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Cuiabá, 12 de Dezembro de 2025

Opinião Terça-feira, 09 de Dezembro de 2025, 09:44 - A | A

Terça-feira, 09 de Dezembro de 2025, 09h:44 - A | A

ADRIANE DO NASCIMENTO E JULIA LARA

Da Reforma Tributária à prática

Como a emissão de Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) transformará as locações de bens

1. A Adequação do Layout da NFS-E para Contemplar as Operações de Locação de Bens Móveis e Imóveis

A Emenda Constitucional nº 132/2023 instituiu a Reforma Tributária do Consumo e introduziu mudanças estruturais profundas no sistema tributário brasileiro. Entre elas, destaca-se a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos de base ampla e não cumulativos, regulamentados pela Lei Complementar nº 214/2025. Essas novas exações substituirão, de forma gradual e coordenada, os atuais tributos incidentes sobre o consumo — como ICMS, ISSQN, PIS e Cofins — promovendo a unificação, a simplificação e a racionalização do modelo tributário. A reforma busca, assim, reduzir distorções econômicas, aumentar a neutralidade fiscal, padronizar regras de incidência e fortalecer a segurança jurídica, elementos essenciais para a competitividade empresarial e a eficiência do ambiente econômico brasileiro.

No bojo dessas transformações, a Nota Técnica SE/CGNFS-e nº005/2025, publicada em 19 de novembro de 2025 pela Secretaria-Executiva do Comitê Gestor da Nota Fiscal de Serviço Eletrônica de Padrão Nacional, trouxe orientações específicas sobre a adequação do layout da NFS-e para contemplar as operações de locação de bens móveis e imóveis. Dessa forma, a partir de janeiro de 2026, proprietários de imóveis e bens móveis destinados à locação, sejam pessoas físicas ou jurídicas, deverão emitir Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) para documentar essas operações. 

À priori, é fundamental esclarecer que, até o momento, não haverá aumento de carga tributária, pois, trata-se somente de uma alteração de caráter documental, destinada a modernizar o sistema fiscal e garantir segurança jurídica. Assim, a locação de bens, passa a integrar o sistema nacional de documentos fiscais eletrônicos, alinhando-se aos objetivos de transparência e eficiência preconizados pela reforma tributária.

A NFS-e nas locações integra a Reforma Tributária para ampliar a fiscalização e combater a informalidade. O mercado de aluguéis, por décadas, operou sem controle efetivo, favorecendo omissão de rendimentos e uso do setor para práticas ilícitas. A emissão eletrônica garante rastreabilidade das operações, revelando transações informais e contratos simulados. Quem não formalizar os recebimentos estará sujeito a fiscalização, multas e investigações sobre a origem dos recursos. Assim, a regularização fiscal deixa de ser opção e torna-se obrigação legal, protegendo o contribuinte de litígios e riscos penais.

2. A Inversão da Responsabilidade

Tradicionalmente, as operações de locação eram formalizadas mediante recibos simples emitidos pelo locador ou, em situações mais estruturadas, por meio de contratos de locação registrados. Esses documentos, embora válidos para fins civis, não possuíam natureza fiscal nem integravam sistemas de controle tributário.

No entanto, com a implementação das novas regras, a responsabilidade pela documentação fiscal da operação é atribuída expressamente ao locador. Ou seja, a pessoa física ou jurídica que cede o bem (móvel ou imóvel) em locação assume a obrigação de emitir a NFS-e correspondente à operação. O locatário, por sua vez, recebe a NFS-e como comprovante da transação realizada, podendo utilizá-la para fins contábeis, fiscais e de eventual apropriação de créditos tributários, quando aplicável.

Essa inversão está fundamentada no artigo 4º da Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021, que estabelece o marco legal para a unificação de documentos fiscais eletrônicos sob coordenação federal. A centralização da emissão no Portal Nacional da NFS-e visa padronizar procedimentos, facilitar o cumprimento de obrigações acessórias e reduzir a complexidade burocrática enfrentada pelos contribuintes.

3. O que muda na prática?

3.1 Locação de Bens Móveis (Código 99.04.01)

Em relação aos bens móveis, importa destacar que os veículos, equipamentos e máquinas alugados passam a exigir NFS-e com código: 99.04.01 – Locação de Bens Móveis. A operação continua isenta de ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), pois, não configura prestação de serviço conforme a Lista de Serviços da Lei Complementar 116/2003. A operação sujeita-se apenas a IBS/CBS.

3.2 Locação de Bens Imóveis (Códigos 99.03.01 a 99.03.05)

A locação de imóveis também não tem incidência de ISSQN, pois a locação de imóvel próprio não é considerada prestação de serviço para fins tributários municipais. As operações sujeitam-se exclusivamente a IBS/CBS.

Desta feita, para assegurar a correta qualificação tributária (Art. 110 do CTN) e evitar questionamentos fiscais futuros, as operações com imóveis receberam cinco códigos específicos:

• 99.03.01 – Locação tradicional de imóveis

• 99.03.02 – Cessão onerosa

• 99.03.03 – Arrendamento• 99.03.04 – Servidão/Cessão de uso (sem ISSQN)

• 99.03.05 – Permissão de uso/passagem (sem ISSQN)

Outrossim, destaca-se que a para os bens imóveis em locação há uma obrigação adicional prevista no Decreto Federal nº 10.139/2019: o locador deverá informar o código NBS (Nomenclatura Brasileira de Serviços) para especificar se o imóvel é residencial ou não:

• 1.1002.10.00 – Imóvel Residencial

• 1.1002.20.00 – Imóvel Não Residencial

No entanto, se houver serviços agregados à locação (administração, intermediação por imobiliária, manutenção), esses serviços podem ter incidência de ISSQN, mas a locação em si permanece desonerada desse tributo. Isto posto, a classificação correta é essencial para conformidade tributária, devendo o contribuinte observar atentamente as características específicas de cada contrato celebrado para selecionar o código adequado. 

Além disso, a emissão da NFS-e traz benefício importante para empresas locatárias: o direito ao crédito tributário. Com a apresentação do NFS-e, o governo pode descontar os tributos já pagos no aluguel quando pagarem tributos sobre suas próprias vendas. É o princípio da não-cumulatividade, que evita tributação em cascata.

3. Como Se Preparar

Esta mudança valerá a partir de janeiro de 2026 (calendário detalhado ainda será publicado).

Passo a passo:

1. Identifique-se: Você aluga imóveis ou bens móveis? Então precisa emitir NFS-e.

2. Cadastre-se: Acesse www.gov.br/nfse e registre-se no Portal Nacional.

3. Classifique corretamente: 

Bens móveis: código 99.04.01 

Imóveis: códigos 99.03.01 a 99.03.05

4. Informe o NBS: Para imóveis, indique se é residencial ou não residencial.

5. Busque orientação: Consulte seu contador ou a Prefeitura Municipal.

CONCLUSÃO 

A emissão obrigatória de NFS-e em locações de bens móveis e imóveis representa, portanto, uma alteração estritamente documental, sem aumento da carga tributária e sem incidência de ISSQN, ficando tais operações submetidas apenas ao IBS/CBS no contexto do novo sistema tributário. A medida contribui para a modernização e padronização da documentação fiscal, reforça a rastreabilidade das operações e amplia a segurança jurídica para locadores e locatários. Além disso, permite que as empresas locatárias aproveitem créditos tributários de forma mais eficiente, reduzam o risco de tributação em cascata e aprimorem seu controle interno. Ao adotar antecipadamente essas regras, o contribuinte mitiga potenciais contingências futuras, alinha-se às diretrizes da reforma tributária e demonstra compromisso efetivo com a conformidade e a responsabilidade fiscal.

Referência:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

BRASIL. Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019. Dispõe sobre a Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio.

BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal.

BRASIL. Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021. Institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador.

BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS).

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional.

BRASIL. Secretaria-Executiva do Comitê Gestor da Nota Fiscal de Serviço Eletrônica de Padrão Nacional. Nota Técnica nº 005/2025, versão 1.1: Projeto Reforma Tributária do Consumo – Adequações NFS-e. Brasília, DF: SE/CGNFS-e, 19 nov. 2025.

JORNAL CONTÁBIL. Reforma tributária: locadores precisarão emitir nota fiscal eletrônica para aluguéis. Disponível em: https://jornalcontabil.ig.com.br/noticia/reforma-tributaria-locadores-precisarao-emitir-nota-fiscal-eletronica-para-alugueis/. Acesso em: 5 dez. 2025.

Autoras:

Adriane A. Barbosa do Nascimento é advogada, Doutoranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Instituição pela qual também é Mestra em Economia, Políticas Públicas e Desenvolvimento. É especialista em Direito Tributário, Direito Societário e Direito do Trabalho, além de Economista registrada no CORECON-MT (n.º 00001/ME). Atua como Sócia-Administradora da Sociedade de Advocacia Simões Santos, Nascimento & Associados, em Cáceres/MT, e como Diretora Executiva da Consultoria Empresarial e Econômica Simões Santos, Nascimento & Almeida, em Cuiabá/MT. Entre 2022 e 2024, integrou a Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB como Consultora.  Prêmio Brasil de Economia – 3º lugar na edição de 2024, na categoria Artigo Temático; e 1º lugar na edição de 2023, na categoria Artigo Técnico-Científico.

Julia Lara Garcia Dan é advogada no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia, pós-graduanda em Direito Tributário e Direito e Processo Penal pelo Instituto Legale Educacional S.A.