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Cuiabá, 10 de Julho de 2025

Legislativo Quarta-feira, 10 de Junho de 2020, 09:37 - A | A

Quarta-feira, 10 de Junho de 2020, 09h:37 - A | A

DECISÃO LIMINAR

Juiz suspende norma que valida terras indígenas como áreas privadas

Segundo o MPF, a Instrução Normativa 09/2020, da Funai, viola a publicidade e a segurança jurídica restringindo o direito originário dos indígenas às suas terras, levando ao reconhecimento de propriedades privadas

Da Redação

O juiz César Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal de Cuiabá, deferiu liminar para suspender os efeitos da Instrução Normativa 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre as terras indígenas existentes no Estado.

A normativa, de acordo com o Ministério Público Federal, viola a publicidade e a segurança jurídica restringindo o direito originário dos indígenas às suas terras, levando ao reconhecimento de propriedades privadas onde provavelmente elas não existam.

Entre os pedidos formulados pelo MPF está a manutenção ou inclusão, por parte da Funai, no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), no prazo de 24 horas, além das terras indígenas homologadas, áreas dominiais plenamente regularizadas e reservas, também as terras indígenas do Estado de Mato Grosso em processo de demarcação nas seguintes situações: área formalmente reivindicada por grupos indígenas; área em estudo de identificação e delimitação; terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do Ministro da Justiça); e terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados. O pedido foi deferido.

A multa por descumprimento, solicitada pelo MPF, é de R$ 100 mil por dia.

Já o Incra deverá levar em consideração, no procedimento de análise de sobreposição realizada pelos servidores credenciados no Sigef, as terras indígenas do Estado em processo de demarcação, nas situações indicadas pelo MPF e, como gestor do Sigef, deverá providenciar os meios técnicos necessários para o imediato cumprimento da decisão judicial.

Na decisão, o juiz César Augusto Bearsi lembrou que para que seja concedida a tutela provisória de urgência é preciso verificar hipóteses em que ela se enquadra: a probabilidade do direito, o perigo de dano ou risco como resultado útil do processo e a inexistência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Sobre a questão da probabilidade do direito, o magistrado ressaltou que o “direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura-se como um direito originário e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não é criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988”.

Bearsi também ressaltou que as terras indígenas são um bem da União e, portanto, são inalienáveis e indisponíveis, independentemente da vontade da etnia envolvida, e os direitos sobre elas não se perdem com o tempo.

O magistrado destacou também que a instrução normativa anula, inconstitucionalmente, a proteção das terras indígenas, reconhecendo a validade de propriedade privada onde talvez ela não exista, colocando em risco os indígenas e também os particulares, que podem criar expectativas falsas sobre a propriedade, que depois pode vir a não ser realmente reconhecida.

“Assim seja pelo respeito devido às terras indígenas e à opção feita pelo legislador constituinte em relação a elas, seja porque a nova IN/9 possa trair a confiança dos administrados na Administração ao emitir documento potencialmente falso, deve ser dada a liminar. Presente, portanto, a probabilidade do direito”, afirmou.

Já o perigo de dano se faz presente devido às consequências prejudiciais aos indígenas e aos particulares envolvidos, pois, no caso de se manter a exclusão das áreas indicadas pelo MPF em razão da nova normativa da Funai, todos os negócios jurídicos praticados terão sido nulos, com consequências patrimoniais e indenizatórias.

“Por fim, não há falar em perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, pois o pedido de tutela de urgência formulado consiste em nada mais do que manter a situação que já existia antes da nova IN/9”, enfatizou o magistrado.

PLC 17/2020

A decisão judicial vai de encontro com Projeto de Lei Complementar (PLC) 17/2020, que tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso e que autorizaria o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de fazendas em sobreposição a terras indígenas no Estado.

O procurador da República e titular do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais no estado encaminhou, em 14 de maio deste ano, ofício ao presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), José Eduardo Botelho (DEM), requerendo a suspensão do PLC e a leitura do documento em Plenário, o que foi feito, mas, apesar das pontuações do Ministério Público Federal, o projeto continua em tramitação na Casa de Leis.

Levantamento

Um levantamento realizado pelo Ministério Público Federal, por meio da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea), da Procuradoria-Geral da República (PGR), divulgado nesta terça-feira (9), aponta que 9.901 registros de imóveis rurais, inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR) estão sobrepostos a terras indígenas em diferentes fases de regularização ou a áreas com restrição de uso.

Foram considerados os dados extraídos do Sistema CAR, vinculado ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB), no período de 21 a 31 de maio deste ano.

De acordo com o levantamento, em Mato Grosso existem 1.062 áreas indígenas com sobreposição de cadastro de imóveis rurais, sendo que 1013 são Terras Indígenas e 49 possuem restrição de uso.

CONFIRA ABAIXO A DECISÃO. (Com informações da Assessoria do MPF)