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26 de Abril de 2024

Entrevista da Semana Segunda-feira, 30 de Julho de 2018, 11:14 - A | A

30 de Julho de 2018, 11h:14 - A | A

Entrevista da Semana / ÁREAS EM RISCO

TAC é muito mais célere para restaurar um ambiente degradado do que uma ação civil pública, afirma promotor de justiça

O promotor de justiça Gerson Barbosa afirmou que há estudos que comprovam que os prejuízos causados no meio ambiente podem gerar uma crise hídrica para a população cuiabana

Lucielly Melo e Antonielle Costa



Uma cidade que está em desenvolvimento urbano pode gerar sérios problemas ao meio ambiente. Um deles, é a invasão feita em Áreas de Preservação Permanente (APPs), ocasionada pela falta de políticas públicas que deveria ser aplicada pelo Poder Público.

Em entrevista ao Ponto na Curva, o promotor de justiça Gerson Barbosa, que atua na 17ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural de Cuiabá, explicou que essas invasões têm degradado o ambiente com certa rapidez.

Ele citou casos em que nascentes situadas no entorno da Capital estão sendo prejudicas por omissão do próprio Poder Público, que, muitas vezes, autorizam empresas a construírem empreendimentos em locais proibidos. Segundo ele, este problema, e entre outros, pode trazer um dano muito maior: a crise hídrica.

Para a solução desses prejuízos ambientais, o promotor esclareceu que há o projeto Água Para o Futuro do Ministério Público Estadual, que atua para impedir os danos causados e conscientizar a população cuiabana para a preservação das áreas verdes.

Outra medida que tem o intuito de reverter essas situações é o Termo de Ajustamento de Conduta, firmado entre o MP e os investigados, para garantir a restauração da área degradada.

Veja a entrevista na íntegra:

Ponto na Curva: Como é a atuação da promotoria?

Gerson Barbosa: Tudo o que envolve ordem urbanística, como áreas verdes e patrimônio cultural e tudo o que diz respeito ao patrimônio cultural é da 17ª Promotoria e da 29ª Promotoria, que são duas promotorias do ambiente urbano. Elas funcionam somente em Cuiabá. Em outras comarcas são outras promotorias que atuam.

Ponto na Curva: Como se dá a atuação do MPE a partir de uma denúncia de dano ambiental? 

Gerson Barbosa: A sustentabilidade ambiental, no que concerne ao meio ambiente urbano, ela está muito ligada ao uso e ocupação do solo. Em Cuiabá nós temos sérios problemas disso, não só aqui, mas todas as cidades que estão em crescimento tem esses problemas e em Cuiabá não é diferente. Aqui tem um problema maior ainda, que são as invasões de Áreas de Preservação Permanentes (APPs), aterramento de nascentes e tudo isso traz sérios problemas ambientes, como a diminuição na qualidade de vida. E nossa atuação é identificar o problema por denúncia ou por ofício. Geralmente ocorre uma reclamação e instauramos um procedimento investigatório. O primeiro passo é chamar para audiência com o órgão público e o investigado degradador. Muitas vezes o degradador é o próprio órgão público, o Município ou o Estado, tentar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e quando não sendo possível, entrar com ação civil pública. Nas hipóteses que não se configura a degradação, obviamente o ocorre arquivamento do processo. Então a atuação, juridicamente falando, seria essa: instaura-se procedimento investigatório com normativas e, ao final, um Termo de Ajustamento de Conduta, buscando a reparação do dano, ou uma ação civil pública.

Ponto na Curva: O Ministério Público emite a notificação recomendatória a partir de uma investigação?

Gerson Barbosa: Sim. Por exemplo, na 17ª Promotoria está sendo executado o projeto Água Para o Futuro que busca evitar uma crise hídrica em Cuiabá. Muitas vezes deparamos com ações ou omissões do Município que engendram degradação dos mananciais ou outras degradações de bem do uso comum público. E nessas hipóteses podemos expedir notificações recomendatórias, como a lei nos permite.

Ponto na Curva: Essas notificações tem sido atendidas? Na prática, isso tem efeito? O senhor tem tido alguma resposta para diminuir esse problema?

Gerson Barbosa: Tem sim. Citando o projeto Água Para o Futuro, temos uma base de dados em que nós damos uma senha para Smades [Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano]. Nosso acesso direto com a Smades é o secretário-adjunto Danilo Zanetti e ele tem sido muito atuante, nós temos tido sim alguns avanços. Mas, em geral, o problema está na continuidade da administração e as vezes não observa isso, em um Termo de Ajustamento de Conduta. Uma notificação que ocorreu em uma outra gestão e isso aplica no Município e há esse problema do Município, vamos dizer assim uma "ineficiência", que às vezes nem sabe onde está a notificação e se ela ainda está em vigor, o que deve ser observado. Mas, temos tido avanços, cito novamente o projeto Água Para o Futuro. Confirmamos algumas nascentes e se tornando público enviamos notificação para que o Município se abstenha de liberar autorizações ou licenças para aquela área que implicaria na degradação da nascente e tem sido atendida. Agora o maior problema de Cuiabá são as invasões, que isso não depende em parte só do Município. Temos um TAC nesse sentido, ou seja, exercício do dever de polícia, não é um querer, é uma obrigação, o exercício está vinculado à atividade do Município, isso significa que ele tem que ser mais atuante com relação à invasões. As invasões causam sérios problemas. Elas podem gerar crise hídrica, enchentes, porque as pessoas ocupam áreas que não podem ser ocupadas, como beira de córrego – onde há risco para elas mesmo –, impermeabilizam essa área, geram enchentes, problemas de abastecimento. Nessas situações temos TAC e notificações que obrigam a ação do Município, ou seja, impedir as invasões, e se forem invadidas ou que não deu para impedir, identificar os invasores e retirá-los. Lamentavelmente, alguns administradores contam com o tempo, ou seja, deixam as coisas como estão para que o tempo venha corroborar aquela invasão, consolidar, só que agora existe uma decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] que impede isso. Se existe um dano ambiental, não importa o tempo, lá não pode ser convalidada.

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Ponto na Curva: Essa omissão por parte do Município poderia dizer que agrava ainda mais o problema?

Gerson Barbosa: Eu diria que o Município deveria ser mais eficiente. Há um problema de habitação, que deve ser resolvido de outra forma, com habitações populares, direito ao lar, a moradia, com políticas públicas e não fomentando invasões. Quando o Poder Público é ineficiente, é omisso, de certa forma ele está fomentando as invasões e isso traz sérios prejuízos de sustentabilidade ambiental. Na verdade, se espera uma maior eficiência por parte do município com relação a esse e outros problemas como invasão de uma área que deveria ser uma praça, uma área verde onde está impermeabilizando, está retirando a vegetação, tudo isso vai propiciar enchente, vai impedir a recarga e descarta do aquífero, vai atrapalhar o sistema superficial e o abastecimento.

Ponto na Curva: Às vezes o Município acaba liberando obras ou empreendimento em áreas que são proibidas. Após a liberação, acaba chegando essa informação ao MPE e o órgão toma providências. Não existe nenhuma comunicação para evitar essa liberação de obra antes da área ser prejudicada?

Gerson Barbosa: O Município não é obrigado a comunicar as liberações. O Ministério Público não é onipresente, quando toma ciência do problema, ele adota as providências. Existem muitas situações que não chegam ao Ministério Público e quando chegam ao conhecimento o fato já está consolidado, mas a situação consolidada não impede a atuação. Existe decisão judicial nesse sentido que mesmo que já tenha ocorrido o dano, podem ser adotadas as providências cabíveis. Isso é lamentável. Esperamos que haja maior atuação do Município e também que as empresas sejam conscientes, tenham responsabilidade socioambiental, que evitem esses danos que podem prejudicar as presentes e futuras gerações.

O Ministério Público não é onipresente, quando toma ciência do problema, ele adota as providências. Existem muitas situações que não chegam ao Ministério Público e quando chegam ao conhecimento o fato já está consolidado, mas a situação consolidada não impede a atuação.

Ponto na Curva: O projeto Água Para o Futuro surgiu da questão da crise hídrica e que se não tomar providências com as nascentes pode faltar água. Como foi elaborado esse projeto? Como chegou à essa conclusão?

Gerson Barbosa: Nós temos exemplos no próprio Brasil e no mundo que não podem ser seguidos, mas infelizmente isso não acontece. O ser humano é muito imediatista e materialista e falta essa preocupação. Cito São Paulo, que em determinado momento houve um grande crescimento urbano e hoje depende de água da chuva porque destruiu os mananciais, a água que abastecia e olha que tinha muito, tinha muito manancial. Eles entubaram, enterraram e canalizaram mais de 1.500 km de córregos e rios, destruíram, degradaram ou aterraram mais de 2 mil nascentes. Resultado de São Paulo é que precisa de lagos para abastecimento e esses lagos dependem de água de chuva. Em Cuiabá, o abastecimento é feito pelo sistema superficial, as nascentes que formam os córregos, que vão para rios e a água é tratada. Aqui pode ficar muito tempo sem chuva que não vai causar problema. Entretanto, estudos recentes demonstram que essas invasões, restrições, aterramento de nascentes, entubamento, canalização de córregos podem, em pouco espaço, gerar um problema para o abastecimento. É um processo muito rápido, em São Paulo e Brasília ocorreu rapidamente. Brasília só tem 56 anos e já tem crise hídrica. Lá tinha córregos, rios e nascentes que foram destruídos. Esse processo de urbanização é terrível, é rápido e por isso que precisa da atuação do Poder Público.

O projeto Água Para o Futuro quer entrar nos lares cuiabanos para mostrar a consciência da necessidade de proteger os mananciais e nascentes. Já tem surtido efeitos. Recebemos donas de casa, advogados, vereadores, empresários, pessoas de todas as idades e classes sociais fazendo denúncias sobre nascentes que estão sendo aterradas e isso é bonito, a população está defendendo o que é dela. Uma nascente é um bem de todo o povo, ela é intocável, é sagrada, ela não pode ser degradada. Independentemente de onde ela se encontre ela, é um bem de uso público. Todos podem usar, se beneficiar, mas ninguém pode se apossar dela, assim como um praça, uma área verde, uma rua. Água Para o Futuro já conseguiu, de certa forma, trazer esse mínimo de consciência, mas precisa ser aumentado. São Paulo e Brasília não só perderam o sistema superficial e as nascentes, perderam a capacidade de abastecer com água potável, perderam a autoestima. Queremos mostrar que muitos córregos, rios e nascentes, que as pessoas utilizavam há pouco tempo, hoje estão aterrados. Esperamos que essas crianças e adolescentes venham trazer essa sensibilidade para dentro de seus lares.

Ponto na Curva: Existe um mapeamento dessas nascentes?

Gerson Barbosa: Temos confirmados 200 nascentes. Tem um mapa no site do projeto. Lá tem 180 nascentes, mas o número é alto e demora um pouco, pois tem relatório que é um trabalho cientifico, de confirmação e é demorado. A gente coloca lá [site] o que realmente é nascente confirmada, se há dúvida a gente não coloca. Temos 245 nascentes, mais do que o número que a gente confirmou, e nascentes que não podemos confirmar por degradação, que estão aterradas ou descaracterizada.

Ponto na Curva: Então existe um número maior do que o que se tem?

Gerson Barbosa: Sim, o quadro é terrível. Identificamos 180 ou 200 e fizemos a capacitação com um especialista em nascentes do Brasil. Pela hidrografia de Cuiabá, ele chegou a conclusão que deveria ter nessa área 500 nascentes. Isso quer dizer que 180 ou 200 é um terço das nascentes e as outras talvez podemos nem descobrir mais. Há uma grande perda manancial em Cuiabá, já podemos dizer que o estudo indica que isso pode trazer prejuízo no abastecimento é coerente.

Ponto na Curva: Com esses dados coletados, quando o MPE descobre que há obras que aterram essas nascentes, as notificações recomendatórias servem para que os trabalhos sejam prontamente abortados?

Gerson Barbosa: Sim, essa é a ideia. De todas essas nascentes confirmadas, notificamos o Município, embora não seja necessário porque eles tem acesso a nossa base de dados. O Município é parceiro em um convênio, tem acesso a nossa base de dados e sabe onde tem nascentes. E com esse acesso, já houve quatro oportunidades em que o Município impediu empreendimentos em áreas que tem nascentes. Independente disso, fazemos uma notificação geral. Já fizemos em relação a algumas mais urgentes, que estavam sendo degradadas por invasão. Mas, vamos fazer uma notificação geral de todas essas nascentes para que se abstenha de autorização.

Uma ação civil pública a gente não consegue os benefícios ao meio ambiente do que no TAC

Ponto na Curva: São feitos muitos TACs justamente para impedir e cessar o dano ou que aquela área seja reestabelecida. O TAC tem efeito? É demorado?

Gerson Barbosa: Exigimos no TAC o que se exigiria na ação civil pública. No TAC obviamente vigora a razoabilidade, o investigado também contribui para a elaboração do termo, às vezes ele pede mais prazo ou outra forma de cumprimento, mas o que busca é recuperação integral do dano. Na ação civil pública, o processo é interposto e vai ter que esperar essa decisão transitar em julgado. Tem ações civis públicas que tramitam há mais de 15 anos sem solução e sem sentença de primeira instância. Tem Termos de Ajustamento de Conduta que foram firmados seis meses depois de iniciado a investigação e seis meses depois ele foi totalmente cumprido. O TAC envolve a razoabilidade e, principalmente, é um acordo. É claro que o Ministério Público tem que exigir a reparação integral e pede o que pediria na ação civil pública. A vantagem do TAC é a celeridade. Já se tem o título executivo, se não for cumprido não vai precisar entrar com ação civil pública, só apenas executar o título na forma do Código Processo Civil.

Ponto na Curva: Quando ocorre a degradação ambiental, é possível recompor área após o cumprimento do TAC?

Gerson Barbosa: Sim, podemos, temos vários exemplos. A gente busca a reparação integral, inclusive com medidas compensatória pelo tempo perdido. Não temos um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Buscamos a reparação quando se trata de nascentes, controle de erosão, por exemplo. No TAC é possível conseguir melhores resultados do que na ação civil pública. São várias audiências, há concordância com o investigado, então fica mais fácil. No termo a pessoa se compromete a reparar o dano.

Ponto na Curva: É possível obter indenizações por dano coletivo?

Gerson Barbosa: Não, buscamos a reparação integral. Agora quando ocorre o dano irreversível ou de difícil reparação, transforma-se em medida compensatória ou indenização. A medida compensatória é um valor depositado para o fundo do meio ambiente ou para reparar um outra área degradada. Existem várias medidas compensatórias que também são estipuladas conforme a possibilidade do investigado e cada caso é um caso. Buscamos o melhor para o meio ambiente, mas não existe uma fórmula para isso.

Ponto na Curva: Essa medida compensatória ou recolhimento para o fundo vai para os cofres públicos? Cabe ao Estado ou ao Município a aplicação ou MPE também atua na aplicação desses recursos?

Gerson Barbosa: Quando vai para o fundo, às vezes ocorre por exemplo para recuperar uma nascente. Na Morada do Ouro, por exemplo, houve uma verba para recuperar aquela área verde e a nascente. Nesse caso, o Ministério Público já fixa. Quando vai para o fundo municipal, aquele conselho do fundo é que vai dizer como vai ser aplicada aquela verba.

Ponto na Curva: Essa atuação do MPE gera algumas críticas, como ocorreu para a liberação do Complexo da Salgadeira, devido ao tempo. O que o senhor diria à isso?

Gerson Barbosa: Existem críticas de várias fontes e isso é natural, temos que conviver. Temos que ter a consciência de que estamos fazendo o melhor. Não acertamos sempre, às vezes erramos, o ser humano é passível de erro. Nós da 17ª Promotoria temos o apoio técnico, buscamos sempre acertar e o nosso trabalho tem demonstrado que na maioria das vezes acertamos. Mesmo acertando, tem críticas de pessoas desinformadas, algumas vinculadas a determinados grupos. O importante é o geral, temos a concepção que tem se acertado muito, temos trazido benefícios ambientais a Cuiabá. Recentemente, por exemplo, quando foi expedida notificação recomendatória naquela área do Tijuco Preto, que tem 19 nascentes, houve aquela parte das pessoas que dizem "O que importa as nascentes, está impedindo um empreendimento". Primeiro que o MPE não impede um empreendimento. Um empreendimento que agride o meio ambiente já está impedido por lei, não pelo Ministério Público. Segundo que, nesse caso, os empresários eles compareceram na audiência e se comprometeram fazer pequenas modificações no projeto, melhorar o projeto sem agredir o meio ambiente. Eles agradeceram a contribuição do Ministério Público, demonstraram a responsabilidade socioambiental de quererem fazer um projeto para não agredir o meio ambiente. Ao contrário das críticas de alguns, os próprios empresários entenderam que a participação do MPE só contribuiu para um melhor projeto para eles. As críticas vão existir sempre, mas isso não impede nossos trabalhos e não tira a consciência de que esses trabalhos, no âmbito geral, estão sendo muito bom para Cuiabá.