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Entrevista da Semana Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2020, 11:59 - A | A

24 de Fevereiro de 2020, 11h:59 - A | A

Entrevista da Semana / JUSTIÇA TRABALHISTA

Procurador defende celebração de TACs como forma de solução mais rápida: “tem força de sentença”

Segundo Rafael Mondego, o empregador que firma TAC acaba se beneficiando, já que pode negociar as eventuais multas e indenizações

Lucielly Melo



O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é muito utilizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para corrigir falhas de um empregador que tenha infringido os direitos do trabalhador.

Em entrevista ao Ponto na Curva, o procurador-chefe do MPT em Mato Grosso, Rafael Mondego, afirmou que o acordo celebrado é a forma mais rápida de solucionar o problema, já que no Judiciário o problema pode ser resolvido morosamente.

“É importante que haja essa resolução do problema de forma rápida. Chegou no MPT, diria que grande parte das nossas demandas, são solucionadas pela via extrajudicial, que passa pelo TAC. O acordo é um título executivo extrajudicial que tem força de sentença. As obrigações nele firmadas, seja de regularizar a conduta ou pagar indenização por dano moral coletivo, podem ser obtidas pela via judicial, mas vão demorar mais”, disse.

Para Mondego, o TAC acaba sendo menos traumático para o próprio empregador, já que ele poderá negociar as eventuais multas aplicadas e as indenizações.

O TAC, inclusive, tem sido objeto de discussão da MP da Liberdade Econômica, que prevê a duração do acordo para tão somente dois anos, o que preocupa o procurador, já que as irregularidades que seriam resolvidas de forma definitiva, poderão ser novamente praticadas pelo empregador, após encerrado o prazo do acordo – fato que aumentaria a demanda tanto do MPT quanto do Judiciário.

Além disso, Mondego também abordou as questões relacionadas ao trabalho escravo e infantil, os outros temas de atuação do MPT e do impacto que a reforma trabalhista trouxe para o Estado.

LEIA ABAIXO A ENTREVISTA NA ÍNTEGRA:

Ponto na Curva: Inicialmente, gostaria que o senhor falasse um pouco da sua atuação junto ao MPT e sobre as atribuições do órgão em Mato Grosso?

Rafael Mondego: O Ministério Público do Trabalho é um braço do Ministério Público Brasileiro que se divide entre Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados. O MP da União se subdivide entre os MPs Federal, do Trabalho, do Distrito Federal e Territórios e o Militar. Não somos um órgão integrante dos Poderes da República. Somos um extrapoder, ou seja, fazemos parte dessa estrutura do Estado, que serve para regulamentar e regular o funcionamento dos outros Poderes, da sociedade como todo. Servimos basicamente para tutela da ordem jurídica nacional e à defesa dos direitos da coletividade.

O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso atua junto com a Justiça do Trabalho, isso com atuação judicial, porque tem tanto a atuação judicial quanto a extrajudicial. A extrajudicial se dá como um órgão investigador. Recebemos denúncias de irregularidades trabalhistas e apuramos para ver se são verdadeiras ou não. Ela [atuação] pode também se dar como um órgão promocional, de forma preventiva para evitar que eventuais ilícitos aconteçam. Na época em que eu atuava no estado do Amapá, tinha promocionais que tratavam da inserção de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho. Existe uma cota que deve ser cumprida pelas empresas de contratação dessas pessoas e fazíamos audiências públicas e coletivas para tratar da questão com empresários, principalmente com aqueles que não estariam cumprindo a cota, daria a chance dos empresários se regularizarem ou então difundir a ideia com os demais justamente para fomentar o cumprimento dessa norma de inclusão na sociedade como um todo. E assim fazíamos no que se refere ao trabalho infantil, para fortalecer a rede de proteção à criança e ao adolescente no município respectivo... então temos essas duas frentes extrajudiciais: promocional e investigativa em si.

Já na esfera judicial, podemos atuar como órgão agente ou como interveniente. O que é isso? Como órgão agente, ajuizamos ações civis públicas em face de infratores da lei, isso após a apuração, após comprovado que ocorreu a infração trabalhista, após colhermos provas no curso do inquérito civil. Uma vez convencido o procurador da ilicitude, ajuizamos uma ação civil pública quando essa irregularidade não é corrigida no curso do inquérito, que é o que acontece na maioria das vezes, seja mediante uma adequação voluntária da conduta à lei ou mesmo pela assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), porque esse termo vai ter força de uma sentença. Seria uma forma de resolução antes do processo. Se não resolvermos pela via extrajudicial, levamos essa ação para o Judiciário trabalhista.

Ponto na Curva: Qual a maior demanda hoje em Mato Grosso no que tange a denúncia e ações interpostas pelo MPT?

Rafael Mondego: Temos nove temas que subdivide as matérias da atuação. Nos temas gerais estão a alteração contratual de condições de trabalho, desvio de função, assinatura de carteira, jornada de trabalho, atraso salarial. Essas questões são a maior parte das denúncias. Esses temas gerais dominam, mas dentre os temas mais específicos aqui em Mato Groso se destacam o meio ambiente de trabalho. No ano passado, tivemos 609 NFs – notícias de fato que são informações de eventual descumprimento da norma que chegaram no nosso sistema – que são relacionadas ao meio ambiente de trabalho. O que são isso? São descumprimentos de normas regulamentadas relacionadas a tutela desse local onde o trabalhador presta serviços, como o banheiro, a alimentação, risco de queda, agrotóxicos... Essas questões são mais constantes aqui no estado, que também envolve riscos na construção civil, hospitais...

Em segundo lugar, teríamos questões relacionadas a discriminação, oportunidade de trabalho e também o assédio moral, que são condutas abusivas praticadas pelo empregador em detrimento do empregado. Por exemplo, aquela humilhação que se dá todos os dias que o empregado é obrigado a aguentar porque ele depende daquele trabalho. Essa é uma situação que chega a nós com uma certa frequência. Temos questões relacionadas ao trabalho na administração pública, terceirizações ilícitas, eventualmente o Município contrata alguém como se servidor fosse, mas na condição de prestador de serviços terceirizado, o que não pode acontecer, seria uma fraude a contratação mediante concurso e temos também os casos relacionados ao trabalho escravo. Considerando a ordem das denúncias que recebemos, acredito que foram até poucas. Foram 84 NFs relacionadas ao trabalho escravo no ano passado. Dessas 84, tínhamos em curso 37 inquéritos civis envolvendo a matéria. Mato Grosso é o segundo estado em número de trabalho escravo no país. Para se ter uma noção, entre 2003 e 2018, foram resgatadas 4.394 pessoas, que muitas vezes vem de outros Estados para prestar serviços como trabalhadores escravizados aqui, por falsas promessas de emprego, de trabalho com qualidade, com condições dignas, mas quando chegam aqui eles se veem envolvidos nessa situação, que, na maioria das vezes, acontece com degradância, ou seja, sem o mínimo de respeito às normas referentes ao meio ambiente de trabalho e que garantam uma prestação de trabalho digno. Eles bebem água suja, fazem necessidades fisiológicas e banham no mesmo lugar, dormem expostos a intempéries e a ataques de animais peçonhentos, habitam barracões de lona e por aí vai. Essas questões são analisadas de forma conjunta. Não é só uma infração a uma norma regulamentadora que vai configurar o trabalho escravo, mas sim um conjunto de normas infringidas.

Ponto na Curva: Como o trabalhador pode denunciar as irregularidades no ambiente de trabalho?

Rafael Mondego: Essas denúncias chegam via internet ou por ligações. Posteriormente, elas são distribuídas aos procuradores, que tomando conhecimento da denúncia, vão analisar se aquela questão é ou não da atuação do MPT. Se recebo uma denúncia relacionada ao trabalho escravo, ela pode ter chegado tanto de forma anônima – isso não impede nossa atuação – como mediante a identificação da pessoa que está trazendo essa informação. Nesses casos, até para pôr questões relacionadas a segurança do denunciante, procuramos manter o sigilo. E também existe o aplicativo MPT pardal que recebe as denúncias.

Ponto na Curva: Em Mato Grosso, no período de 2017 a 2019, o MPT recebeu um total de 256 denúncias de trabalho escravo, 84 somente em 2019. A que o senhor atribui esses números? O trabalho escravo ainda preocupa no Estado?

Rafael Mondego: Muito, preocupa muito. Tivemos ultimamente uma queda da quantidade das fiscalizações por conta da crise orçamentária no Brasil, por falta de dinheiro mesmo. Os auditores fiscais do trabalho, que não são vinculados a nós, mas ao Ministério da Economia, dependem de verba do Governo Federal para fazer esses deslocamentos, que são feitos por grupos móveis, que na maioria das vezes nós, do MPT, participamos. Se observar o gráfico de situações de trabalho escravo vai ver que no passado a quantidade de trabalhadores resgatados era muito grande, pois a quantidade de fiscalização era maior, hoje caiu absurdamente. Agora, me parece que essa quantidade tende a aumentar, porque as fiscalizações, na medida do possível, estão sendo retomadas. Não sei como vai acontecer neste ano, mas ao menos o MPT está reservando uma verba para fazer esse deslocamento. O que pudermos fazer aqui faremos, mas dependemos muito desse suporte do auditor do trabalho, até porque existe uma atuação desses agentes públicos, pois eles exercem o poder de polícia, aplicam multas administrativas. Eles, inclusive, tratam da configuração do trabalho escravo em si – não que não possamos tratar dessa configuração – mas essa decisão se dá de forma conjunta. É preciso que haja uma união de forças, ninguém resolve o problema sozinho. Temos fé que essa questão há de ser tratada da forma que merece e que continuaremos atuando nos próximos anos de forma incisiva no combate ao trabalho escravo no Estado.

O acordo é um título executivo extrajudicial que tem força de sentença. As obrigações firmadas dele, sejam as obrigações de fazer ou não fazer consistentes em regularizar a conduta ou pagar indenização por dano moral coletivo, podem ser obtidas pela via judicial, mas vão demorar mais. É importante que as partes tenham ciência dessa questão, até para que se chegue a uma solução que seja menos traumática possível para o próprio empregador

Ponto na Curva: E o trabalho infantil?

Rafael Mondego: O trabalho infantil no Estado, diria que sofremos uma questão de subnotificação, porque ele é culturalmente admitido, infelizmente, em Mato Grosso e em muitos Estados no país, porque se plantam aquela ideia de que é melhor que a criança trabalhe do que ela entre na marginalidade. Só que o que não se percebe é que esse trabalho precoce proporciona esse contato das pessoas muitas vezes com esse ambiente de forma desnecessária. Ela vai ter mais acesso ao próprio consumo de drogas, vai estar fora do ambiente escolar, então isso vai prejudicar o desenvolvimento. Vai criando um ciclo vicioso em que as pessoas mais pobres nunca saem daquela questão de pobreza e marginalidade. Esse ciclo é o que queremos quebrar e plantar uma sementinha na cabeça das pessoas de forma que floresçam o entendimento no sentido de que lugar de criança é na escola e sob os cuidados da família. Tudo tem o momento e o momento de trabalhar está regulamentado por lei. Hoje, é possível trabalhar a partir dos 16 anos, salvo em condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Nesse caso, a pessoa estaria preparada para entrar no mercado de trabalho, é claro que existe uma série de direitos que o aprendiz tem. Trata-se de um contrato de trabalho especial, mas é um contrato que casa a profissionalização e o trabalho e garante também a frequência desse adolescente na escola. Tudo pensado de modo a casar essa necessidade do estudo, do lazer com exercício de uma atividade profissional.

Ponto na Curva: O órgão, em muitos casos de afronta à legislação, opta por Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ao invés de ação judicial. Na prática, esses acordos têm surtido efeito?

Rafael Mondego: Sim. Digo que é muito melhor firmar um TAC, porque consegue resolver a situação da forma mais rápida possível. Sabemos que o Judiciário tem alguns problemas relacionados a morosidade. Aqui em Mato Grosso, é justo dizer, temos uma Justiça trabalhista bem célere, mas isso pode não se repetir em todos os Estados da nação. Claro que o Judiciário trabalhista se destaca, mas tem suas limitações. É importante que haja essa resolução do problema de forma rápida. Chegou no MPT, digo que grande parte das nossas demandas, são solucionadas pela via extrajudicial, que passa pelo TAC. O acordo é um título executivo extrajudicial que tem força de sentença. As obrigações firmadas dele, sejam as obrigações de fazer ou não fazer consistentes em regularizar a conduta ou pagar indenização por dano moral coletivo, podem ser obtidas pela via judicial, mas vão demorar mais. É importante que as partes tenham ciência dessa questão, até para que se chegue a uma solução que seja menos traumática possível para o próprio empregador. Um empregador que entende que pode resolver a questão de imediato ou mais rápido possível, ele vai certamente ter o prejuízo menor, vai poder negociar o valor das multas, que são eventualmente aplicadas, a própria indenização do pagamento de dano moral coletivo que pode ser melhor negociada, é tudo mais fácil. Infelizmente, recentemente, o Poder Executivo Federal tem o desejo de que essa legislação do TAC seja modificada.

Ponto Curva: Sobre esse assunto, o MPT defendeu a rejeição parcial da “nova minirreforma trabalhista” – também conhecida como a MP da Liberdade Econômica. Quais os pontos questionados e por que da rejeição parcial?

Rafael Mondego: Primeiramente é importante registrar que o MPT não é contra as iniciativas do Governo Federal ou de qualquer poder que seja no sentido de fomentar a empregabilidade no país. Não atuamos contra bons empregadores, mas contra os empregadores que descumprem a lei. Lembrando que também podemos atuar contra os trabalhadores. Um exemplo é quando atuamos contra um sindicato que pode descumprir uma norma trabalhista e ser processado. Isso também acontece. O que queremos é fazer com que a lei seja cumprida. E também consequentemente o Ministério Público não é contra mudanças na legislação que venham fomentar o emprego no país, porque quando se fala em qualquer reforma trabalhista e Ministério Público vai contra, vai se pensar “ah o Ministério Público está aí de novo para impedir o progresso” não é isso. O MPT quer que o progresso se dê de forma sustentável, sob o aspecto social. Tem que casar a função social da propriedade com os benefícios que trazem para o trabalhador, que possui direitos que devem ser respeitados. Eis a razão pela qual nos opomos a várias reformas que são trazidas por qualquer que seja o órgão. Nesse ponto específico, da Medida Provisória 905, duas questões nos preocupam muito. A primeira dela diz respeito a vinculação das destinações a uma espécie de fundo, que seria para reabilitação profissional, que seria relacionado ao INSS. Louvável que o governo pense num programa dessa natureza, mas quando vai vincular as receitas oriundas da atuação Ministério Público do Trabalho está ofendendo a autonomia do órgão. O Ministério Público é um órgão essencial à jurisdição do estado, essencial à tutela do ordenamento jurídico nacional, então tem liberdade de atuação, não pode ter amarras na sua atuação. Ademais, nesse caso específico, quando vincula toda e qualquer destinação a um fundo federal, corre o risco de que aqueles valores obtidos por meio de ações judiciais ou TACs não tenham a real destinação que de fato teriam, que seria a reparação do bem jurídico lesado. Nós aqui do MPT trabalhamos com diversas questões, seja do trabalho infantil, trabalho escravo, tutela do ambiente de trabalho, fraudes trabalhistas em geral, ou seja, são lesões de inúmeras naturezas. Quando institui um fundo relacionado tão somente a recuperação de pessoas que eventualmente tenham sofrido acidente de trabalho, por exemplo, esse caso de reabilitação profissional, estaria concentrando toda a atuação do órgão em uma única questão, que seria um pequeno ponto relacionado ao ambiente de trabalho. Todos os outros temas seriam esquecidos. O mais grave: o governo diz que presa muito por beneficiar os estados, por isso tem o slogan “mais Brasil, menos Brasília”.

O que aconteceria se levasse todos os recursos da atuação do MPT para esse tesouro? Concentraria tudo na União, invés de fazer essa difusão de benefícios em todo o estado brasileiro, em benefícios de municípios, de instituição de terceiro setor. Aqui em Mato Grosso, temos exemplos de destinações em benefício da segurança pública, da educação, da saúde, seja de âmbito estadual ou municipal, tem várias entidades do terceiro setor que são beneficiadas pelas destinações do Ministério Público, então essa Medida Provisória impediria que isso aconteça, amarraria nossa atuação, de modo que o procurador não teria mais a possibilidade de beneficiar a sociedade como um todo através da sua atuação. O Ministério Público não visa somente punir, mas também dar o resultado da sua atuação para a coletividade e esse resultado se dá mediante a reparação do dano causado. Então, aquele empregador que infringiu a norma jurídica vai comprar um bem, vai destinar algum valor em benefício da comunidade em si e não esse valor necessariamente teria que estar vinculado a um programa do Governo Federal.

Outro ponto seria relacionado aos TACs. Pela emenda que está tramitando no Congresso Nacional, há uma limitação da duração do TAC firmado pelo MPT. Hoje, o Termo de Ajustamento de Conduta tem durações definidas, as obrigações podem substituir um provimento obtido pela via judicial, então a sentença impõe obrigações para o futuro, sem prazo de validade. Por essa nova Media Provisória, essas obrigações estipuladas no acordo teriam duração máxima de dois anos, não resolveria o problema definitivamente e poderia provocar com que o empregador sofresse fiscalização constantes a cada dois anos. Temos a seguinte situação: o procurador do trabalho quer que sua atuação tenha resultado prático então possivelmente esse empregador, depois de passar dois anos, pode ser novamente instado pelo MPT, se receber nova denúncia, para procurar resolver o mesmo problema que poderia ter sido resolvido no passado de forma indeterminada.

Outro ponto é que a medida provisória prevê que eventuais termos de compromissos firmados com auditor fiscal, ou seja, por uma autoridade com poder de polícia vinculado ao Ministério da Economia que não tem relação com MPT, este termo, firmado durante uma fiscalização poderia impedir que o MPT também celebrasse um TAC. São institutos totalmente diferentes. O termo de compromisso é firmado durante uma fiscalização comum do Mistério da Economia e outro aspecto teria a atuação do MPT, que buscaria evitar a judicialização. O que pode acontecer a partir dessas duas situações? Seja pela limitação do prazo de validade, seja pelo impedimento do Ministério Público firmar o TAC em razão de um termo de compromisso firmado pelo auditor fiscal, pode acontecer o aumento de ações civis públicas. O procurador, invés de resolver a situação pela via amigável, transacionando com o empregador, ele vai ser obrigado a ajuizar uma ação civil pública, vai ser obrigado a buscar a Justiça trabalhista e aumentar o número de processos. As demandas vão demorar para serem resolvidas.

Ponto na Curva: Como é feita a destinação dos valores arrecadados nos TACs?

Rafael Mondego: Antes da Medida Provisória, buscávamos prioritariamente beneficiar a comunidade lesada. O procurador, a seu critério, buscava alguns projetos em sua região que poderiam ser beneficiados, projetos voltados a educação de jovens, a melhoria da estrutura da Polícia Militar, das escolas, projetos de toda natureza. Esses projetos poderiam receber valores, bens ou serviços. Por exemplo, uma construtora que tivesse descumprido a ordem jurídica trabalhista e ao invés de pagar valores, ela concordava com um membro do MPT de fazer uma obra em benefício de entidade, pode ser entidades públicas sem fins lucrativos que tenham uma atuação de relevância pública. Lançamos um edital de cadastramento de entidades, onde constam uma série de pré-requisitos que devem ser preenchidos por essas entidades, que trazem a nós os projetos que eventualmente possam ser atendidos. Tudo que chega a título de valor, tudo que seria objeto de condenação em via judicial ou administrativa, a gente busca concentrar nesses projetos. Essa é atuação independente do Ministério Público, sem acionar a justiça.

Paralelamente a isso, temos aqui em Mato Grosso um Comitê Interinstitucional de Ações Afirmativas, que é uma iniciativa que o Tribunal está tocando com o apoio do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil. Os procuradores podem fazer a destinação dos processos que eles atuam diretamente para esse comitê, que concentra os valores e por decisão colegiada – membro do Ministério Público, do juiz e do integrante da OAB – decide qual projeto será contemplado. Nesse caso específico, o projeto é levado para a Justiça do Trabalho, também com base no edital que prevê os pré-requisitos que devem ser observados. Hoje acontece assim. Mas, em razão da medida provisória que saiu no final do ano passado e principalmente da regulamentação do dispositivo do ministro da Economia, que de fato efetive essa vinculação das nossas destinações a esse fundo federal, muitos colegas têm evitado de fazer essas destinações enquanto não se resolve. Existe um posicionamento do Conselho Nacional do Ministério Público que asseguraria ainda sim o direito, a prerrogativa do procurador de continuar fazendo as destinações da forma que fazia antes da Media Provisória.

Ponto na Curva: Os trabalhadores lesados obtêm, diretamente, parte dos valores obtidos através das ações civis públicas ou eles devem buscar o Judiciário para ser reparados pelo mesmo fato discutido na ação do MPT?

Rafael Mondego: A ação civil pública busca uma tutela de direitos coletivos, ou seja, direitos transindividuais que ultrapassam o interesse de uma pessoa específica. A nossa atuação, de regra, é para pagamento de valores ao trabalhador, mas a gente investe na coletiva, daí que vem essas destinações feitas a entidades e ao Estado. Mas é possível, em determinadas situações, que o MPT ajuíze ações civis públicas ou mesmo que firme TAC em que haja a previsão de pagamento de indenizações a trabalhadores. Isso a gente chama de tutela de direitos homogêneos, mas acontece, de regra, quando existe um grande número de trabalhadores lesados, porque é sabido que, por previsão constitucional, prioritariamente a defesa da categoria deve se dar pelos sindicatos. Quando se trata de pagamento de verbas que vão beneficiar o trabalhador X, Y e Z, isso se dá por meio do sindicato. Mas, em situações extraordinárias, como no caso de resgate de trabalhadores em situações análogas de escravidão, o procurador do trabalho pode firmar um acordo onde há essa possibilidade de pagamento de indenizações individuais por dano moral aos trabalhadores lesados, é possível que isso aconteça, mas não é a regra.

Ponto na Curva: Como a última reforma trabalhista impactou na atuação do MPT?

Rafael Mondego: Impactou bastante, porque hoje em dia o que era antes proibido, já se passou a admitir, como por exemplo no que se refere à terceirização. Antigamente existia aquela discussão de atividades finalísticas poderem ou não ser objetos de terceirização, o Tribunal Superior do Trabalho entendia que só se podia terceirizar as relacionadas a atividades-meio – questões de segurança, relacionadas à limpeza, por exemplo. Hoje, todas as atividades podem ser objetos de terceirização, claro que sem que haja a presença dos requisitos de relação ao emprego com o trabalhador terceirizado, ou seja, quando terceiriza a atividade, a empresa não posso agir como se fosse o empregador daquele trabalhador terceirizado, existe uma relação de subordinação com a empresa de terceirização. O MPT mudou um pouco o foco de atuação nessa questão de serviços terceirizados. Deixamos de verificar se a atividade é meio ou fim e passamos a verificar se há uma fraude ao contrato de trabalho naquele meio específico. Digamos que a forma de atuação mudou um pouco, mas o MPT continua na defesa dos direitos constitucionais do trabalhador. Eventualmente, questões trazidas pela reforma trabalhista têm sido discutidas no Supremo Tribunal Federal e pretendemos superá-las com o tempo.

Ponto na Curva: Como se dá a atuação do MPT à frente da coordenação do Fórum Mato-grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e a relação com o ambiente de trabalho?

Rafael Mondego: Esse é um caso de atuação promocional do MPT. Atua de modo a prevenir a ocorrência de problemas relacionadas ao ambiente de trabalho. Como coordenador do fórum, temos o procurador Bruno Choairy, que é também o nosso coordenador regional da defesa do ambiente de trabalho em Mato Grosso. Nesse fórum, há uma interação com várias entidades. O fórum funciona em Cuiabá e temos um braço em Rondonópolis que congrega todas essas entidades relacionadas a regulamentação do uso de agrotóxicos. Temos a Universidade Federal de Mato Grosso, que é uma grande parceira que tem feito trabalhos que podem subsidiar a atuação do MPT no fornecimento de dados científicos relacionados ao consumo indevido desses agrotóxicos e os efeitos que eles trazem para a saúde humana. Buscamos proteger tanto a saúde do trabalhador, que executa as atividades em contato com essas substâncias, quanto da comunidade.

Em estudo feito pela UFMT, verificamos que pessoas trabalhadoras, não necessariamente aquelas que trabalham com agrotóxicos, mas, como exemplo, professores que trabalham na região estariam contaminados, teriam até resíduos de agrotóxicos na urina. Isso seria uma demonstração de que a totalização dos agrotóxicos se espalha por toda a coletividade. Buscamos combater os agrotóxicos e ajuizar ações para impedir o uso do glifosato, que já está sendo proibido em outros lugares do mundo. Aqui no Brasil, temos um problema: o que é proibido no mundo, é permitido aqui no país. Situação que é difícil de entender. Por que isso? A saúde do europeu é diferente da do brasileiro? Os limites de tolerância dos europeus são diferentes dos limites dos brasileiros? Todos somos humanos. O impacto vai para correr para todo mundo. Então temos um problema a ser resolvido nesse ponto.

Participam do fórum, além do Ministério Público do Trabalho: o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Defensoria Pública, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e o Ministério Público Estadual (MPE).