O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reconheceu a possibilidade de incompetência da Justiça Estadual em julgar e processar os crimes investigados na Operação Hypnos, que apurou esquema na Saúde de Cuiabá, que teria causado prejuízos de mais de R$ 3,2 milhões.
Se de fato a incompetência for declarada, os atos processuais, inclusive o recebimento da denúncia, deverão ser anulados.
A tese foi ventilada no STJ pela defesa do ex-secretário Célio Rodrigues da Silva, que chegou a ser preso durante a operação. No habeas corpus, foi alegado que os fatos apurados envolvem desvio de verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) e, por isso, quem deveria julgar o caso seria a Justiça Federal. Desta forma, pediu que os atos praticados no processo originário fossem declarados nulos.
Ao manter a decisão liminar, no último dia 28, o ministro afirmou que a alegação de incompetência se revela plausível, “uma vez que prevalece na jurisprudência desta Corte Superior o entendimento no sentido de que é da competência da Justiça Federal processar e julgar crimes envolvendo recursos provenientes do Sistema Único de Saúde”.
Mas, como o mérito do HC impetrado pela defesa no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) ainda não foi julgado, o ministro deixou de analisar a questão.
“(...) considero ser prematuro proceder ao mencionado exame, em especial por ser desnecessário ao objetivo perseguido por meio do presente writ, que é a revogação da prisão cautelar. Dessa forma, visando evitar supressão de instância em matéria mais complexa, deixo de conhecer da alegação de incompetência, mesmo porque a documentação correspondente (integral) da ação penal não consta dos autos”.
Agora, caberá ao TJMT decidir se, de fato, a Justiça Estadual tinha o poder de decidir sobre a causa.
Entenda o caso
A operação foi desencadeada para investigar um suposto esquema instalado na Empresa Cuiabana de Saúde Pública (ECSP), de fraudes na aquisição de medicamentos.
Inicialmente, apurou-se que o prejuízo causado ao erário era de R$ 1 milhão, mas a denúncia do Ministério Público apontou que os danos chegam a R$ 3,2 milhões.
Conforme a inicial, a equipe que ficou à frente da intervenção, que chegou a ser instalada em dezembro passado na Secretaria Municipal de Saúde, identificou uma série de irregularidades na contratação da empresa Remocenter Remoções e Serviços Médicos Ltda com a Empresa Cuiabana de Saúde Pública, para o fornecimento dos medicamentos Midazolan e Propofol, em 2021.
Constatou-se que ao todo, foram pagos R$ 2.242.671,00 à empresa, sem que houvesse prévio processo licitatório ou instrução processual que motivasse a contratação emergencial. Chamou a atenção, inclusive, que o valor foi repassado à Remocenter antes mesmo da realização de empenho e liquidação.
A denúncia ainda relatou que a empresa seria de “fachada” e composta por sócios-laranjas, criada apenas para dar legalidade às fraudes apuradas. Isso porque a Remocenter não tem sede física, contatos telefônicos e nem autorização para venda de medicamentos juntos aos órgãos fiscalizadores. Inclusive, há suspeita de que os remédios sequer foram entregues à ECSP, uma vez que inexiste registro de entrada do produto no estoque da empresa.
O MPE afirmou que, ainda que se considerasse que os medicamentos tivessem sido entregues, os produtos foram comprados com valores superfaturados.
“Conforme já previamente assinalado em linhas volvidas, a empresa REMOCENTER se trata de uma empresa fantasma “que existe apenas no papel”, uma vez que não possui sede física e seus sócios são “laranjas”. Além disso, ainda que a compra direta e a empresa fossem verdadeiros, os valores das aquisições de produtos foram superfaturados, o que corrobora a tese de fraude”.
“Nessa toada, as diligências que se seguiram revelaram a existência e o efetivo funcionamento de uma associação criminosa instalada no âmbito da Empresa Cuiabana de Saúde Pública – ECSP com a finalidade precípua de desviar recursos públicos da saúde do Município de Cuiabá/MT, mediante falsas aquisições de medicamentos superfaturados e sem a devida comprovação de recebimento da mercadoria, causando um prejuízo de pelo menos R$ 3.242.751,00 (três milhões, duzentos e quarenta e dois mil, setecentos e cinquenta e um reais), caracterizando a prática do crime de peculato (art. 312, Código Penal)”, completou o promotor.
O órgão pediu, além da condenação dos acusados pelos crimes praticados, o pagamento de mais de R$ 3,2 milhões como forma de reparar os cofres públicos.
A denúncia foi aceita e se tornaram réus, além de Célio: o diretor administrativo financeiro da Empresa Cuiabana de Saúde Pública (ECSP), Eduardo Pereira Vasconcelos (atualmente afastado por decisão judicial); o proprietário da empresa Remocenter, Maurício Miranda de Mello; os ex-sócios da Remocenter Mônica Cristina Miranda dos Santos, João Bosco da Silva e Gilmar Furtunato; a administradora de Planejamento e Finanças da ECSP, Nadir Ferreira Soares Camargo da Silva (também afastada por ordem judicial) e os servidores da Central de Abastecimento da Farmácia da Empresa Cuiabana Raquell Proença Arantes, Jussiane Beatriz Perotto, João Batista de Deus Júnior e João Victor Silva.
VEJA ABAIXO A DECISÃO DO MINISTRO: