O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, entendeu que a imunidade concedida aos deputados federais pode ser estendida aos parlamentares estaduais, o que dá o poder da Assembleia Legislativa de decidir sobre a soltura de seus membros presos em flagrante.
A jurisprudência foi definida durante a retomada do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5825, de autoria da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizada após Gilmar Fabris, então deputado estadual, ter saído da cadeia, em 2017, por força de decisão da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.
O julgamento da ADI iniciou em dezembro de 2017, quando os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Tóffoli e Carmén Lúcia seguiram o voto do relator, Edson Fachin, para anular o privilégio dado a Fabris. A análise só não foi concluída na época, pois faltavam os votos dos ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso.
Nesta quarta-feira (8), o caso retornou ao Plenário, quando Barroso se posicionou contrário à proteção dada aos membros das Casas Legislativas.
Ninguém aqui está defendendo de que parlamentar possa impunemente praticar delitos contra o erário público. Ninguém está defendendo a corrupção. Estamos fazendo uma leitura estrita da constituição, tal como ela vem desde os primórdios da nossa República
“As razões pelas quais entendo nessa linha, são as seguintes. Primeiro, o direito deve ser interpretado a luz da realidade fática. O Direito não é um exercício de volições abstratas. O Direito existe para repercutir sobre a realidade. O Direito tem uma pretensão normativa, tem uma pretensão de conformar a realidade. Portanto, o interprete tem sempre o dever, acho isso desde, de aferir o impacto que suas decisões produzem no mundo real na realidade fática. E o mundo real e a realidade fática brasileira são da revelação de um quadro de corrupção estrutural sistêmica e institucionalizada e portanto acho que dentro dos limites e possibilidades semânticas da constituição, intérprete deve optar pelas soluções que permitam da melhor forma possível, dentro do possível processo legal, enfrentar essas disfunções que acometeram a sociedade brasileira”.
“Eu penso que a Constituição não pretendeu constituir um regime de privilégios ou de imoralidade protegida por ela para impedir que o Direito Penal, inclusive interrompa crimes quando estejam sendo praticados. A Constituição, ao meu ver, quis assegurar o Estado Democrático de Direito, a separação de poderes, o principio republicano, a inafastabilidade de jurisdição e a moralidade e probidade administrativa. Onde haja interpretações possíveis e razoáveis, o interprete deve sim escolher aquela que melhor realiza o interesse público. Segundo lugar, o modelo constitucional de imunidade previsto na Constituição só permite ao Congresso resolver sobre a prisão de seus membros em situação de flagrante de crime inafiançável. E aqui é preciso compreender a terologia da Constituição, quando diz desde a expedição do diploma os membros do Congresso Nacional, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”, considerou o magistrado.
Para Barroso, impedir a proteção aos deputado estaduais suspeitos de praticarem atos ilícitos, evita que as ALs não se tornem “esconderijo de que a gente não quer lá”.
“Se nós não entendemos que é possível punir essas pessoas nós transformaríamos o Poder Legislativo, que é o espaço mais importante de uma democracia, um reduto de marginais, o que evidentemente ninguém deseja, nem muito menos os parlamentares honestos, de bem, que lá se encontram. Portanto, a questão aqui posta ao meu ver é mais do que mera interpretação abstrata de normas, é saber qual o papel constitucional no seu dever de interferir com a realidade”, disse o ministro em seu voto.
Já Ricardo Lewandowski se posicionou contrário ao entendimento do colega. Segundo ele, a imunidade concedida aos deputados estaduais é “um dos mais consagrados direitos da cidadania”, já que os mesmos representam a população.
“É um direito universalmente consagrado. Se não se proteger o parlamentar eleito pelo povo, certo ou errado esteja esse povo, nós caminharemos a passos acelerados para a regimes autoritários e ditatoriais”, observou.
Ele ainda acrescentou que aplicar o benefício não é defender a corrupção, mas sim direitos e garantias dos cidadãos.
“Ninguém aqui está defendendo que o parlamentar possa impunemente praticar delitos contra o erário público. Ninguém está defendendo a corrupção. Estamos fazendo uma leitura estrita da constituição, tal como ela vem desde os primórdios da nossa República. Não são privilégios do parlamentar, são direitos e garantias dos cidadãos para exercício independente da legislatura, para exercício desassombrado da judicatura”, disse ao votar pela concessão da imunidade.
Voto minerva
Hoje, na condição de presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli teve que mudar o seu voto, pois àquele dado anteriormente, não se encaixou no atual cenário de votação – cinco contra e cinco a favor do benefício – tendo em vista que ele não vislumbrou nenhum dos magistrados concordou com seu primeiro posicionamento.
Por isso, em voto minerva, ele decidiu por ratificar a competência das Assembleias em darem liberdade aos seus membros.
Foram julgadas em conjunto com a ADI de Mato Grosso, as ADIs 5823 e 5824, respectivamente, do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, que abordaram a mesma questão.