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Opinião Domingo, 24 de Maio de 2020, 18:06 - A | A

24 de Maio de 2020, 18h:06 - A | A

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Feminicídios disparam durante isolamento imposto pela pandemia

Agora, com este confinamento, tudo parece se agravar, com os números disparando, acentuando a violência doméstica pré-existente, como se fosse um gatilho para os comportamentos mais violentos



O registro de 22 feminicídios em Mato Grosso – apenas no primeiro quadrimestre de 2020 -, revela que as mulheres não sabem o que temer mais: se a pandemia da Covid-19 ou o isolamento social, que as tem obrigado a ficar mais tempo dentro de casa com companheiros agressivos, dispostos não só a espancá-las, como forma de lhes “dar uma lição”, mas também a matá-las, por desobedecerem ao princípio arcaico sobre “quem manda dentro de casa”.  

Com um aumento de 47% em relação ao mesmo período de 2019, quando ocorreram 15 casos, Mato Grosso já ganhou a cena várias vezes nos relatórios nacionais de violência, tendo a mulher como alvo. Neste levantamento, em particular, o mês de março foi o que apresentou mais ocorrências, com sete mortes, contra dois do ano anterior. Os meses de janeiro, fevereiro e abril de 2020 apresentaram cinco casos cada, enquanto em 2019 foram seis, três e quatro, respectivamente.  

O confinamento social, que se tornou medida preventiva eficiente contra o contágio do vírus, não vale, entretanto, para muitas mulheres que são obrigadas a ficar dentro de casa com estes parceiros, passando a figurar nas estatísticas cruéis da violência de gênero.  

Em Mato Grosso, estes dados – de acordo com a Superintendência do Observatório de Violência da Secretaria de Estado de Segurança Pública – são ainda considerados preliminares, diante do fato de que, em se tratando de violência doméstica, agressões que terminam em mortes têm seus números alterados, constantemente. Principalmente onde já foram registradas outras denúncias de espancamentos, desvelando relacionamentos abusivos.  

Além disso, após a investigação policial, a definição de autoria e motivação podem reverter estes quadros para a classificação de “homicídio doloso”. No entanto, no “chão ensanguentado”, ainda jazem os corpos de várias mulheres, indiferentes às classificações.  

Periódicos como El País, Le Monde e tantos outros veículos de comunicação em massa internacionalmente conhecidos, vêm publicando a escalada da violência contra a mulher nesta quarentena. Alguns, optando em ressaltar esta escalada, apontam agressões e mortes por meio de porcentagens.

Na França, os casos de violência aumentaram em 30% desde o começo da crise sanitária provocada pelo coronavírus. Já na China, os casos triplicaram. Na América Latina, alguns países têm a coragem de apontar os números reais, como a Colômbia, onde 12 mulheres foram assassinadas, e outras seis na Argentina, no início do distanciamento social. A violência de gênero é uma pandemia silenciosa.  

Precisamos ressaltar – realizando um breve histórico da violência –, que se houve elevação das agressões e mortes durante a pandemia, não foi a Covid-19 quem a criou. Muito antes, esta violência de gênero, que reflete relações de poder, são produzidas pelo processo ininterrupto de inferiorização. Com sua intensificação, por conta do isolamento de mulheres com seus parceiros agressivos, mas, sobretudo, pela sensação de impunidade provocada por este distanciamento. Fatores agravam – ou pelo menos são usados como estudo e resposta –, como uso de álcool e a situação econômica desfavorável, que abala premissas de masculinidade, a partir do desemprego ou da redução de renda.  

O certo, no entanto, é que, historicamente, a mulher é vítima preferencial da violência contra seu corpo. Esta, em particular, é uma pandemia que existe há muito tempo. Internacionalmente, o problema provocou a criação de medidas de combate à violência doméstica, algumas bastante criativas. Na França, por exemplo, as denúncias podem ser feitas pela internet. Há, inclusive, um chat onde as vítimas podem conversar diretamente com policiais. Nele, há um botão de emergência que fecha a página com as mensagens trocadas, caso a mulher esteja em perigo imediato.

Se algumas das vítimas estiverem em uma farmácia para se medicar após as agressões, por exemplo, foi criada uma 'senha', que podem pronunciá-la, ativando um sistema de alerta de violência doméstica.  

Na Espanha, foi criada uma ferramenta de denúncia por mensagem com geolocalização, por Whatsapp.

Na Suíça, a Secretaria de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção de Violência Doméstica de Genebra conseguiu uma ajuda importante que cresce dia após dia: o apoio de vizinhos, que têm cada vez mais acionado a polícia quando ouvem as brigas.  

No Brasil também foram asseguradas algumas vitórias, mas os números estarrecedores vêm deixando estas ações opacas diante dos índices elevados de agressões e mortes. Enquanto a taxa anual de feminicídios é de 2,3 mortes para 100 mil mulheres no mundo, no Brasil ela é de 4 mortes para 100 mil mulheres. Nossa taxa é 74% maior do que a média mundial, revelando que a violência contra a mulher sempre foi uma doença altamente contagiosa.  

Não é à toa que somos o quinto país do mundo em casos de feminicídio, segundo a Organização das Nações Unidas. Relatórios que apontam que, a cada hora no Brasil, 536 mulheres são agredidas e outras 1.300 morrem, anualmente, vítimas de feminicídio. Ou seja, morrem tão somente pelo fato de ser mulheres.  

Agora, com este confinamento, tudo parece se agravar, com os números disparando, acentuando a violência doméstica pré-existente, como se fosse um gatilho para os comportamentos mais violentos. Há ainda uma diferença enorme entre as teses de proteção e os direitos constituídos, agressões e mortes de que somos diariamente alvos e vítimas.

Lucy Macedo é empresária, Diretora do site Única News e Revista Única