em Ciências Penais (UCAM), Processo Penal (COIMBRA/IBCCRIM) e Direito Público (UCAM).