Da Redação
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai), após nomeação irregular de um subtenente do Exército Brasileiro como coordenador regional da Funai no Xingu.
Em pedido liminar, o MPF requereu a anulação das portarias que disponibiliza o militar e que o nomeia no cargo.
A ação é oriunda de uma notícia fato que apurou a regularidade da nomeação de Adalberto Rodrigues Raposo para exercer o cargo de coordenador regional na Coordenação Regional da Funai no Xingu, especialmente quanto à realização de consulta prévia junto aos povos indígenas atendidos e ao preenchimento dos requisitos legais para o cargo.
A nomeação chegou ao conhecimento do órgão ministerial após a publicação da Portaria 367, de 7 de abril deste ano, na qual o Comando do Exército Brasileiro disponibiliza o subtenente Adalberto Rodrigues Raposo, do 2º Regimento de Cavalaria de Guarda (RCG) do Rio de Janeiro, para ocupar a função.
De acordo com o MPF, a função de coordenador regional da Funai equivale a um cargo em comissão de Direção de Assessoramento Superior (DAS)-3 e, conforme o Decreto 9.727/2019, cargos de DAS somente podem ser ocupados por pessoas com os seguintes requisitos: ser servidor público ocupante de cargo efetivo de nível superior ou militar do círculo hierárquico de oficial ou oficial-general. No caso analisado, o nomeado ocupa a patente de subtenente, não integrando, portanto, o círculo hierárquico previsto no decreto.
Após instaurar o procedimento, o MPF também expediu ofício à presidência da Funai requisitando informações, no prazo de dez dias, sobre o procedimento de nomeação, sobre a qualificação do nomeado para o cargo e sobre a realização de consulta junto aos povos indígenas interessados. O ofício foi recebido pela presidência da Funai, mas até o momento não houve resposta por parte da fundação.
O fato de que a Funai não realizou consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas da região, sobre a nomeação do novo coordenador, fica evidente a partir da juntada de documentos, nos autos, que demonstram a falta de consentimento e a contrariedade dos indígenas da Região do Alto Xingu, segundo o MPF.
Carta encaminhada à Funai
Por meio de ofício, a Associação Terra Indígena Xingu (Atix), entidade jurídica representativa dos 16 povos indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX) (Parque Indígena do Xingu, TI Wawi, TI Batovi e TI Naruvotu), encaminhou à presidência da Funai a Carta dos Povos Indígenas da Região do Alto Xingu, assinada pelo cacique Aritana Yawalapiti, repudiando a troca do coordenador regional do Xingu.
“O ofício da Atix, aliás, destaca que a mudança do coordenador da CR Xingu ocorreu em momento considerado inapropriado, ou seja, em meio à pandemia de covid-19, razão pela qual temem que as ações em andamento para enfrentamento da pandemia possam sofrer descompassos e retrocessos dos quais os principais prejudicados serão as inúmeras comunidades indígenas do Xingu”, ressaltou o procurador da República Ricardo Pael.
A consulta aos indígenas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, está prevista no artigo 6º da Convenção 169/OIT, ratificada no Brasil pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.
No ofício, os caciques e lideranças dos povos do Alto Xingu também enfatizaram que o sucesso das estratégias estabelecidas, conjuntamente entre a Atix, a CR-Xingu e Dsei-Xingu, no objetivo de circulação de informações e prevenção do novo coronavírus nas aldeias, mais do que nunca, depende da experiência dos gestores públicos, como é o caso do coordenador regional da CR-Xingu, que precisa ter conhecimento sobre as especificidades da região e afinidade de articulação com os parceiros institucionais e principalmente com os povos e organizações indígenas do Xingu.
No Alto Xingu há 16 povos indígenas, mais de 105 aldeias e uma população de 7,5 mil pessoas.
Os pedidos
Com o ajuizamento da ação civil pública, o MPF, além de requereu, liminarmente, que sejam suspensos os efeitos das portarias, tanto da que colocou o subtenente do Exército à disposição para exercer o cargo quanto da que o nomeou como coordenador regional da CR-Xingu, também solicitou que seja determinado à União e Funai que não façam outra nomeação para a coordenação sem a realização de processo de consulta prévia, livre e informada com as comunidades indígenas atendidas na respectiva circunscrição, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.
Por fim, pediu que a ação seja julgada integralmente procedente, de forma que seja declarada a nulidade das portarias citadas, e que a União e a Funai sejam condenadas a cumprir e observar o disposto no art. 6º, 1, a e b, da Convenção 169 da OIT nas próximas nomeações de coordenadores regionais da Funai, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. (Com informações da Assessoria do MPF)