Nas últimas semanas, um tema voltou ao centro do debate: o acesso ao crédito por produtores rurais em recuperação judicial. O assunto ganhou força após declarações que associaram o pedido de recuperação à exclusão definitiva do sistema financeiro, como se recorrer à Justiça fosse um ato de ruptura, e não um direito previsto em lei.
O problema é que esse discurso distorce a realidade. Em regra, o crédito não desaparece depois da recuperação judicial. Ele desaparece antes. A retração vem do descompasso entre a política de crédito rural e a dinâmica real da produção: exigências cumulativas de garantias, prazos incompatíveis com o ciclo das safras e morosidade nas análises acabam afastando o produtor do circuito equalizado muito antes de qualquer medida judicial.
Quando a recuperação chega, portanto, ela não é causa da crise, é consequência de um sistema que falhou em oferecer renegociação tempestiva e instrumentos de recomposição viáveis. O produtor busca a RJ justamente para proteger o patrimônio produtivo, preservar empregos e restabelecer sua capacidade de cumprir obrigações.
Transformar esse instrumento em um símbolo de punição é o mesmo que negar a própria lógica econômica da Lei nº 11.101/2005, que foi construída para evitar o colapso das atividades viáveis. A recuperação judicial não é prêmio nem castigo: é ferramenta de reorganização. E como toda ferramenta jurídica, deve ser analisada com base em fatos, não em percepções morais ou retóricas de risco.
Mais grave do que a fala isolada de um executivo é o efeito sistêmico que esse tipo de posicionamento produz. Ao estigmatizar o devedor que busca amparo legal, alimenta-se uma cultura de medo que afasta produtores de soluções legítimas, empurra casos para a informalidade e, paradoxalmente, aumenta a inadimplência que se pretendia evitar.
O crédito rural precisa ser tratado como política pública de estabilidade e desenvolvimento, não como instrumento de retaliação. A previsibilidade do Plano Safra, a clareza nas regras e a boa governança do crédito são caminhos muito mais eficazes do que o uso de ameaças veladas para conter o aumento das recuperações.
O verdadeiro risco não está em quem pede recuperação judicial. Está em quem não entende o papel que ela desempenha na preservação da atividade econômica e da confiança no sistema.
Lorena Larranhagas é advogada, administradora judicial, professora e mediadora. É membra da Comissão de Estudos da Lei de Falência e Recuperação de Empresa da OAB/MT e OAB/SP, da Comissão Especial da Advocacia Empresarial e da Comissão do Agronegócio da OAB/SP, além de ser membra do Instituto Brasileiro da Insolvência (IBAJUD), do Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial (CMR) e do International Women's Insolvency & Restructuring Confederation (IWIRC).




