Da Redação
O Ministério Público Federal (MPF-MT) ajuizou uma ação civil pública contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União, com pedido de tutela provisória de urgência, para que seja dado imediato prosseguimento no processo administrativo de demarcação da Terra Indígena Menkü, do povo Myky.
Na ação, o MPF pediu também que os autos devem ser encaminhados ao ministro de Estado de Justiça e Segurança Pública, com a continuidade das demais fases previstas no Decreto nº 1775/96, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária não inferior a R$ 100 mil.
Ao final do processo, com o acolhimento integral da ação, o MPF requereu que seja declarado nulo o despacho da Funai, além da condenação das acionadas ao pagamento de R$ 1 milhão, a título de danos morais coletivos.
A ação tramita na Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Juína.
O caso
O ajuizamento da ação tem como base o inquérito civil que objetiva acompanhar o procedimento de revisão de limites da Terra Indígena Menkü, conduzido pela Funai, assim como o andamento de processos judiciais relacionados ao caso. Dentro do inquérito, após a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) autorizando a continuidade dos trabalhos de revisão de limites de demarcação da referida terra indígena, a Funai foi questionada sobre os andamentos do processo de revisão.
Com isso, o MPF soube, por meio de ofício da fundação, que os autos do processo administrativo de revisão de limites da Terra Indígena Menkü foram devolvidos à Diretoria de Proteção Territorial para reanálise sob o crivo da nova gestão. De acordo com o procurador da República, titular do Ofício de Populações Indígenas, Ricardo Pael Ardenghi, “a inusitada notícia de que o processo estava ‘andando para trás’ levou à requisição de explicações da Funai sobre a adoção de providência não prevista e contrária ao rito do processo demarcatório, conforme o Decreto nº 1775/96”.
A Funai informou que a devolução do processo teve como base o parecer da Advocacia-Geral da União, embasado no Parecer n° 001, e que teve seus efeitos recentemente suspensos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, sem validade. A fundamentação ainda foi feita no poder de autotutela da administração. O MPF requisitou à Funai as cópias das normativas citadas e a indicação expressa dos vícios existentes no procedimento de demarcação da TI Menkü que teriam motivado, no uso da autotutela, a sua devolução à Diretoria de Proteção Territorial (DPT), mas não houve resposta.
O despacho que alterou o prosseguimento do procedimento, “criando uma inusitada fase de ‘reanálise’”, foi assinado pela chefe de gabinete da Presidência da Funai e limita-se a informar que foi considerado o lapso temporal transcorrido, e que, de ordem do “Senhor Presidente desta Fundação restituo os presentes autos à DPT, para reanálise técnica por parte de sua nova gestão”.
O procurador da República Ricardo Pael enfatizou, no bojo da ação, que os fundamentos utilizados para justificar a “inovação procedimental” e determinar a “reanálise” foram, simplesmente, a “ordem do Senhor Presidente” da Funai, e não qualquer vício procedimental a embasar o uso do poder-dever de autotutela.
“Com efeito, os despachos, pareceres, cotas e informações técnicas mencionados acima deixam clara a ilegalidade do ato administrativo que determinou o retrocesso no procedimento demarcatório e, mais ainda, evidenciam que o processo estava suficiente e regularmente instruído, pronto para ser encaminhado ao Ministro da Justiça e Segurança Pública. O ato do presidente da Funai que determina o retrocesso contraria as conclusões da própria Funai, por meio de seus setores competentes, além de violar princípios constitucionais”, ressaltou Pael.
Possibilidade de improbidade administrativa – Em posse das informações sobre o procedimento de demarcação da TI Menkü, o procurador Pael encaminhou cópia da ACP e do expediente administrativo da Funai, que retrocedeu o processo de demarcação da TI Menkü, à Procuradoria da República no Distrito Federal (PRDF) para análise quanto à possível prática de ato de improbidade administrativa por parte do presidente da Funai.
Para o procurador, está claro no expediente administrativo da Funai que a determinação de retrocesso do procedimento de demarcação da TI Menkü foi uma determinação do Presidente da autarquia, fundamentando o despacho no “lapso temporal transcorrido” e na existência de uma “nova gestão”.
“Esse conjunto de fatos e documentos permite concluir que a motivação do ato administrativo de retrocesso no procedimento de demarcação praticado pelo atual presidente da Funai foi, de fato, a simples existência de uma nova gestão, e não a necessidade de cotejo com o parecer da AGU, que já havia sido feito. O presidente da Funai, assim, busca alterar a opinião jurídica já externada pela PFE/Funai, em uma indevida manobra de substituição dos critérios técnico-científicos e jurídicos por critérios político-ideológicos, em flagrante violação aos termos do Decreto nº 1775, que regulamenta o procedimento demarcatório, configurando, a priori, desvio de finalidade”, informou Pael.
Antecedentes históricos
O decreto, de nº 94.013, que homologou a demarcação da Terra Indígena Menkü, localizada no município de Brasnorte, foi publicado no dia 12 de fevereiro de 1987. Vinte anos depois, a Funai editou uma portaria, a de nº 1.069, para revisar os limites do território do povo Myky.
No ano de 2012, a Agropecuária Rio Papagaio ingressou com mandado de segurança, na 1ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, contra a Funai, buscando a anulação da Portaria nº 1.573/ 2011, que constituiu Grupo Técnico para realizar estudos direcionados à revisão do processo demarcatório da TI em razão da existência de vícios no processo anterior, que foi homologado em 1987.
A Agropecuária Rio Papagaio sustentava, dentre outros argumentos, a impossibilidade de ampliação de limites da TI Menkü, com fundamento na decisão do Supremo Tribunal Federal na PET n. 3.388/RR (Caso Raposa Serra do Sol). A segurança foi concedida em primeiro grau e anulou a Portaria que instituiu o processo redemarcatório, porém, a Funai e o MPF recorreram.
Em 25 de abril de 2018, a sentença que havia anulado a portaria da Funai foi anulada. Com isso, os trabalhos de revisão pela Fundação tiveram continuidade, sendo reconhecidos os vícios no processo demarcatório originário, o que respaldou a necessidade de revisão de limites. Também ficou demonstrado que a decisão no caso Raposa Serra do Sol não se aplicava aos Myky.
A Agropecuária recorreu, porém não houve nova decisão que pudesse impedir a continuidade dos trabalhos de revisão da TI Menkü. Com isso, em 14 de maio de 2018, a AGU encaminhou à Procuradoria Federal Especializada junto à Funai o parecer de Força Executória, exarando que o órgão indigenista retomasse imediatamente os estudos de identificação e delimitação. (Com informações da Assessoria do MPF-MT)