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Cuiabá, 06 de Junho de 2025

Justiça Estadual Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2020, 09:27 - A | A

Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2020, 09h:27 - A | A

OPERAÇÃO QUADRO NEGRO

Defesa cita excesso do MPE e tenta anular denúncia e inquérito contra Piran

Para o advogado, mesmo sem ter provas do suposto envolvimento do empresário no esquema que desviou quase R$ 8 milhões, o Ministério Público apresentou denúncia contra ele

Lucielly Melo

A defesa do empresário Valdir Piran afirmou que o Ministério Público do Estado (MPE) usou “juízo de valor” e “excesso de linguagem” ao acusá-lo de participar do suposto esquema que teria desviado R$ 8 milhões dos cofres públicos.

Na Justiça, o advogado Ricardo Spinelli, que representa o empresário, busca a rejeição da denúncia oriunda da Operação Quadro Negro, assim como a nulidade do inquérito policial.

Em petição protocolada no último dia 24, na 7ª Vara Criminal de Cuiabá, onde os autos tramitam, o defensor apontou que o MPE denunciou Piran por peculato, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude a licitação, mesmo sem ter demonstrado provas que comprovassem a hipótese de envolvimento dele no enredo ilícito perpetrado no antigo Centro de Processamento de Dados do Estado (Cepromat).

Segundo o advogado, a denúncia contém vícios insanáveis, uma vez que “se exibe uma narração inverídica, inapta a convencer quem quer que seja da fantasiosa hipótese acusatória diante dos elementos coligidos”.

Para tanto, ressaltou que o órgão ministerial chegou a afirmar que Piran teria sido o líder da organização criminosa investigada, mas deixou de denunciá-lo por formação de quadrilha – o que, para ele, torna frágil as imputações feitas.

“Fato que chama atenção é que, por evidenciar a total fragilidade dos termos deduzidos pela acusação, o d. MPMT não imputou ao ora Peticionário o suposto delito de integrar Organização Criminosa (Lei 12.850/2013, Art. 2º) e tampouco o suposto ilícito de associação criminosa (CP, Art. 288) -- apesar de ter sido rotulado durante a fase pré-processual como suposto líder de uma “organização criminosa” absolutamente inexistente --, o que demonstra a flagrante temeridade da acusação e o manifesto juízo de valor e excesso de linguagem, que nem mesmo demonstrou essa suposta liderança, evidentemente inexistente, diga-se de passagem”, diz trecho da petição, o qual o Ponto na Curva teve acesso.

“Com o avançar das investigações e o seu término, com a colheita de inúmeros depoimentos e provas, onde todos afirmaram desconhecê-lo, isentando da participação nos fatos (seja na suposta condição de “líder”, ou de ter indicado a empresa Avançar, ou de conhecer as pessoas, ou de estar em reuniões, ou de ter concorrido para desvios, vantagens indevidas, fraude em contratos, recebimento de valores por interpostos pessoas com o intuito de ocultar, dissimular e distanciar a sua origem), não tendo a exordial imputado essa “liderança” -- porquanto descabida e inexistente --, razão pela qual se mostra absurda, incoerente e irresponsável, a toda evidencia, denúncia criminal ofertada sem qualquer tipo de elemento tangível”.

Ele também argumentou que a denúncia teve como base as delações premiadas do ex-governador Silval Barbosa e do ex-secretário Pedro Nadaf. Por outro lado, o Ministério Público teria ignorado os depoimentos prestados por testemunhas durante o inquérito policial, que desconhecem a eventual participação do empresário nos desvios ocorridos.

“Com a devida vênia, não é crível e tampouco razoável a imputação de ilícitos penais, sem qualquer suporte probatório mínimo, com base tão e somente no depoimento prestado por delator, mesmo quando todos os elementos e testemunhas inquiridas afirmarem pela inexistência de qualquer tipo de participação do Peticionário nos fatos imputados”, disse o advogado.

Após expor os fatos, o advogado requereu a rejeição da denúncia, diante da possível inexistência de justa causa e inépcia material.

Excessos

O advogado frisou que o MP tentou induzir o Juízo ao erro com a Operação Quadro Negro, para tão somente buscar o bloqueio de bens e a prisão dos acusados.

Lembrou, ainda, que o empresário sofreu abusos na execução da busca e apreensão – que é alvo de representação na Corregedoria da Polícia Civil por abuso de autoridade.

Destacou que mesmo acusado de ter recebido R$ R$ 780.680,61, Piran sofreu o bloqueio de R$ 10.435.714,02 “revelando absoluto excesso e nulidade da medida”.

“Ora, durante a fase de investigação rotulou o nome do Peticionário na condição de suposta “liderança de uma organização criminosa” (vindo até mesmo fazer um pretenso “organograma”) e isto como elemento principal para tentar absurdamente justificar a sua prisão, busca e apreensão, bloqueio de bens, medidas cautelares decretadas e os supostos delitos ora imputados”.

E completou: “Bem se vê, que existem inúmeros elementos de convicção e fundamentos jurídicos para se rejeitar uma acusação penal absolutamente descompromissada com a verdade dos fatos imputados”.

As delações

Para Spinelli, as declarações contidas nas delações de Silval e Nadaf vieram à tona de forma indevida, favorecendo o Ministério Público e formando opinião pública contra o empresário.

“Há, no caso vertente, evidentes excessos, repita-se, materializados pelos vazamentos seletivos de peças dos autos, atinentes à execução de medidas cautelares e da própria denúncia criminal, os quais atingem a própria legalidade dos procedimentos criminais”.

“Por óbvio, vazamentos só interessam à acusação. Convém notar, ao que tudo indica, que se trata de uma prática reiterada (e já alertada pela defesa técnica quando da revogação da prisão do ora Peticionário em sede de audiência de custódia e cujo feito foi consignado na decisão judicial proferida por este d. Juízo), a indicar metodologia de vazamentos seletivos, tendentes ao favorecimento da acusação, por meio da disponibilização de peças dos autos à imprensa e ao público em geral, a fim de cooptar a opinião pública e o apoio às medidas judiciais ao caso vertente, inclusive a prisão processual e o recente oferecimento da denúncia”.

Por entender que as peças sigilosas tornaram-se públicas, a defesa, pediu o reconhecimento da ilicitude das investigações realizadas até o momento – tese utilizada para também levar à rejeição da denúncia.

Nota

Após protocolar a petição, a defesa também emitiu nota de esclarecimento. Veja a íntegra abaixo:

A respeito da recente e insubsistente denúncia formulada pelo Ministério Público no âmbito da denominada “Operação Quadro Negro”, Valdir Piran traz os seguintes esclarecimentos:

1. Desde o início das investigações, tem chamado à atenção para o método não ortodoxo de trabalho adotado consistente no encaminhamento de peças dos autos sujeitos a sigilo para a imprensa e ao público em geral, como foi o caso dos excessos cometidos na execução das medidas cautelares, que já é de conhecimento público e, neste momento, sendo reiterado com o vazamento e divulgação para a imprensa da recente denúncia oferecida, antes mesmo da defesa técnica tomar conhecimento formal do seu conteúdo.

2. Os vazamentos seletivos só interessam a acusação, a fim de cooptar e formar a opinião pública, em evidente excesso, formando prejulgamento, desequilíbrio processual e fator de nulidade, os quais atingem a própria legalidade dos atos, sendo que tal prática é considerada arbitrária e prejudica a defesa e as garantias constitucionais.

3. A denúncia formulada não demonstra qualquer tipo de ligação, ciência ou participação de Valdir Piran com os envolvidos nos supostos desvios e vantagens indevidas, tanto que o Ministério Público sequer imputa os supostos crimes de integrar a organização criminosa ou associação criminosa, o que demonstra a fragilidade da acusação e do acervo probatório, desaparecendo a sua figura como suposto líder de uma organização criminosa e de principal beneficiário, conforme organograma apresentado na fase investigativa com intuito de induzir o Poder Judiciário e agora desconstituído.

4. Não se teve na peça acusatória qualquer elemento objetivo suficiente a permitir tipicidade penal, de sorte que não foi descrito em uma linha sequer acerca das vantagens ou valores que pudesse ter supostamente recebido como consequência dos alegados desvios, repudiando, por este viés, a temerária e descabida denúncia ofertada sem qualquer suporte probatório mínimo.

5. No decorrer das investigações foram prestados inúmeros depoimentos, sendo que as pessoas supostamente envolvidas, sejam servidores públicos, empresários ou terceiros, afirmaram desconhecê-lo, nunca tendo negociado, reunido ou conversado com Valdir Piran, isentando completamente sua participação.

6. Por fim, Valdir Piran confia na atuação da justiça como instrumento fundamental para coibir e afastar os abusos e excessos, reiterando que jamais teve negócios ou relação com o Poder Público, bem como nunca negociou qualquer tipo de vantagem indevida ou recursos de qualquer natureza com agentes públicos, desconhecendo por certo todos os supostos envolvidos.

A operação

A Polícia Judiciária Civil, por meio Delegacia Especializada de Combate à Corrupção (Deccor), deflagrou em outubro passado a Operação Quadro Negro para investigar desvios ocorridos no antigo Cepromat, atual Empresa Mato-grossense de Tecnologia da Informação (MTI).

Na ocasião, foram cumpridos seis mandados de prisão preventiva e sete ordens de busca e apreensão em Cuiabá, Brasília (DF) e Luziânia (GO). Todos os mandados foram expedidos pela juíza Ana Cristina.

A magistrada também decretou o sequestro de mais de R$ 10 milhões, em valores, imóveis e veículos de luxo.

Além do empresário, também foram alvos da decisão o ex-presidente da Câmara de Cuiabá, Wilson Celso Teixeira, conhecido como “Dentinho”, o ex-servidor Djalma Souza Soares, o ex-secretário adjunto da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) Francisvaldo Pereira de Assunção, o representante da empresa Avençar, Weydson Soares Fonteles e o fiscal de contratos, Edevamilton de Lima Oliveira.

O nome “Quadro Negro” remete ao quadro de giz que ainda funcionam nas escolas, já que as lousas digitais eram falsas, bem como à situação (quadro) estrutural crítica que a educação básica se encontra em razão dos prejuízos causados pelos desvios.