A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), por unanimidade, não viu dolo eventual e negou submeter a médica Letícia Bortolini a júri popular pela morte do verdureiro Francisco Lúcio Maia.
A decisão foi dada durante julgamento realizado nesta terça-feira (26), quando os desembargadores concluíram pela ausência de elementos concretos e circunstâncias que autorizam a pronúncia da acusada.
No voto, o relator, desembargador Orlando Perri, rebateu as teses do Ministério Público, que recorreu contra sentença de primeira instância, que desclassificou os crimes imputados à médica, impedindo o envio do caso ao Tribunal do Júri.
Perri destacou a imprudência da vítima, que atravessou a avenida em local inapropriado. Além disso, o carrinho de verduras, o qual Francisco Lúcio estava empurrando no momento do acidente, não tinha sinalização, o que impediu a ré de visualizá-lo.
“A vítima se encontrava na pista de rolamento no momento do impacto, isso é claro no laudo pericial. Data vênia, a vítima acabou por contribuir para a desgraça própria”.
“A ré foi surpreendida com a entrada da vítima na pista de rolamento, o que a impediu de fazer qualquer ação para evitar o atropelamento”, completou Perri.
Por outro lado, o desembargador afirmou que não há como imputar a culpa exclusiva da vítima, já que a médica também deu causa ao acidente, por admitir que estava acima da velocidade. No entanto, ele destacou que apenas essa circunstância não pode ser essencial para caracterizar dolo eventual.
“A ré não assumiu o risco de resultado, justamente por não existir nenhuma travessia de pedestres e que ela não poderia imaginar que alguém poderia atravessar a avenida, ainda mais empurrando um carrinho de verduras”, observou o relator.
Apesar de o órgão ministerial afirmar que a recorrida estava embriagada, a prova produzida é frágil e repleta de contradições, não permitindo um juízo positivo de admissibilidade, conforme pontuou o relator. Ele frisou que enquanto o policial que atendeu a ocorrência atestou sinais de embriaguez, o perito médico teve conclusão diversa.
“Nem é preciso dizer que diante da discordância dos autos de constatação e a perícia feita pelo médico oficial do Estado, o juiz há de se inclinar sempre para as conclusões do perito oficial, salvo em contexto de suspeição que, no caso, nem de longe demonstrava”.
Mesmo que ela tenha participado de um evento open bar antes do acidente, o Ministério Público não foi capaz de comprovar que Bortolini, de fato, consumiu bebida alcoólica.
“Não há fato concreto e prova contundente, de que ela consumiu bebida alcoólica. O fundamento da embriaguez não restou minimamente comprovado, não no mínimo de prova que se exige para submeter a ré a júri popular”, asseverou Perri.
Excesso de velocidade
Da mesma forma, o relator concluiu que não há elementos de demonstrem que a recorrida teria transitado em excesso de velocidade, conforme apontou o Ministério Público. Para o desembargador, as provas relacionadas a essa questão também são inseguras, já que não há informações técnicas nos autos de que a médica estaria dirigindo acima da velocidade permitida na via.
Fuga no local do acidente
Quanto à tese de fuga do local do acidente, o magistrado frisou que o retrovisor do veículo conduzido por Bortolini estava quebrado, o que a impossibilitou de ver que havia provocado o acidente.
“As circunstâncias fáticas não são fortes o bastante para demonstra que a ré tenha desejado ou assumido o risco do resultado”, concluiu.
O entendimento do relator foi acolhido pelos desembargadores Paulo da Cunha e Marcos Machado, que também compõem a câmara julgadora.
O caso
O acidente que matou o verdureiro Francisco Lucio Maia ocorreu no dia 14 de abril de 2018, em Cuiabá.
A médica chegou a ser presa, mas ficou três dias presa, quando o desembargador Orlando Perri, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, revogou a prisão.
Ao apresentar a denúncia, o Ministério Público acusou-a de conduzir o veículo alcoolizada e em velocidade incompatível com o limite permitido na Avenida Miguel Sutil, onde ocorreu o acidente, “assim como assumindo o risco de produzir o resultado, matou a vítima Francisco Lucio Maia”.
Ainda segundo o MP, a denunciada, após atropelar o verdureiro, deixou de prestar socorro imediato à vítima, bem como afastou-se do local do acidente para fugir à responsabilidade civil e penal.
“Segundo restou apurado, a denunciada Leticia Bortolini e seu esposo Aritony de Alencar Menezes, ambos médicos, na data dos fatos (sábado) estiveram no evento denominado Braseiro que, dentre outras características, operava no sistema open bar (consumo livre de bebida alcoólica), sendo que certamente permaneceram no local das 14 horas até aproximadamente 19h30. Mesmo tendo ingerido bebida alcoólica a denunciada assumiu a condução do veículo pertencente ao casal”, diz trecho da denúncia.
Na denúncia, o órgão ressaltou que assim que atropelou o verdureiro, a médica seguiu a condução do veículo, sob a influência de álcool, operando manobras em zigue-zague até a entrada do seu condomínio, no bairro Jardim Itália, conforme relato de testemunha.