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Cuiabá, 25 de Maio de 2025

Opinião Sexta-feira, 23 de Maio de 2025, 08:00 - A | A

Sexta-feira, 23 de Maio de 2025, 08h:00 - A | A

PEDRO HENRIQUE

Incompatibilidade ética na OAB: Quando a defesa da advocacia colide com interesses particulares

Quem ocupa cargo diretivo na OAB deve compreender que, nesse papel, representa toda a advocacia

A Ordem dos Advogados do Brasil não é apenas uma entidade de classe. Como reconhecido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94), a OAB exerce papel institucional singular: defender a Constituição, os direitos humanos, a justiça social e a dignidade da advocacia.

Entre as atribuições da entidade, está o dever de proteger os advogados no exercício da profissão — uma obrigação imposta expressamente pelo art. 44, II, do Estatuto. Essa missão não é facultativa. É dever legal. E, quando crimes são cometidos contra advogados em razão de sua atuação, esse dever ganha peso ainda maior: cabe à OAB cobrar providências das autoridades competentes, atuar como guardiã das prerrogativas profissionais e zelar pela integridade da profissão.

Entretanto, situações recentes demonstram uma perigosa colisão entre esse dever institucional e interesses particulares de dirigentes da Ordem. Há casos em que escritórios vinculados a membros da diretoria atuam na defesa de pessoas investigadas por homicídios de advogados — exatamente nos mesmos procedimentos em que a própria OAB deveria estar cobrando justiça e esclarecimento dos fatos. Essa sobreposição de papéis compromete a credibilidade da instituição, gera insegurança na classe e contamina o ambiente das investigações.

Em 2024, foi amplamente debatida no contexto eleitoral da OAB/MT a proposta de criação de um Plano de Defesa da Advocacia — concebido para assegurar aos advogados proteção equivalente àquela conferida a juízes e promotores. A medida integrava o programa da chapa liderada por este articulista e visava institucionalizar protocolos de segurança em parceria com autoridades públicas. Apesar de sua relevância e do apoio recebido, a proposta foi negligenciada pela gestão eleita. A classe permanece desassistida diante de reiteradas ameaças ao exercício profissional.

O assassinato do ex-presidente da OAB/MT, executado em plena luz do dia, em frente ao seu escritório, é exemplo emblemático. O episódio exigia resposta imediata, pública e institucional da Ordem. A ausência dessa postura é agravada pela informação de que pessoas próximas à direção da seccional atuam na defesa de acusados pelo crime. Não há como conciliar a cobrança por justiça com a defesa de investigados, quando a legitimidade institucional depende da coerência entre discurso e conduta.

Outro caso emblemático envolve investigações por suposto esquema de venda de decisões judiciais, deflagradas a partir do celular de outro advogado também assassinado. A gravidade dos fatos é incontestável, e o discurso ético da entidade perde sua força quando dirigentes se associam, profissionalmente, a suspeitos de corromper o sistema judicial.

Quem ocupa cargo diretivo na OAB deve compreender que, nesse papel, representa toda a advocacia — e, por isso, assume compromisso ético adicional. O exercício de funções de direção na Ordem impõe renúncias temporárias, inclusive quanto à escolha de causas e clientes. Não se pode, pela manhã, cobrar providências da polícia em caso de homicídio de advogado, e à tarde, defender o acusado de ter cometido esse crime. A incoerência institucional é flagrante e corrosiva.

A advocacia é função essencial à administração da justiça. A OAB não pode ser apenas proclamadora de valores: deve praticá-los. A defesa intransigente da classe exige firmeza, coerência e compromisso com os princípios que a própria entidade proclama. A sociedade espera — e os advogados merecem — uma Ordem à altura de sua história e missão constitucional.

Pedro Henrique Marques é advogado.