Continuando a série de artigos direcionados à conciliação entre o desenvolvimento econômico e a legislação ambiental, passo a explicar o direito garantido àqueles que possuem imóveis com extensão territorial menor que quatro módulos fiscais.
Como dito acima, a pequena propriedade rural é caracterizada por imóveis menores, geralmente com menos de 400ha (quatrocentos hectares), a depender da região (pois o módulo fiscal varia entre Municípios), em que são desenvolvidas atividades agrossilvipastoris no exercício da função social.
Da mesma forma como dito nos artigos anteriores (disponíveis nas Edições desta mesma revista publicadas em Sorriso e Lucas do Rio Verde, Mato Grosso), a Lei 12.651/2012 (Código Florestal) trouxe novas disposições a respeito de tais propriedades, elencando uma espécie de “benefício” às pessoas do campo.
Para isso, implementou-se o mecanismo de modo mais ativo, trazendo alternativas aos proprietários rurais para efetiva regularização de seus imóveis, isto é, na intenção de conciliar a legislação ambiental com o desenvolvimento econômico.
Diante disso, expliquei que, para imóveis maiores que quatro módulos fiscais, referida Lei trouxe o art. 66, que permite a adoção pelo proprietário/possuidor rural das alternativas ali previstas para “adequar” o chamado “passivo ambiental” (que nada mais é que o déficit de área de reserva legal) com a finalidade de regularizar sua propriedade, tudo dentro do PRA (Programa de Regularização Ambiental), desde que a supressão tenha ocorrido até 22/07/2008 (data que remete à publicação do Decreto 6514/2008, que regula as infrações ambientais).
Neste plano, para áreas maiores, o imóvel que possuir passivo ambiental (isto é, estiver em dissonância com o art. 12 da Lei 12.651/2012) poderá ser recomposto em até 20 anos (art. 66, §2º) mediante a regeneração ou recuperação na mesma propriedade, ou compensado mediante a oferta de outra propriedade com o percentual de vegetação “faltante” (art. 66, III e § 5º), gerando o direito ao desembargo previsto no art. 59, da mesma Lei.
Já com relação às propriedades menores, desde o início dos estudos e da própria natureza da qualificação da área em si, por evidente, deveria haver um tratamento diferenciado, justamente, pois, a dificuldade para o início, continuidade e ampliação, mostra-se muito dificultoso.
Ora, não é novidade que o pequeno produtor sofre com a implementação de suas atividades e está sujeito a riscos maiores para o desenvolvimento das culturas, seja ela pecuária, agrícola, ou qualquer outra.
Tal diferenciação está estampada nas dificuldades em conseguir financiamentos, equipamentos, instrumentos, petrechos e até mesmo mão de obra para ampliar o seu labor no campo, muitas vezes também pela ausência de acesso à informação útil e necessária para desenvolver melhor o trabalho.
Neste par, da mesma forma como são criados benefícios institucionais, até mesmo mediante sindicatos ruralistas e/ou linhas de crédito exclusivas para tais casos (como PRONAF, etc.), o legislador percebeu que seria necessária uma diferenciação no que se refere ao passivo ambiental.
Para isso, enxergou-se que o pequeno proprietário e possuidor rural deveria ter uma vantagem, eis que a sua vida no campo possui maiores obstáculos quando comparada aos grandes produtores, o que poderia enfraquecer e até mesmo extinguir o trabalho se, por óbvio, fosse-lhe conferido o mesmo tratamento.
Assim, o legislador buscou incentivar o labor no campo aos pequenos proprietários rurais, porquanto embora se trate de obrigação legal (à luz do art. 225, da Constituição Federal), no sentido de proteção/reparação do meio ambiente, o desenvolver da atividade rural é necessário à sociedade e traz somente benefícios, tudo em respeito ao direito à exploração econômica.
Obviamente, então, foi necessário estabelecer uma espécie de “termo” para que houvesse a concessão da benesse, e a solução foi estabelecer o conceito de pequena propriedade rural, qual foi qualificada como aquela que possui extensão menor que quatro módulos fiscais.
É certo que o art. 12 da Lei 12.651/2012, traz a quantia de área de reserva legal que todo imóvel rural deve ter, a depender do bioma (com exceção daqueles que podem ser compensados – ler os artigos anteriores para entender).
Por outro lado, aos pequenos imóveis rurais tal disposição deixou de ser aplicada em todo caso, na medida em que o passivo ambiental (entendido como percentual faltante de vegetação nativa do art. 12, do Código Florestal) não precisaria ser exigido, ou seja, seria dispensado.
Reflexamente, o requisito para isso foi apenas um: deve a pequena propriedade rural ter o mesmo percentual de vegetação nativa que possuía em 22/07/2008.
Explicando em linhas mais claras, se o imóvel tinha em 22/07/2008 área de vegetação nativa incompatível com o art. 12, do Código Florestal, desde que continuasse nas atividades rurais, estará dispensado de recompor, compensar ou mesmo regenerar nos dias atuais.
Por isso, se um pequeno proprietário rural desmatou a sua propriedade rural antes de 22/07/2008, mesmo que em sua totalidade (excetuando-se as áreas de preservação permanentes), não será necessário recompô-la, considerando que, para fins legais, a sua área estará regular.
A logica da Lei é que não faz sentido que um pequeno proprietário rural seja forçado a recuperar um imóvel que está, há muito, no exercício das atividades rurais. Não é atoa que existem pequenas propriedades rurais com mais de quarenta anos abertas e em pleno desenvolvimento social, tornando-se injusto que sejam ela recompostas, sob pena de compelir o produtor à falência.
Note que forçá-lo a recuperar a pequena propriedade no patamar do art. 12, do Código Florestal, seria o mesmo que sentenciá-lo ao abandono do imóvel, posto que o custo da recuperação, por vezes, seria maior do que a sua capacidade econômica e, em alguns casos, maior do que o valor da propriedade em si.
Não se mostra razoável que isso seja exigido dos pequenos proprietários rurais, o que claramente percebeu o legislador quando editou o Código Florestal com a disposição mencionada: não faz sentido estimular o uso da terra para, no futuro, penalizar o produtor que somente cumpriu com o que lhe foi repassado.
Daí, aqui entram as autuações e embargos sobre referidos imóveis.
Prevendo essas problemáticas, a Lei previu que o proprietário rural que foi autuado pela supressão da vegetação deveria (e deve) ter o mesmo tratamento daquele que não foi e, daí, instituiu a suspensão das autuações e embargos, sendo que, para pequenas propriedades, é permitido o cancelamento deles!
Neste caso em específico, então, o pequeno proprietário rural que suprimiu a vegetação antes de 22/07/2008 e teve sua propriedade autuada e embargada, tem o direito de continuar nas atividades rurais, ao passo que está desonerado de recuperar o passivo ambiental, como visto acima.
Note que, desde hoje, é evidente que a propriedade rural que enquadrar-se como pequena pode ser desembargada, posto que esta regular perante a Lei de regência, não havendo que se falar em suspensão, especialmente considerando a premissa: o que está regular não pode ser embargado, nem impedido.
Por óbvio, no caso de pequenas propriedades rurais, o desembargo está previsto na Lei e desde hoje é evidente a possibilidade de sua aplicação!
Registro também que infelizmente o referido entendimento não está completamente consolidado, embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido que não há nenhum empecilho para sua aplicação, o que passou a ser aceito por Tribunais inferiores.
Assim, pontuo novamente que é clara a intenção do legislador neste sentido: a interpretação da Lei deve ser lógico-sistemática, sob pena de invalida-la e impedir sua finalidade.
Ressalto, aqui, que não é novidade para este advogado o levantar desta tese (desembargo, suspensão e cancelamento de autuações e embargos) perante os Tribunais Regionais Federais da 1º e 4º Região, nas Seções e Subseções Federais correspondentes, e ainda nos órgãos administrativos, devendo-se ressaltar que vários julgadores assim já se posicionaram, mas há resistência: ainda estamos afastados de sua aplicação em termos gerais.
No mais, importa mencionar que as propriedades maiores, também tem direito ao desembargo, mas os requisitos são diferentes, conforme expliquei nos artigos anteriores publicados nas Edições de Sorriso e Lucas do Rio Verde desta mesma revista.
Concluo, portanto, que o direito ao desembargo é benefício conferido às pequenas propriedades rurais e deve ser observado, sob pena de trazer não só o evidente prejuízo ao produtor rural, mas também à cadeia sucessória que chega ao consumidor final: sem produção, não há alimento!
Alcir Fernando Cesa, advogado atuante no ramo do direito ambiental e agrário nos Estados de Mato Grosso, Paraná e Pará, co-fundador da LEOBET & CESA – Sociedade de Advogados.