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Cuiabá, 07 de Junho de 2025

Opinião Terça-feira, 25 de Julho de 2017, 08:37 - A | A

Terça-feira, 25 de Julho de 2017, 08h:37 - A | A

Banalização das medidas cautelares

As medidas cautelares são de utilização extremamente restrita e exigem cuidado e parcimônia na sua aplicação, uma vez que a sua implementação de forma equivocada pode atingir além da liberdade do cidadão

Eustaquio Neto e Victor Alipio Azevedo Borges

Com o advento da lei 12.403/2011, as medidas cautelares substitutivas surgiram com a finalidade de tornar a prisão ainda mais excepcional. Ou seja, a prisão que já era exceção (ou pelo menos deveria ser), passou a ser nos dizeres da doutrina moderna a extrema ratio da ultima ratio.

Dando concretude à finalidade da lei, o artigo 282, §6º, do CPP dispõe que apenas será possível a decretação da prisão preventiva quando as demais cautelares penais não se mostrarem viáveis para atingir o fim pretendido, colocando, assim, a análise quanto ao cabimento da medida cautelar diversa como mais um requisito a ser observado pelo magistrado antes de decretar a prisão.

Nesse mesma direção, posiciona-se Aury Lopes Jr., para o qual, diante do rol das medidas cautelares elencadas no artigo 319 do CPP, destaca-se o caráter excepcional da prisão preventiva: “A adequação informa que a medida cautelar deve ser apta aos seus motivos e fins. Logo, se quaisquer das medidas previstas no art. 319 do CPP se apresentar igualmente apta e menos onerosa ao imputado, ela deve ser adotada, reservando a prisão para os casos graves, como ultima ratio do sistema.” 

Ora, antes mesmo de se analisar se a prisão pode ou não ser substituída por uma ou algumas medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, é preciso verificar se os pressupostos da prisão ainda se fazem presentes

Como se denota, as medidas cautelares são de utilização extremamente restrita e exigem cuidado e parcimônia na sua aplicação, uma vez que a sua implementação de forma equivocada pode atingir além da liberdade do cidadão, alcançar também pode por via reflexa seu patrimônio , além de possuir reflexos na sua vida social e moral.

No entanto, o que se tem visto atualmente, diferentemente da intenção do legislador, é a aplicação demasiada das medidas cautelares alternativas. Hoje dificilmente se tem uma ordem de soltura implementada, sem que se aplique as medidas cautelares substitutivas.

Ora, antes mesmo de se analisar se a prisão pode ou não ser substituída por uma ou algumas medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, é preciso verificar se os pressupostos da prisão ainda se fazem presentes. Se eles não existem, por conseguinte, não há que se falar em medidas cautelares substitutivas, haja vista que estas estão submetidas aos mesmos pressupostos cautelares da prisão.

Por outro lado, e necessário antes de se decretar a prisão, que o juiz fundamente adequadamente o porquê da não aplicação das medidas cautelares. Nesse aspecto, não é incomum ver costumeiras decisões dizendo que por questões logicas já exposta no fundamento da prisão, se torna desnecessária a aplicação das cautelares substitutivas.

A recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem apontado na direção de não mais compactuar com esse tipo de decisão que se baseiam em fundamentos inidôneos para não aplicar medidas cautelares substitutivas à prisão ou sequer aventam a expressa previsão legal das mesmas.

A esse respeito, o Eminente Ministro Rogério Schietti Cruz, quando da análise do Habeas Corpus nº 296.392, consignou que: ”a reforma de 2011 impõe a qualquer magistrado iniciar a sua análise pela verificação da possibilidade de, constatado o fumus comissi delicti, decidir se há algum perigo em manter-se o acusado em total liberdade no seu direito de ir e vir, de modo a examinar se há medidas suficientes e adequadas para prover aquela situação e proteger os interesses que estão ameaçados por essa total liberdade, sem o uso da medida extrema”.

Impende ressaltar que essa mesma preocupação teve o legislador, quando consignou no anteprojeto do novo Código de Processo Penal, o seguinte dispositivo: Art. 520. A decisão que decretar, prorrogar, substituir ou denegar qualquer medida cautelar será sempre fundamentada (...) VI – no caso de decretação de prisão, os motivos pelos quais o juiz considerou insuficiente ou inadequada a aplicação de outras medidas cautelares pessoais;

Portanto, é preciso se voltar para intenção do legislador quando da edição da lei que implementou as medidas alternativas a prisão, verificando se existem os pressupostos para sua aplicação. Se não existem para a prisão, as medidas também não devem ser aplicadas, por ausência de seus fundamentos.

Neste raciocínio, tendo a prisão caráter subsidiário de última aplicação, somente quando presentes os pressupostos para a prisão, deve ser feita a análise se é, ou não, cabível a aplicação das medidas cautelares diversas.

Não agindo assim, estaremos diante de uma banalização do instituto das medidas cautelares, sendo aplicadas de forma exacerbada ou desnecessária, fugindo, assim, do seu real propósito.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.802.

Eustaquio Neto é Advogado Criminalista. Professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade de Cuiabá - UNIC. Especialista em Direito Público. Mestrando e Doutorando pela Universidade Autônoma de Lisboa.

Victor Alipio Azevedo Borges é Especialista em Direito Processual Penal. Especialista em Direito Constitucional. Advogado Criminalista