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Cuiabá, 29 de Maio de 2025

Opinião Sábado, 01 de Abril de 2017, 09:49 - A | A

Sábado, 01 de Abril de 2017, 09h:49 - A | A

Contratos de Alienação Fudiciária na recuperação Judicial

Todavia, nem todos os credores são submetidos aos efeitos da recuperação judicial, dentre os quais merecem destaque os titulares da posição de proprietários fiduciários de bens móveis e imóveis

Thiago Affonso Diel

Em razão da grave crise econômica que assola o país e acaba fragilizando o capital financeiro das empresas, o instituto da Recuperação Judicial surge como uma ferramenta de extrema importância para viabilizar a recuperação da empresa, preservando a sua existência, protegendo os trabalhadores e garantindo o direito dos credores receberem seus créditos.

Para que isso aconteça, a Lei 11.101/2005 traz em seu bojo peculiaridades que visam dar suporte à empresa, harmonizando e tutelando os interesses coletivos, submetendo os credores a um juízo universal para que o Estado-Juiz exerça o seu papel, afastando os obstáculos ao regular funcionamento do mercado e oportunizando o seu soerguimento.

Todavia, nem todos os credores são submetidos aos efeitos da recuperação judicial, dentre os quais merecem destaque os titulares da posição de proprietários fiduciários de bens móveis e imóveis, desde que munidos de registro nos órgãos competentes, nos termos do Art. 49, §3°, do diploma legal supra e Art. 1.361 do Código Civil.

Isso porque, para que os contratos de alienação fiduciária sejam caracterizados como tal e submetidos à exceção do parágrafo 3° do Art. 49, todos os requisitos legais para sua constituição precisam ser observados, principalmente a necessidade de registro do contrato em órgão competente para constituição da propriedade fiduciária.

Sobre o tema, imperioso trazer à baila a distinção entre os conceitos de propriedade fiduciária (direito real) e alienação fiduciária (direito pessoal), uma vez que esta decorre de simples contrato e aquela posição decorre do registro em órgão competente.

Porém, em alguns casos esses conceitos vêm sendo interpretados sem distinção, causando embaraços no judiciário e, consequentemente, prejuízos a empresa que se encontra em recuperação judicial.

Sobre o tema, o ilustre doutrinador Fábio Ulhoa Coelho nos ensina que: “Não se pode confundir a alienação fiduciária em garantia com a propriedade fiduciária: são institutos diferentes. O primeiro é um dos instrumentos de constituição do segundo. [...] A alienação fiduciária em garantia é contrato bilateral. Aproxima, portanto, duas partes - o credor fiduciário e o devedor fiduciante. Os direitos e obrigações que mutuamente se outorgam são relativos, isto é, operam efeitos apenas entre eles. A disciplina do instituto se encontra no direito das obrigações. Já a propriedade fiduciária é direito real em garantia. O proprietário fiduciário tem perante terceiros, direitos absolutos derivados do domínio ou da posse. [...] Constitui-se a propriedade fiduciária sobre bens mediante o registro do contrato” (Fábio Ulhoa Coelho, in Curso de Direito Civil, v.4, 7ª Ed., RT, 2015, RT, p. 238).
Tal distinção vigora independentemente do grau de publicidade/oponibilidade que aparta a relação inter partes da erga omnes. Ou seja, mesmo entre os contratantes a posição de proprietário fiduciário não se constitui por mero ato de vontade, dependendo, necessariamente, do registro do contrato.

Ademais, se toda exceção deve ser interpretada restritivamente, mostra-se inapropriado o alargamento do parágrafo 3º do artigo 49 da Lei n. 11.101/05 para enquadrar o conceito de alienação fiduciária em garantida não registrada ao de propriedade fiduciária, mormente quando a exclusão desses credores acarreta, normalmente, na busca e apreensão de bens fundamentais ao exercício da empresa, inviabilizando a continuidade da própria atividade econômica.

O instituto da propriedade fiduciária foi instituído pela Lei 4.728/65 e regulamentado pelo Código Civil de 2002, estabelecendo, dentre outros requisitos inerentes a sua constituição, a necessidade de registro no Cartório de Títulos e Documentos do domicílio do devedor ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento (Art. 1.361, §1°).

O Art. 1.361, em seu parágrafo 1°, é claro e preciso ao afirmar que “Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato(...)”, ou seja, o registro é requisito sine qua non para gênese da propriedade fiduciária.

Outrossim, existência de lei especial não altera este entendimento. O contido no art. 66-B Lei n. 4.728/65 e no art. 42 da Lei n. 10931/2004 harmonizam-se a disposição do art. 1.361, §1º, pois os respectivos textos fazem expressa menção a necessidade de observar os requisitos do Código Civil/02, dispondo que “(...)O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil (...)”.

Portanto, o registro também constitui requisito a ser observado nos contratos com garantia fiduciária inseridos no âmbito do mercado financeiro, notadamente porque lei especial convive com lei geral naquilo que não forem incompatíveis. Apenas em situação de clara antinomia o critério da especialidade deve prevalecer, o que não é o caso, justamente porque a legislação especial não dispõe absolutamente nada que seja capaz de infirmar o contido no art. 1.361, §1º do Código Civil.

Assim, considerando a premente necessidade de registro do contrato no cartório de títulos e documentos do domicílio do devedor ou repartição competente para investir-se na qualidade de proprietário fiduciário, e considerando que a exceção trazida pelo Art. 49, §3°, da Lei 11.101/05 aplica-se somente aos credores PROPRIETÁRIOS fiduciários, conclui-se que sem o referido registro a garantia não se perfectibiliza, afastando a excepcionalidade da lei falimentar. Ou seja, os contratos desprovidos de registro deverão ser submetidos ao juízo falimentar e inseridos na classe dos credores quirografários.

Thiago Affonso Diel - Advogado com atuação nas áreas Cível e Empresarial. Especialista em Direito Processual Civil. Mattiuzo, Mello Oliveira e Montenegro Advogados Associados.