O Brasil ao longo das ultimas décadas vem enfrentando diversos desafios de ordem política, social, econômica, foi devastado pela corrupção política e agora atravessa o evento mais dramático, de escala mundial, a Pandemia da COVID-19, Novo Coronavírus.
Em meio a todo drama jamais vivenciado pela humanidade nas ultimas décadas, mormente pelo risco real de morte que o vírus vem causando e a propagação em escalas estratosféricas de multiplicação diária, seria para alguns incompreensível debater sobre as eleições municipais de 2020 e o reflexo negativo que o Coronavírus causou, vem causando e, certamente, causará no processo eleitoral deste ano a ponto de se cogitar até mesmo a suspensão das eleições com o seu consequente adiamento e até mesmo uma eventual unificação das eleições municipais com as gerais em 2022.
Em primeiro lugar, não acredito que seja um debate precoce, nem imaturo e insensível discutir sobre as eleições – ou sua viabilidade – em meio ao terror que Pandemia que vem causando à sociedade.
Em segundo lugar, deve ser conferida às eleições municipais a importância que ela possui, pois é o destino administrativo-político de 5.570 municípios, os quais os respectivos Prefeitos e Vereadores, em escala local, são representantes de todos os cidadãos brasileiros. Portanto, nunca é cedo demais para se discutir sobre as Eleições nem no Brasil, nem em qualquer outro lugar do mundo.
Quando se pensa em eleições Municipais em meio a Pandemia, os fatos são quase sempre os mesmos, suspensão, cancelamento, adiamento das eleições previstas para se realizarem em 04 de outubro de 2020; até a unificação com o pleito de 2022 já esta sendo cogitada.
É inegável que a Pandemia do Coronavírus é alarmante, preocupante, até o momento em que estou redigindo o presente artigo (às 21 horas do dia 30/03), somente no Brasil já estão confirmados 4.579 (quatro mil quinhentos e setenta e nove) casos de pessoas infectadas, sendo que constam 159 (cento e cinquenta e nove mortes), mortes. O pânico vivenciado por nós atualmente, talvez, só quem viveu a Segunda Guerra Mundial possa ter sentido antes.
Mais preocupante – e até mesmo constrangedor – são as interpretações que alguns Agentes Políticos possuem sobre a Pandemia, hora é aterrorizante, hora é um simples sintoma gripal. Isso sem mencionar o confronto travado por políticos de esquerda de um lado e da direita de outro, propagando aos seus grupos políticos informações de interesse ideológico e nesse confronto até grandes emissoras de televisão tomam partido, sem dúvida estes não tomam o partido do cidadão. Como diz um querido amigo, tudo causado pelo EGO do ser humano.
O inegável é que a Pandemia faz-nos repensar sim sobre a realização das Eleições Municipais de 2020. Também é inegável que o Vírus já prejudicou o Processo eleitoral, pois no próximo dia 04/04/2020 encerra-se o prazo para que o cidadão faça seu alistamento eleitoral ou transfira seu domicílio eleitoral para o município que deseja disputar uma das vagas de Vereador, Prefeito e Vice-Prefeito. Na mesma data, é o prazo limite para filiação Partidária com a mesma finalidade.
Afirmo que o processo eleitoral já foi prejudicado porque desde 23/03/2020 os Cartórios eleitorais no estado de Mato Grosso estão com atendimentos presenciais suspensos, sendo que permanecerão assim, pelo menos, até 30/04/2020 de conformidade com a Portaria n. 125/2020 do TRE/MT. Ora, como é que o cidadão que deseja se candidatar a um cargo eletivo em determinado município poderá transferir seu título e assim alterar seu domicílio eleitoral ? Atualmente não consegue!
Os mais debochados dirão: Ah é brasileiro mesmo, sempre deixando para a última hora. Os mais realistas, talvez céticos, dirão: Ah mais a pessoa deveria ter procurado o Cartório eleitoral antes. Digo eu: como é que qualquer ser humano poderia prever que algum dia vivenciaríamos uma Pandemia como esta!? Nunca, pelo menos eu, jamais pensei!
O certo, o inegável é que estes cidadãos não conseguirão – pelo menos até hoje, em Mato Grosso, transferir seu domicílio eleitoral com vistas a estarem aptos a concorrer numa eventual eleição em outubro. Digo pelo menos em Mato Grosso, pois tenho conhecimento que o TRE-RJ na vanguarda, e atento aos efeitos maléficos da Pandemia, editou norma permitindo a transferência de domicilio eleitoral mediante solicitação por e-mail, atitude louvável daquele Regional. Mas, ainda assim pelo Brasil afora o que se mais verifica são cidadãos que poderão ficar de fora da participação política, um prejuízo irreparável ao direito de ser votado. Com efeito, a Pandemia também vem prejudicando as filiações partidárias!
E não há que se falar em ausência de prejuízo neste aspecto em razão da possibilidade de filiação partidária pela Internet. Sim, é possível filiar a pessoa pela Internet. Mas, a Pandemia colocou todos nós em Quarentena, em Isolamento Social e quem trabalha de perto com política e partidos políticos sabe muito bem que é impossível arregimentar filiados sem inúmeras reuniões, contato físico com o lideranças, com nosso povo.
Portanto, afirmo também que a Pandemia já prejudicou inúmeras filiações partidárias, principalmente para as chapas de Vereador. Não bastasse o fato de que os candidatos a Vereador no pleito de 2020 serão cobaias do teste da proibição de coligações proporcionais, com a Pandemia, o numero de candidatos e partidos que disputariam as eleições municipais reduzirá ainda mais drasticamente.
Insta observar, outrossim, o prejuízo causado à Janela Partidária que é a possibilidade de mudança de partido aos atuais detentores de mandato, sem que incorra em infidelidade partidária. Estes, também sairão prejudicados no Processo Eleitoral, pois estão privados de reunirem-se com sua base eleitoral e tomarem a decisão mais acertada para si e seu grupo político. Então talvez fosse o caso de repensarmos mesmo na viabilidade das eleições Municipais deste ano.
Alguns Congressistas já tomaram frente e propuseram PEC – Proposta de Emenda Constitucional – a fim de suspender as eleições, entre eles, em Mato Grosso, destaco o Senador Wellington Fagundes, cuja proposta visa, o cancelamento das Eleições Municipais deste ano, unificando-a com as Eleições Gerais de 2020, com a consequente prorrogação do mandato dos atuais Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores.
Outro representante mato-grossense na bancada federal que já se manifestou favoravelmente ao adiamento das eleições é o Deputado Neri Geller. Importante asseverar que os políticos mato-grossenses citados acima, não são os únicos que cogitaram a suspensão das eleições em razão da Pandemia do Coronavírus. O próprio Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, profundo conhecedor do problema, já se posicionou favorável ao adiamento do pleito. Em contrapartida, no Tribunal Superior Eleitoral, a Presidente da Corte, Ministra Rosa Weber, afirma que seria precoce o debate sobre o adiamento das eleições municipais, reafirmando que o calendário eleitoral esta sendo cumprido. Precoce ?
Ah, relevemos, a Ministra é brasileira; numa tomada sádica, ouso dizer que brasileiro deixa tudo pra ultima hora. Ainda no TSE, em um tom mais sereno, apaziguador, diria mais realista, o Ministro Roberto Barroso, futuro Presidente da Corte Eleitoral e quem será responsável por comandar as eleições caso realizem, cogitou a possibilidade de adiamento do pleito, mas entende que não deveria ser por um grande lapso temporal, sugerindo a prorrogação do pleito para Dezembro de 2020, mantendo-se a posse dos eleitos em janeiro de 2021.
Pois bem, preocupo-me, como todo cidadão no seu Juízo Perfeito, com a saúde minha, da minha família, de toda população mundial, sobretudo da população dos 5.570 municípios que de acordo com o mandamento Constitucional e a Legislação eleitoral, devem ir as urnas em 04/10/2020. E caso de fato o “precoce” debate sobre a suspensão e adiamento das eleições ganhe força, trago abaixo informações jurídico-legais sobre o tema. Com efeito, vale ressaltar que as datas das eleições estão previstas na Constituição Federal.
Vejamos: Art. 29 (...) Inciso II - eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores; III - posse do Prefeito e do Vice-Prefeito no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição;
Ora, uma vez positivada no Corpo da Constituição Federal, qualquer alteração da data da eleição, deverá ocorrer por meio de Emenda Constitucional, por ser uma norma prevista constitucionalmente. Por este motivo, as propostas de suspensão das eleições acima expostas, foram realizadas através de uma PEC. Ocorre que, uma alteração constitucional e uma aprovação de uma emenda é um processo mais difícil, pois, conforme § 2º do art. 60 da Constituição Federal, “a proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”.
A alteração feita na Constituição Federal deve ser por meio de emenda constitucional cujo tramite de aprovação é mais rígido, justamente para preserva-la. Ocorre que um trâmite de votação de forma mais dificultada tem o objetivo de que propostas que eventualmente possam ferir a Constituição Federal não passe pelo filtro do legislador, impedindo a alteração constitucional por uma votação viciada.
Assim, ante a necessidade de quórum qualificado, ou seja: “em dois turnos, em ambas as casas legislativas (câmara e senado) por três quintos dos votos dos membros" e não dos presentes, busca exatamente um debate mais aprofundado acerca da mudança proposta no texto constitucional. E com a Pandemia, tudo que nós não temos, talvez seja tempo de debate.
No que diz respeito a alteração constitucional para a suspensão e consequente adiamento das eleições Municipais de 2020, caso a Pandemia imponha essa necessidade, apesar de ser algo difícil, é possível, desde que as autoridades políticas nacionais queiram aprovar tais medidas.
De qualquer forma, o tempo urge, e como visto, o debate constitucional para alteração do texto legal não é simplório, logo o debate sobre o adiamento ou não das eleições não é precoce. O mais céticos, ou os Constitucionalistas extremistas dirão que essa alteração da Constituição Federal neste momento seria inconstitucional devido o princípio da anualidade previsto no art. 16 da CF/88, o qual prevê: “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
Contudo, em uma análise menos aprofundada, haveria a possibilidade de alteração, mesmo porque a Pandemia nos colocou em um real Estado de Calamidade. Diante do exposto, inegável que a Pandemia do Cononavírus nos colocou num evento de proporções planetárias, acometendo desde os menos abastados até os detentores das maiores fortunas do mundo, todos numa vala comum. Ainda não há a cura para o vírus, embora medicamentos já existentes demonstraram que poderão ser eficientes no controle e tratamento.
A recomendação é uma só: prevenção. E essa recomendação é com êxito alcançada mediante isolamento social, o que é claro vai de encontro com as Eleições, posto que impossível realiza-las sem aglomeração de pessoas, sem contato físico com pessoas e objetos; tudo o que não podemos fazer em quarentena.
Em meio a todo o drama por nós vivenciado atualmente, talvez seja o fato de repensar a viabilidade das eleições municipais no início de outubro, o mundo já nos deu exemplo: o Japão e o Comitê Olímpico Internacional adiaram os jogos Olímpicos, os Estados Unidos da América cancelaram Eleições Primárias em 9 (nove) Estados, no Brasil, por mais esdruxula que seja a comparação, o Censo de 2020 foi adiado para 2021.
Então, novamente reafirmo, o debate sobre adiar ou não as Eleições Municipais no Brasil não é precoce. Finalmente, analisando as propostas já existentes, seja suspensão das eleições para adiar as datas ou cancelar as eleições para unificar os pleitos gerais e municipais, a alteração deve ser realizada da mesma forma, qual seja: por meio de Emenda Constitucional. Na proposta – cogitada nas entrelinhas – do Ministro Roberto Barroso, em caso adiamento da eleição para dezembro deste ano, poderia ser possível os eleitos tomarem posse já no dia 1º de janeiro de 2021, e assim só precisaria alterar o art. 29, I da CF.
Contudo, na proposta – já apresentada – pelo Senador Wellington Fagundes, em caso de cancelamento e unificação das eleições de 2020 com as de 2022, os mandatários atuais deveriam ficar no cargo por mais 2 anos, necessitando alterar também o inciso III do art. 29 da CF.
E com a unificação um problema ainda maior, o art. 29, I da CF disciplina que as eleições dos Prefeitos e Vereadores são realizadas a cada quatro anos, mandamento vigente quando o eleitor foi as urnas em 2016, então como alterar a regra no meio do jogo ?
Proposta mais complicada, talvez inviável ante a este mandamento constitucional. Embora menosprezada por precocidade, por enquanto, o que existem são hipóteses, embora algumas já tenham tomado corpo de Proposta de Emenda, cujo debate deve ser aprofundado nos próximos dias e assim rogamos que a decisão mais correta seja tomada pelo bem da humanidade.
Sobre o autor: Júlio Cesar Moreira Silva Junior é Assessor Jurídico da União das Câmaras Municipais do Estado de Mato Grosso – UCMMAT, Sócio Unipessoal da JMJ Advocacia Pública, Advogado Especialista em Direito Público, Pós-graduado em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa e Pós-graduado em Constitucional, ambas pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso. Pós graduando em Direito Processual Eleitoral pelo IDDE – Instituto para o desenvolvimento Democrático; Pós graduando em Direito Municipal pela Unypública.