Em 12 de julho, por volta de 22h30, no condomínio de luxo Alphaville I, no Jardim Itália, em Cuiabá, uma adolescente de 14 anos efetua um disparo e mata a amiga, Isabele Ramos, também de 14 anos, com um tiro no rosto. A partir daí, a polícia, a perícia e, sobretudo, a mídia, reiteradas vezes constroem novas informações sobre o tiro ter sido acidental ou não.
Já com inúmeras versões, o caso segue sendo investigado. Mas uma delas, a de que o disparo teria sido acidental – que a jovem teria deixado a arma cair no chão e, ao tentar pegá-la, se desequilibrado a arma disparado – é, sem dúvida, não só a mais rechaçada, como a mais debatida nas redes sociais, em particular, no WhatsApp, em grupos de jornalistas. Inclusive, versão essa já tendo sido descartada pela polícia.
A veracidade dos argumentos se contrapõe e ganha, diariamente, novas facetas, levando a uma discussão sem fim, com rodadas de reconstituição policial, matérias consecutivas em sites e jornais da Capital e noticiários nacionais, colocando em xeque, inclusive, o número de armas encontradas na casa de uma família em que todos são praticantes de tiro esportivo.
Desta forma, a morte da jovem Isabele Ramos segue como a notícia mais lida dos sites – com um número altíssimo de visualizações, ou seja, um filão para quem precisa subir seus índices de cliques nas redes – e, paralelamente, com policiais que descobriram que o processo midiático também não fará mal ao trabalho que realizam, aliás, muito pelo contrário.
Uma discussão – questionada por muitos especialistas, inclusive os de ‘boteco’ – com duas vertentes jurídicas: se seria crime doloso [previsto no artigo 18, inciso I do Código Penal, que considera como dolosa a conduta criminosa na qual o agente quis ou assumiu o resultado]; ou crime culposo [também previsto no artigo 18, inciso II, que considera a conduta como culposa quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, descuido ou desatenção, ou seja, sem a intenção de matar].
O certo é que, se doloso ou culposo, o caso ganhou todas as conversas nos últimos tempos, talvez pela comoção da morte de uma jovem, com a vida ceifada aos 14 anos. Ou talvez porque, apesar de muitos não admitirem, o caso tenha ocorrido dentro de um condomínio de luxo. Assim ficando conhecido como “Caso Alphaville”, por ser, literalmente, um dos metros quadrados mais caros da capital mato-grossense.
Mas qual é a pergunta certa neste caso? Como mãe, nem sei mais se há uma. Não consigo sequer mensurar a dor da mãe que perdeu sua filha, de uma forma tão trágica. Acredito que o caso está ainda cercado de mistérios e muitas versões mentirosas. Como empresária da comunicação, me sinto já incomodada, mesmo que qualquer informação sobre a morte de Isabele seja garantia de muita leitura.
No entanto, em especial hoje, ao buscar este tema, como vários articulistas têm feito, no meu caso gostaria de propor um outro recorte. Rápido e sem culpabilizar ninguém, pois isto a polícia e a justiça, ao final, darão seu veredito. Quero propor apenas uma reflexão: poderíamos mudar este cenário dando limites aos nossos filhos? Sei, de antemão, que a tarefa é árdua, difícil e cobrada, como se estivéssemos sendo “duros demais”.
Analistas colocam em xeque o crescente número de pais que, simplesmente, desistem de fazê-lo, porque não há desafio maior do que impor limites a um ser humano em formação. Principalmente, quando esta tarefa precisa ficar longe das famosas ‘palmadas’, ou seja, distante daquela disciplina, pautada nas punições físicas.
Pessoalmente, acredito que, quanto mais se bate em uma criança, mais ela nos desafia. Também porque – de acordo com muitos terapeutas –, limite e agressão podem resultar em adultos antissociais, agressivos e com problemas cognitivos. E ao final, claro, porque amo meu filho demais e educá-lo nunca foi nenhum problema ou sacrifício para mim. Neste contexto, elimino quaisquer agressões, mesmo as verbais.
Assim, no meu modo de ver – particularmente, tenho feito isto –, dar limite pode fazer a diferença entre um filho emocionalmente equilibrado e pronto para a vida, daqueles traumatizados pelos bofetões e que acabam em divãs, na tentativa de seguir a vida. Ou pior, daqueles que, criados sem nenhum limite, nunca vão saber que a vida não é um parque de diversões, mas pode ser um paraíso, se enfrentarem as dificuldades como bons desafios.
Ao meu filho sempre digo, quando questionada pelos limites que imponho, que o faço porque o amo e, por isso, digo tantos “nãos”. Hoje ele entende perfeitamente isso. Ele só tem 6 anos. Assim, falar de novo e de novo e de novo, até que compreenda, de fato, é um caminho longo, mas para mim, literalmente, o mais correto. Explico que o “não”, quando necessário, é a maior prova de amor que dou a ele.
Não pensem que as cobranças sejam poucas, porque filhos, sempre que podem, nos contrapõem, testam nossos próprios limites, mas ao internalizar o certo ou o que foi combinado, acabam aprendendo pela repetição. Até que, mais lá na frente, quando já adultos, compreendam os motivos dos ‘nãos’. E, um dia, nos agradeçam, enormemente, por isso.
No entanto, entendo também que o adulto deve dar o exemplo, fazer bem a sua parte, para que as exigências possam ser compreendidas como um campo seguro de afetividade, o que só se consegue com muita conversa e convivência amorosa. Não podemos esquecer que seremos sempre o maior exemplo para nossos filhos. Filhos se espelham em seus pais.
Assim, Benício, meu filho, sempre teve regras. A disciplina sempre fez parte de sua vida: tem horário de acordar, brincar, estudar, comer, dormir. Regras que flexibilizo com conversas e acordos. Com os dois – eu e ele – abrindo mão de algo precioso. Mesmo que ainda seja muito novo, já nos conhecemos pelo tom de voz e expressões faciais. Mostro no dia a dia a ele o quanto é importante conquistar o que se quer por seus méritos. Acima de tudo, ensino valores que farão diferença em sua vida quando adulto.
Se isto – no futuro – poderá evitar um outro Caso Alphaville? Eu acredito piamente que sim!
Dos limites impostos, entre muitas conversas e brincadeiras, uma coisa é certa: na minha casa não entram armas, nem mesmo as de brinquedo ou seus falsos conceitos de “proteção e segurança”. Mas isto é também um outro tema polêmico e prefiro não entrar nele.
Quis fazer este artigo na crença de que limite e afetividade podem, juntos, ser uma fórmula eficaz de evitar que casos como de duas amigas, de apenas 14 anos, termine com uma morta e a outra sendo apontada como assassina. Ainda que seja só uma adolescente e que, como Isabele, terá sua vida possivelmente destruída. Senão pela Justiça, pelos traumas e, até quem sabe, pelo remorso. Sabe-se lá!
Assim, para mim, colocar limites – ou seja, “sim” sempre que possível e “não” sempre que necessário –, também é fazer com que meu filho compreenda, desde cedo, que seus direitos acabam onde começam os direitos dos outros. Sobretudo, porque acredito, de verdade, que ao ensinar meu filho a tolerar, desde cedo, pequenas frustrações, isto o ajudará, no futuro, a enxergar a realidade como ela se apresenta e que problemas podem ser sempre superados, mas com equilíbrio e maturidade.
Sobre a precoce passagem de Isabele, várias perguntas ficam pendentes: qual a verdade sobre sua morte? A adolescente responsável pelo disparo tinha condições psicológicas de portar uma arma? Seus pais foram responsáveis? Não poderiam ter inserido em sua vida um esporte mais saudável? Impor limites poderia ter evitado essa tragédia?
Perguntas que nos fazem refletir sobre a fragilidade da vida, sobre nós mesmos e a educação que damos a nossos filhos.
À mãe de Isabele, meus votos de superação. Que dia após dia consiga se reconstruir.
Lucy Macedo é empresária, diretora do site Única News e da Revista Única.