A Justiça Federal condenou a Fundação Nacional do Índio (Funai) a cumprir sua função institucional em todos os processos de destituição de poder familiar, tutela ou adoção que envolvam crianças indígenas.
A atuação da Funai está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, conforme denúncia do Ministério Público Federal de Mato Grosso (MPF-MT), a instituição tem sido omissa nos processos em trâmite na comarca de São Félix do Araguaia (a 1.030 km de Cuiabá).
Com a decisão condenatória, a Funai deverá se manifestar nos processos de colocação dos menores indígenas em família substituta, em que já foi citada, dentro do prazo de 60 dias. Também foi fixada multa de R$ 5 mil a cada descumprimento de atuação por processo.
“(...) a Funai, mais especificamente as Coordenações Regionais, deve sempre acompanhar os casos existentes sob orientação da Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável – DPDS e da Procuradoria Federal Especializada. Por meio de seus procuradores federais, o órgão indigenista oficial tem o dever de estar presente em todos os atos que tratem sobre colocação do menor indígena em família substituta, para que os interesses e direitos da criança indígena sejam respeitados. A partir do entendimento levado pelos servidores da Funai, o juiz tomará conhecimento dos diferentes conceitos de família, identidade cultural e costumes da etnia ou povo ao qual a criança pertence”, ressaltou a decisão judicial.
Atribuições da Funai
O artigo 28, parágrafo 6º, inciso III do ECA prevê a participação obrigatória da Funai e de antropóloga nos processos de colocação de crianças indígenas em família substituta. Tais determinações visam dar efetividade ao artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece o direito à convivência familiar e comunitária como direito humano da criança.
O parágrafo 6º do artigo 28 prevê que, em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é obrigatório que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos pelo ECA e pela Constituição Federal; que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.
“Desta feita, a legislação especial estabeleceu a intervenção obrigatória da Funai como representante oficial da política indigenista em todos os processos de destituição de poder familiar, como também naqueles referentes à colocação em família substituta, seja por meio de guarda, tutela ou adoção que envolva crianças indígenas”, enfatizou a decisão da Justiça Federal.
O caso
O MPF ajuizou uma ação civil pública a partir do inquérito civil instaurado de uma comunicação feita pela Promotoria de Justiça de São Félix do Araguaia, informando a omissão da unidade da Funai localizada no município quanto a realização de estudo multidisciplinar nos processos de destituição de poder familiar, tutela ou adoção que envolvam crianças indígenas.
De acordo com os autos, foram localizados 16 processos envolvendo crianças indígenas e que estão parados, nos últimos 3 anos, à espera da Funai. Conforme o MPF, é obrigatória a participação do órgão federal de proteção ao indígena, além de antropólogos, em todos os procedimentos que tratem da colocação de menores indígenas em famílias substitutas. Porém, a Fundação se mantém omissa e, a falta de manifestação da instituição, acaba acarretando na nulidade de todo o processo de guarda ou adoção de crianças indígenas.
“Assim, diante dessa obrigatória em contraponto a omissão do órgão indigenista, há processos aguardando durante anos para que haja o julgamento do mérito”, afirmou o MPF.
“Tal desmazelo gera violação a direitos fundamentais da criança e adolescente indígena, por parte do órgão que deveria justamente protegê-los. (...) A Funai não vem cumprindo com uma de suas funções na proteção dos interesses das crianças e adolescentes indígenas, mesmo após reiteradas ordens do juízo de São Félix do Araguaia solicitando sua intervenção nos feitos judiciais que versem sobre a colocação do menor indígena em famílias substitutas”, afirmou o procurador da República Everton Pereira Aguiar Araújo na ação.
O procurador alertou também para a irresponsabilidade do órgão ao não tratar com prioridade absoluta os casos de colocação do menor em famílias substitutas e as sequelas que essa omissão por parte da Fundação poderão ocasionar aos envolvidos.
“(...) é evidente que a omissão da Funai gera consequências irreparáveis para o menor que se vê na incerteza de um dos aspectos mais importantes da vida do ser humano, a família. Do mesmo modo, a omissão do órgão, além de afetar o correto desenvolvimento do menor indígena, fere o direito daqueles que pretendem adotar uma criança. Dessa forma, aguardar um provimento até o término do processo representa o agravamento do dano que as pessoas envolvidas no processo vêm sofrendo”, enfatizou.
Diante dos fatos levantados no inquérito civil, o MPF solicitou a condenação da Funai para que intervenha nos processos em andamento, em que já foi regularmente citada a manifestar-se e que envolvam a colocação do menor indígena em família substituta, no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária. (Com informações da Assessoria do MPF-MT)