Questão recente e que vem sendo muito discutida, trata da possibilidade de retroatividade ou não da lei 14.230/2021, diante das profundas e recentes modificações da Lei 8.429/1992.
O novo diploma legislativo trouxe profundas alterações e essas modificações, se aplicadas retroativamente, atingirão profundamente os processos que já estavam em curso, antes de entrar em vigor o “novo diploma” legal.
Na prática, com a assunção da lei 14.230/2021, acabou-se por se introduzir um novo sistema de responsabilização por atos de improbidade, mudando-se completamente o eixo da lei 8.429/92.
Em um breve compulsar do novo diploma normativo, não é difícil verificar que várias dessas modificações se aproximam de institutos de natureza penal (conceito de dolo, exclusão de atos de culposo, prescrição intercorrente etc) e foi nessa direção inclusive que o legislador trouxe a previsão expressa do § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.
Como se percebe, o ponto fulcral para discussão da retroatividade, além da aproximação de institutos de direito penal, reside exatamente na previsão, agora expressa, de aplicação ao sistema de responsabilização de atos de improbidade, dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.
Tal previsão, não se trata de entendimento novo, uma vez que já existiam na jurisprudência inúmeros precedentes dos mais variados Tribunais dando conta exatamente dessa atração, pela ação de improbidade, de princípios inerentes ao direito penal.
Além disso, na própria exposição de motivos do novo diploma, o legislador já elencava que a lei de improbidade necessitava de uma revisão e adequação com o escopo de adequar-se também as construções jurisprudenciais ao longo do tempo pelos Tribunais.
Com efeito, todas essas mudanças e adequações acabaram por dar ainda mais vida, no âmbito das ações de improbidade, ao princípio geral do Direito Sancionador, que diga-se de passagem, por conferir mais garantias aos acusados por atos de improbidade, acaba por via de consequência atraindo também a incidência do artigo 5, inciso XL da Carta Política de 88 .
Isso quer dizer que a retroatividade da lei mais benéfica que constitui um princípio geral do Direito Sancionador, não se restringe a área penal e necessita também ser aplicado no âmbito da atividade sancionatória e disciplinar da administração pública, que tem por desiderato a punição por atos tidos como ímprobos.
Assim, considerando a proximidade e a interface entre o direito penal e o direito administrativo sancionador, bem como a extensão de garantias individuais tipicamente penais para o espaço desse “novo ramo do direito”, a retroatividade da lei mais benéfica necessita também ser reconhecida no âmbito das ações de improbidade.
Nesse sentido, o próprio texto constitucional é claro no que atine a retroatividade da lei mais benéfica, em seu artigo 5º, XL da CF, bem como a jurisprudência já reconhecia a retroatividade, antes mesmo da lei 14.230/2021: “ “O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no artigo 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador" (RMS 37.031/SP, relatora ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma, julgado em 8/2/2018, DJe 20/2/2018).”
Portanto, apesar da “recente” discussão que chegou ao STF no âmbito do RE 843.989 PR, não restam dúvidas que a retroatividade da lei mais benéfica é princípio geral inerente ao Direito Sancionador, não podendo ser aplicada apenas na seara penal, de forma que o reconhecimento de sua aplicação no âmbito das ações de improbidade é medida mais lídima.
Viviane Melo é especialista em direito público, pós graduanda em direito penal e processual penal, especialista em direito eleitoral, pós graduanda em direito minerário e ambiental e advogada do escritório Valber Melo Advogados Associados.