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Opinião Terça-feira, 28 de Janeiro de 2020, 09:54 - A | A

28 de Janeiro de 2020, 09h:54 - A | A

Opinião /

Apropriação indébita de impostos

A partir de agora, quando o Ministério Público e/ou a Delegacia Fazendária forem investigar e ou denunciar um empresário pela prática do crime de apropriação indébita, devem se certificar se houve realmente o dolo



O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão, que por ter acontecido nos últimos dias de 2019, não recebeu muita atenção pública, especialmente por parte dos contribuintes. A Corte Suprema brasileira definiu que o não pagamento de impostos por parte dos empresários é crime. A decisão final saiu no dia 18 de dezembro do ano passado.

A decisão aconteceu sobre um caso relativo ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), mas pode ser estendida a todos os tipos de impostos, como IPI, ISS, PIS e Cofins, entre outros. Os ministros do STF definiram que é crime deixar de pagar o ICMS já declarado, desde que haja pelo empresário a intenção de não pagar e que se trate de um devedor contumaz, caracterizando dolo ou apropriação indébita.

Na prática, o devedor poderá ser processado criminalmente e ficará sujeito a ser preso por não pagar o tributo. Antes desta decisão o contribuinte que deixava de recolher o imposto poderia responder apenas pela cobrança judicial em um processo cível.

O crime de apropriação indébita de impostos acontece quando a empresa repassa o ICMS para o preço do produto vendido, destaca o imposto na nota fiscal de venda e, posteriormente, informa ao fisco em sua escrituração fiscal (Sped Fiscal), mas não recolhe o imposto aos cofres, ficando, assim, configurado o crime de apropriação indébita.

A lei 8.137 de 1990, em seu artigo 2º, define o crime de apropriação indébita como: “deixar de recolher, no prazo legal, o valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do habeas corpus número 399.109, em sua Terceira Seção, demonstrou linearidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação a apropriação indébita do ICMS. O STJ fixou pontos que definem ou não a existência do crime no caso concreto. São eles: a necessidade de existência de dolo, ou seja, a vontade de lesar o fisco se apropriando dos valores relativos aos tributos e a não necessidade de dolo específico, mas tão somente da generalidade em se ficar com o dinheiro do imposto.

É irrelevante a forma de apuração do tributo, seja o imposto apurado normalmente pela empresa em conta gráfica, seja o imposto apurado na forma de substituição tributária. Portanto, em qualquer regime de apuração do ICMS pode estar configurado o crime de apropriação indébita, havendo assim a necessidade de se analisar todos os elementos do caso concreto para se configurar o dolo.

O entendimento da Terceira Seção do STJ é de que o inadimplemento do ICMS só será tipificado como delito única e exclusivamente se este se apropriar do valor do imposto. Comprovado de que não houve a intenção de se apropriar do tributo para proveito pessoal, não estará presento o dolo. Estariam preservadas, portanto, empresas que não puderem pagar o tributo por dificuldades financeiras e que não tenham tido a intenção de sonegar. Um exemplo, quando o empresário deixa de recolher o tributo em razão de aguda crise financeira e tenha usado o valor dos impostos para o pagamento da folha salarial.

A partir de agora, quando o Ministério Público e/ou a Delegacia Fazendária forem investigar e ou denunciar um empresário pela prática do crime de apropriação indébita, devem se certificar se houve realmente o dolo.

O importante é que o empresário saiba que a decisão do STF é aplicável a outros tributos e contribuições como IPI, ISS, PIS e Cofins. Importante também observar os aspectos dos tratados internacionais. As decisões superiores brasileiras – STF e STJ – ainda não foram questionadas na Corte Interamericana de Direitos Humanos. A postura dos tribunais, neste caso, pode vir a ofender o Pacto de São José da Costa Rica, que veda a prisão por dívida, e do qual o Brasil é signatário. 

Pascoal Santullo Neto é advogado tributarista em Mato Grosso