O resultado da eleição promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB/MT), em 10 de outubro de 2025, na qual nenhum advogado ou advogada oriundo das subseções do interior foi incluído na lista sêxtupla destinada ao preenchimento da vaga do Quinto Constitucional, evidencia não apenas um fato circunstancial, mas uma distorção estrutural no processo de representatividade institucional.
Necessária uma reflexão profunda sobre esse fato, pois, importante mencionar que das eleições dos últimos seis Quintos Constitucionais (TRT e TJ) (20 anos), esta última de 2025, foi a ÚNICA que não teve nenhum representante do interior na lista sêxtupla. Este é um fato que por si só merece toda a atenção. E não se trata de pensar em falta de interesse dos advogados e advogadas do interior ao pleito. Na verdade, o ponto de partida da análise é mais profundo, a reflexão dever ser a forma como a instituição tem pensado a advocacia do interior. Políticas de condições de igualdade sistêmica na escolha do Quinto com a participação efetiva e isonômica, entre capital e interior, devem ser consideradas.
Tal exclusão reflete uma assimetria de poder e visibilidade entre a advocacia da capital e a do interior, comprometendo o princípio da isonomia participativa que deve reger as instituições de classe. A ausência de representantes do interior na composição da lista não se trata de mera contingência eleitoral, mas de um sintoma de déficit democrático interno, em afronta ao ideal de pluralismo e diversidade à função constitucional da OAB de assegurar a ampla participação de todos os segmentos da advocacia.
A exclusão sistemática de vozes regionais compromete a densidade democrática da OAB e reduz sua capilaridade institucional, corroendo o vínculo de confiança entre a entidade e a advocacia do interior. A recomposição dessa legitimidade exige, portanto, não apenas a revisão de critérios eleitorais e regimentais, mas a reafirmação do compromisso da Ordem com a igualdade de oportunidades e a paridade regional como valores estruturantes de sua atuação pública.
Ainda em 2025, Adriane Nascimento, uma das autoras, subscreveu o artigo “A Eleição Direta para o Quinto Constitucional na OAB: Entre os Mitos da Inviabilidade e o Dever de Democratização Institucional”, no qual já destacava uma problemática que hoje se confirma com clareza: a manutenção de um modelo institucional que, sob o verniz da técnica e da tradição, consolida desigualdades históricas e concentra o poder de representação em mãos restritas. Sustentou, à época, que a resistência à democratização do processo não se funda em limitações jurídicas ou técnicas, mas em uma escolha política deliberada — a escolha de preservar estruturas que marginalizam a advocacia do interior e reduzem a pluralidade da classe a uma formalidade retórica. Essa configuração contraria princípios basilares da democracia, que ressaltam a indispensabilidade da participação ampla e plural para legitimar decisões de natureza institucional e representativa.
Do ponto de vista técnico, a ausência de nomes do interior na lista não revela falta de qualificação –, pois, no interior há inúmeros advogados autores de livros, mestres, doutores, extremamente qualificados, professores –, mas expõe um vício estrutural: um modelo institucional moldado para favorecer a concentração de poder nas instâncias da capital. A eleição indireta, restrita aos conselheiros seccionais, opera como um filtro de reprodução hierárquica, no qual redes de influência e capital simbólico se retroalimentam. Na prática, ergue-se uma barreira silenciosa — uma espécie de fronteira institucional — que impede que a advocacia do interior, ainda que qualificada e comprometida, atravesse o caminho que leva à representatividade efetiva. A eleição indireta, tal como atualmente praticada, funciona, na prática, como mecanismo de preservação de privilégios e de articulações corporativas consolidadas.
Essa exclusão tem consequências jurídicas e democráticas relevantes. O art. 94 da Constituição Federal estabelece o Quinto Constitucional como instrumento de oxigenação do Judiciário — um mecanismo para inserir a experiência e a sensibilidade da advocacia e do Ministério Público nas cortes. Quando a escolha é capturada por um grupo restrito e geograficamente concentrado, o sentido constitucional do instituto se esvazia. O Quinto deixa de ser um canal de pluralidade para tornar-se um circuito fechado, autorreferente, que fala mais à hierarquia da Ordem do que à sociedade que ela representa.
Do ponto de vista técnico e institucional, há caminhos possíveis e com viabilidade para avançar. A primeira é a adoção do voto direto — ou, ao menos, a implementação de um modelo híbrido, no qual a advocacia de todo o Estado participe da formação de uma pré-lista. Tal sistema permitiria a inclusão orgânica de vozes regionais e a mitigação das distorções decorrentes da concentração de poder decisório em grupos restritos. Há modelos que funcionam — e já funcionam em outros Estados, como Seccionais da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Amazonas e Santa Catarina, que implementaram eleições diretas ou híbridas para a escolha da lista sêxtupla, ampliando a participação da classe e fortalecendo a legitimidade do processo. O resultado é simples e poderoso: mais diversidade de perfis, maior engajamento e um sentimento real de pertencimento da advocacia. A modernidade não é obstáculo, é ferramenta.
Além disso, instrumentos de paridade territorial deveriam ser incorporados ao regulamento interno: por exemplo, a reserva mínima de vagas por região ou a obrigatoriedade de que pelo menos um nome do interior componha a lista final, desde que observados os critérios de mérito e conduta ética. Tais medidas não ferem a meritocracia; ao contrário, a qualificam, porque ampliam o universo de talentos reconhecidos e reduzem o viés estrutural que invisibiliza carreiras construídas fora da capital. Defender a inclusão da advocacia do interior nesse processo não é apelo emocional, é exigência republicana. Os profissionais que atuam longe da capital enfrentam carências estruturais, travam batalhas diárias em comarcas distantes e mantêm viva a essência da advocacia cidadã. Excluí-los do debate é negar o valor social e constitucional de seu trabalho.
É preciso compreender que a advocacia do interior não é periférica — é fundacional. É nela que se consolida a experiência do acesso real à justiça, do enfrentamento cotidiano das deficiências estruturais e da aplicação prática dos princípios constitucionais e, ignorar essa base é comprometer a própria legitimidade da representação institucional. A eleição ao quinto de 2025 ficará registrada não apenas como um evento eleitoral, mas como uma marca da ausência de representativa da advocacia interiorana na lista sêxtupla. Ou a OAB/MT assume o papel de vanguarda institucional, reconhecendo o valor da advocacia do interior e reformando seu processo de escolha, ou continuará a reproduzir a exclusão que diz combater, apenas em época de eleições.
O episódio da eleição de 2025, portanto, deve servir de ponto de inflexão: ou o sistema OAB revisa seus processos internos para garantir efetiva representatividade e isonomia, ou continuará a perpetuar um cenário de desigualdade, desconectada da realidade plural do Estado. O desafio agora não é apenas técnico, mas ético e político. Democratizar o processo é, em última instância, reafirmar o papel constitucional da Ordem como defensora da cidadania, da justiça e da democracia.
Esse debate não se esgota na crítica — ele deve servir como alavanca para uma (re)construção democrática da OAB mato-grossense, na qual o interior não seja lembrado apenas como retórica de inclusão em período eleitoral, mas se torne parte viva e indispensável da identidade da advocacia estadual. A Seccional de Mato Grosso enfrenta uma escolha clara: permanecer refém de estruturas historicamente excludentes ou dar início a um processo de renovação democrática que fortaleça a pluralidade, a representatividade e a legitimidade de suas decisões institucionais. O momento exige coragem política para práticas efetivas, garantindo que a diversidade da advocacia seja não apenas reconhecida, mas integrada de forma estrutural ao exercício da representação.
Cibeli Simões Santos, Advogada. Sócia- fundadora do Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia; Especialista em Direito Tributário pela UNIDERP-SP; especialista em Linguística pela UNEMAT; especialista em Direito Civil Contemporâneo pela UFMT; especialista em Direito de Família pela Universidade de Coimbra; Mestra em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso; Doutora em Direito pela Universidade de Marília- SP; Conselheira estadual da OAB/MT triênio 2019/2021; Presidente da 3ª Subseção de Cáceres- OABMT, triênio 2022/2024 e 2025/2027. Autora do Livro “Propriedade Privada e a Função social Constitucional: o complexo equilíbrio entre Meio Ambiente e Agronegócio na Ordem Econômica Brasileira”.
Adriane do Nascimento. Advogada. Consultora Econômica. Sócia-Administradora do Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia; Especialista em Direito Societário, Direito do Trabalho e Direito Tributário. Mestra em Economia, Políticas Públicas e Desenvolvimento pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília/DF. Registrada no Conselho Regional de Economia sob o nº 0001/MT. Premiada no Prêmio Brasil de Economia – 2023, na categoria Artigo Técnico-Científico, no XXV Congresso Brasileiro de Economia realizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon). Consultora da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB (CFOAB) – Gestão 2022/2024. Atualmente, é Doutoranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília/DF.
Nota técnica: Eleições Diretas – Seccionais de Alagoas (AL), Amazonas (AM), Paraíba (PB), Pernambuco (PE), Rio Grande do Norte (RN), Roraima (RR), Santa Catarina (SC), Sergipe /(SE). Eleições Híbrida: Seccionais da Bahia (BA), Distrito Federal (DF), Espírito Santo (ES), Maranhão (MA). Eleições Indireta: Acre (AC), Amapá (AP), Ceará (CE), Goiás (GO), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), Pará (PA), Paraná (PR), Piauí (PI), Rio de Janeiro (RJ), Rio Grande do Sul (RS), Rondônia (RO), São Paulo (SP) e Tocantins (TO)
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 5 out. 1988.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL SERGIPE (OAB/SE). Relatório da Comissão Especial sobre o modelo de escolha da lista sêxtupla para o Quinto Constitucional. Aracaju: OAB/SE, 10 out. 2024. 21 p.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO BAHIA (OAB-BA). OAB Bahia aprimora eleição direta para lista sêxtupla do Quinto Constitucional com medida para reduzir risco de abuso de poder econômico. Salvador: OAB-BA, 13 dez. 2024. Disponível em: https://www.oab-ba.org.br/. Acesso em: 11 out. 2025.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL SERGIPE (OAB/SE). Quinto Constitucional: estudo da comissão especial atesta que eleições híbridas são mais justas e igualitárias. Aracaju: OAB/SE, 21 dez. 2024. Disponível em: https://www.oabse.org.br/. Acesso em: 11 out. 2025.
DO NASCIMENTO, Adriane. A eleição direta para o Quinto Constitucional na OAB: entre os mitos da inviabilidade e o dever de democratização institucional. Ponto na Curva, Cuiabá, 10 jul. 2025. Disponível em: https://www.pontonacurva.com.br/opiniao/a-eleicao-direta-para-o-quinto-constitucional-na-oab/27652. Acesso em: 13 out. 2025.




