Lucielly Melo
O desembargador Rui Ramos, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), não viu nenhum abuso de poder e decidiu por manter o “lockdown” (fechamento total do comércio) decretado em Cuiabá.
A decisão foi deferida nesta quinta-feira (25), onde negou o agravo de instrumento ingressado pela Prefeitura Municipal, que tentou suspender a quarentena obrigatória que iniciou hoje.
No recurso, a prefeitura sustentou que cabe ao Poder Executivo e não ao Judiciário, a decisão de quais medidas a serem adotadas para barrar a disseminação do novo coronavírus (Covid-19).
No agravo, o Município ainda alegou que o juiz José Leite Lindote, da Vara Especializada da Saúde Pública de Mato Grosso, agiu de forma indevida e sem estudo técnico ao obrigar a instalação do lockdown, que é uma medida mais rígida de isolamento social e que pode causar mais prejuízos à população cuiabana, do que a própria pandemia.
Além disso, citou que os leitos de UTI da Capital são ocupados por moradores do interior do Estado. Sendo assim, a quarentena deveria ser imposta em todo o território mato-grossense, não só na Capital e em Várzea Grande (onde também iniciou o lockdown).
Ao pedir a derrubada da decisão, a prefeitura requereu, ainda, a suspensão da multa diária de R$ 100 mil.
Assim que analisou o caso, o desembargador concordou que cabe ao executivo municipal legislar sobre a proteção à saúde de sua população, conforme recente tese do Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, o Judiciário deve evitar eventuais abusos.
“Ainda que pudesse visualizar com a predominância da doutrina e da jurisprudência na interpretação dos princípios relativos às competências de poderes instituídos ou ainda se elencar lições de que o Poder Judiciário não pode ser discricionário para substituir o discricionarismo do administrador, invadindo opções administrativas ou mesmo substituir critérios técnicos que foram aplicados e avaliados pelo Executivo por outros de cunho oriundos de crença de valoração, igualmente sem embasamento empírico. De se realçar que cabe ao Judiciário basicamente proclamar nulidades e coibir abusos”.
Rui Ramos lembrou que tanto a Organização Mundial da Saúde quanto o Ministério da Saúde recomendam o isolamento social como a única medida de prevenção adotada no momento.
Na decisão, o magistrado destacou a situação precária no Sistema Único de Saúde (SUS), com a falta de leitos de UTIs, principalmente na Capital. E essa situação se agrava ainda mais, de acordo com o desembargador, com a postura irresponsável da própria população, que não respeita a orientação de distanciamento social.
“Devemos ter em mira que o consenso no combate à COVID-19 é imprescindível, assim como uma coordenação técnica, inclusive, sob pena de não se resguardar o acolhimento daqueles que estão em situações mais vulneráveis ou de risco iminente à sua saúde e “as idas e vindas” que são apresentadas ao longo das semanas formulam aos mais incautos a ideia de que “está tudo resolvido”, de que não se faz necessário evitar-se aglomerações, reuniões de família, amigos ou de grupos, ou dispensar-se o uso da máscara quando vai se fazer uma caminhada (que deveria ser sempre individual ou com distância suficiente entre as pessoas), e assim por diante, na falsa e perigosa impressão de que tudo não passa de uma “gripezinha” e por isso mesmo, não se convencem nem se condicionam às excepcionais exigências desse trágico momento de vida social”, pontuou Rui Ramos.
“Os casos mostram que nem sempre a essência das medidas tomadas pelo Poder Executivo seja inapta à efetividade buscada. Como assim me parece, na atualidade é a própria fiscalização oficial e a enorme falta de conscientização da população a proporcionarem não uma involução, mas uma evolução de transmissão de contágio e aumento dos óbitos, que como se disse em momento antes, por mais que houvesse dinheiro, seria sempre insuficiente, pois o “milagre” está exatamente na disciplina que todos devemos ter para superarmos esse período de pandemia, e não ficar-se esperando que alguém terreno ou extraterreno venha aqui salvar a todos com uma “varinha mágica”, completou.
Sendo assim, o magistrado decidiu por negar a liminar.
“Assim concluo que o presente agravo de instrumento, sempre sob a ótica de insofismável ilegalidade ou de insuficiência de medidas oriundas de decretos, não revelou teratologia ou manifesto absoluto abuso de poder oriundos de seu prolator ao determinar medidas consoante os termos do Decreto Estadual nº 522/2020 (alterado pelo Decreto Estadual nº 532, de 24 de junho de 2020)”, decidiu.
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