Na era digital, marcada por uma velocidade avassaladora na circulação de informações, a tecnologia tornou-se elemento inseparável da vida cotidiana — cada toque na tela pode representar tanto uma oportunidade quanto um risco. Um dos riscos mais recorrentes é o golpe do chamado “falso advogado”, que tem se espalhado por todo o país. Nessa modalidade criminosa, indivíduos mal-intencionados exploram a boa-fé de terceiros para aplicar fraudes virtuais, utilizando indevidamente a identidade de profissionais da advocacia ou simulando sua atuação para obter vantagens ilícitas.
O que sentimos e percebemos ao longo desses últimos anos é que a contemporaneidade é inescapavelmente definida pela ubiquidade digital. A interconexão promovida por redes sociais, aplicativos de mensageria e plataformas online, embora catalisadora de oportunidades socioeconômicas e informacionais, simultaneamente amplifica a superfície de ataque para atividades criminosas. O enfrentamento das fraudes digitais tem se revelado uma tarefa cada vez mais desafiadora para as autoridades, diante da sofisticação crescente das práticas ilícitas. Esse cenário exige vigilância permanente, aperfeiçoamento contínuo dos mecanismos de controle e a adoção de estratégias eficazes de prevenção e repressão.
As redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas online não apenas conectam pessoas, mas transformam comportamentos e criam formas de interação. No entanto, essa conectividade irrestrita também abriu portas para ações criminosas cada vez mais sofisticadas e de difícil distinção do real. Entre essas práticas, um golpe em especial tem alarmado autoridades e vitimado inúmeros brasileiros: o chamado “golpe do falso advogado”, um esquema que mistura engenharia social, falsidade documental e uso indevido de dados pessoais para enganar cidadãos.
Nesse cenário, observa-se que os golpistas vêm aprimorando suas estratégias nos últimos anos. Já são conhecidos os golpes do amor, da falsa central de atendimento bancário e dos prêmios inexistentes. Mas recentemente, uma prática criminosa tornou-se ainda mais recorrente: criminosos se passam por advogados ou escritórios de advocacia, utilizando números de telefone comuns, com DDD local, para contatar vítimas por meio de aplicativos como o WhatsApp, com mensagens bem elaboradas, afirmando que determinado processo foi encerrado com êxito e que a pessoa tem valores a receber, vindo na sequência, a solicitar os dados bancários para realizar o suposto depósito ou pedem pagamentos antecipados de custas processuais, taxas ou tributos.
Além disso, a eficácia desse tipo de golpe reside justamente no acesso indevido que os criminosos obtêm a informações verídicas do processo, como o nome completo das partes, CPF, nome dos advogados constituídos e até detalhes específicos da demanda judicial. De posse desses dados, os estelionatários constroem uma narrativa convincente, induzindo a vítima a acreditar que está em contato com um profissional legítimo, o que confere verossimilhança à fraude.
Os estelionatários recorrem, ainda, à utilização de documentos com aparência oficial, assinaturas digitais falsificadas, logotipos de tribunais e de escritórios de advocacia, elementos que reforçam a aparência de legitimidade da fraude. Em muitos casos, essas informações são obtidas por meio de vazamentos de dados — seja por falhas de segurança em sistemas eletrônicos ou por práticas ilícitas de comercialização de dados pessoais — o que agrava significativamente a complexidade da situação e impõe desafios adicionais às autoridades responsáveis pela investigação e prevenção desses crimes.
Sob a perspectiva jurídica, essas práticas configuram diversas infrações previstas na legislação penal brasileira. O estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal, é o tipo mais comum, caracterizando-se pela obtenção de vantagem ilícita mediante fraude. A depender do material empregado, o criminoso também pode responder por falsificação de documento público (art. 297), documento particular (art. 298) ou falsidade ideológica (art. 299). A utilização indevida de dados pessoais, por sua vez, infringe a Lei nº 13.709/2018 — a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) —, que estabelece princípios como finalidade, segurança, transparência e prevenção no tratamento das informações. Quando tais dados são utilizados de forma ilícita, há violação grave, passível de responsabilização civil e administrativa.
Diante de tais riscos, torna-se imprescindível que a população adote uma postura cautelosa. Qualquer mensagem que prometa valores a receber ou solicite pagamento via redes sociais deve ser tratada com desconfiança. Em caso de dúvida, o cidadão deve contactar seu advogado com os números oficiais que possuem do escritório, bem como se dirigir presencialmente ao escritório de advocacia ou verificar a tramitação do processo por meio do número ou CPF no site do tribunal competente — essas informações são públicas e gratuitas.
Como resposta institucional, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), atenta ao crescimento dessa prática, disponibilizou um canal de denúncias para relatos de uso indevido de nomes ou registros profissionais. Paralelamente, tribunais estaduais têm emitido alertas em seus portais, com orientações preventivas. Além disso, as vítimas devem registrar boletins de ocorrência, inclusive nas delegacias virtuais, facilitando o acesso às autoridades policiais e contribuindo para a investigação dos casos.
Diante dos desafios impostos pela era digital, torna-se indispensável adotar uma postura mais vigilante, crítica e consciente. A proteção contra fraudes virtuais deixou de ser uma responsabilidade exclusivamente institucional para se tornar um dever compartilhado por toda a sociedade. É fundamental desenvolver o hábito de verificar a veracidade das informações, evitar respostas impulsivas a mensagens de teor emocional e, sobretudo, buscar orientação de profissionais qualificados diante de qualquer dúvida. A construção de uma cultura de segurança digital exige esforços coletivos, alicerçados em ações educativas e preventivas. Compartilhar informações confiáveis, adotar condutas responsáveis e fortalecer o senso de comunidade são, sem dúvida, algumas das ferramentas mais eficazes no enfrentamento de crimes cibernéticos que se reinventam com o avanço tecnológico.
Por fim, conclui-se que o "golpe do falso advogado" é um sintoma da vulnerabilidade inerente à digitalização não acompanhada de rigorosa educação e mecanismos de defesa. O enfrentamento eficaz dessas ameaças requer uma sinergia entre a postura cautelosa do cidadão, a robustez das regulamentações legais e a proatividade das instituições. Somente através de uma abordagem holística e analítica, baseada em dados e conhecimento técnico, poderemos mitigar os riscos e otimizar os benefícios da modernidade digital. A denúncia, nesse contexto, não é apenas um ato de justiça, mas um insumo crítico para a inteligência de segurança pública.
Victor Luiz M. de Almeida é Advogado. Sócio Diretor da Simões Santos, Nascimento e Almeida Consultoria. Pós-graduado em Direito e Compliance Trabalhista pelo Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV, Pós-graduando em Direito do Agronegócio pela ESA/MT com a UFMT, Juiz Relator do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/MT (gestão 2021/2024).
Alanna Salomão Oliveira é estagiária no Escritório Simões Santos, Nascimento & Associados Sociedade de Advocacia e graduanda do 5º semestre em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 12 jul. 2025.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 12 jul. 2025.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Poder Judiciário alerta sobre e-mails falsos. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 03 maio 2025. Disponível em: https://www.tjmt.jus.br/noticias/2025/5/poder-judiciario-alerta-sobre-e-mails-falsos. Acesso em: 14 jul. 2025.em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=72321. Acesso em: 11 jul. 2025.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO (TRF3). Golpe do falso advogado: saiba o que é e como se proteger. Campanha de Comunicação do TRF3, São Paulo, 15 jan. 2025 (atualizado em 28 abr. 2025). Disponível em: https://www.trf3.jus.br/campanhas/2025/golpe-falso-advogado. Acesso em: 11 jul. 2025.
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). OAB lança campanha nacional e plataforma de verificação contra golpe do falso advogado. Notícia, 10 jun. 2025. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/63063/oab-lanca-campanha-nacional-e-plataforma-de-verificacao-contra-golpe-do-falso-advogado. Acesso em: 11 jul. 2025.