facebook instagram
Cuiabá, 26 de Abril de 2024
logo
26 de Abril de 2024

Entrevista da Semana Segunda-feira, 09 de Outubro de 2017, 15:25 - A | A

09 de Outubro de 2017, 15h:25 - A | A

Entrevista da Semana / GRAVAÇÃO TELEFÔNICA

“Prova obtida por meio ilícito não tem valor jurídico no âmbito processual-criminal”, entende criminalista

Na entrevista, Bitencourt, que é doutor em Direito Penal e procurador de justiça aposentado, criticou o material feito pelo empresário Joesley Batista, que gravou diálogo com o presidente da República, Michel Temer, de forma ilícita

Antonielle Costa



Prova obtida por meio ilícito não tem valor jurídico no âmbito processual-criminal.

Esse é o entendimento do advogado criminalista, Cezar Roberto Bitencourt, que falou com exclusividade com o Ponto na Curva, sobre a obtenção de prova quando gravada de forma clandestina.

Na entrevista, Bitencourt, que é doutor em Direito Penal e procurador de justiça aposentado, criticou a gravação feita pelo empresário Joesley Batista, que gravou diálogo do presidente da República, Michel Temer, de forma ilícita.

Ele ainda discursou sobre a validade de gravação ambiental clandestina e da nulidade do material obtido indevidamente.

Veja a entrevista abaixo na íntegra:

Ponto na Curva: A gravação de um diálogo, por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, é legal? Esse tipo de gravação pode ser considerado como um meio lícito de obtenção de prova?

Cezar Roberto Bitencourt: Depende das circunstâncias. O Supremo Tribunal Federal admitiu, em várias oportunidades, como válida a gravação da conversa por um dos interlocutores, mesmo que o outro a desconheça, desde que o faça para defender-se, como, por exemplo, alguém está sendo chantageado ou extorquido, por alguma razão, pelo seu interlocutor. Em circunstâncias como essas a gravação é lícita e idônea para provar a conduta extorsiva do seu interlocutor. Contudo, não é válida a gravação quando, por exemplo, um dos interlocutores procura incriminar o outro, induzindo-o a prática de crime ou a confessar que praticou algum, ou a admitir qualquer coisa que o incrimine. Na verdade, tomando um caso concreto, como ocorreu na hipótese em que o empresário-delator Joesley Batista gravou o Presidente Michel Temer, com a intenção de incriminá-lo e usar referida gravação contra o interlocutor gravado. Nessa hipótese há a ilegalidade da prova produzida e a violação de algumas garantias fundamentais contidas no art. 5º da Constituição Federal, como, por exemplo: primeiro, a utilização de meios ilícitos para a produção ou obtenção de provas criminais (art. 5º, inciso LVI). Trata-se, portanto, de nulidade absoluta, significando que não pode ser validada em nenhuma fase do processo, sendo imprestável para comprovar culpa de ninguém; segundo, o interlocutor não foi avisado que podia manter-se em silêncio (inciso LXIII) e foi obrigado, por desconhecer as circunstâncias, a produzir prova contra si mesmo. Enfim, a violação de duas garantais fundamentais do cidadão tornam essa prova imprestável, por sua inconstitucionalidade.

Ponto na Curva: Havendo autorização, por uma das partes, a gravação de conversa ambiental pode ser considerada como prova válida?

Cezar Roberto Bitencourt: Para autodefesa o interlocutor pode gravar o outro, como afirmamos, independentemente de prévia autorização judicial. Em qualquer outra situação, a autorização judicial será, em tese válida, comprovando sua legitimidade. Diz-se válida, em tese, por que, a posteriori, isto é, no curso do processo ou da investigação, dependendo das circunstâncias, a defesa de quem foi gravado, mesmo com autorização judicial, poderá demonstrar que houve irregularidade, que não caberia a autorização judicial ou, quem sabe, o próprio magistrado que a autorizou pode ter sido induzido a erro, ou poderia existir circunstância impeditiva que o magistrado desconhecia, ou, quiçá, a autorização ou prorrogação da autorização judicial não foi devidamente fundamentada como exige a lei etc. São exemplos que, se ocorrerem, invalidam a prova. 

Cezar Roberto Bitencourt.jpg

 

Ponto na Curva: Qual a sua opinião sobre a validade ou invalidade da gravação da conversa do presidente Michel Temer por Joesley Batista?

Cezar Roberto Bitencourt: Em primeiro lugar, na nossa avaliação, a gravação do Joesley Batista não comprova e nem demonstra que houve sequer tentativa de Michel Temer de “obstruir justiça”, não passando de mera ilação forçada do procurador-geral. Na verdade, essa agravação, na nossa concepção, não passa de uma “armação”, uma espécie de flagrante preparado contra o presidente da República, que é proibido pela Súmula 145 do STF. Referido delator usou essa armação para negociar sua delação com o procurador-geral que exigiu algo maior para aceitar a delação de Joesley. Mas isso ainda é objeto de instrução processual, quando as coisas ficarão mais claras. Hoje já se sabe que houve grave indevida participação do Ministério Público nessa gravação, aliás, os próprios delatores afirmaram que referida gravação foi “uma tarefa” exigida pelo Procurador da República, Marcelo Miller. Na nossa opinião, essa gravação de Temer é absolutamente imprestável como prova em matéria criminal, pelos fundamentos acima expostos, devendo, portanto, ser extraída dos autos.

Ponto na Curva: É possível gravação ambiental clandestina como prova de acusação e obtenção de condenação?

Cezar Roberto Bitencourt: Não será possível gravação clandestina por que a Constituição Federal e o Código de Processo Penal proíbem essa prática, por que configura, naturalmente, prova ilícita e obtida por meio ilícito; logo, gravação ambiental clandestina resulta imprestável quer para fundamentar uma acusação oficial do Ministério Público, quer para embasar uma sentença penal condenatória. Quando eventualmente ocorrer algo parecido, na primeira instância (juízo local), normalmente, não passará pelo crivo dos tribunais, por isso, a necessidade do duplo grau de jurisdição, onde um colegiado de magistrados mais experientes e não envolvidos com o calor dos fatos e da instrução criminal, podem examinar com maior serenidade e desapaixonadamente os processos que lhes chegam às mãos.

Os tribunais precisam ser mais duros no exame da obtenção de provas por meios ilícitos, pois, na verdade, as autoridades persecutórias sabem que usam de meios ilícitos e afrontam a lei e a Constituição, mas se sentem acima de tudo e da própria Constituição

Ponto na Curva: Que "lições" se pode tirar desses casos recentes envolvendo gravações clandestinas de conversas de políticos?

Cezar Roberto Bitencourt: Duas lições podem ser tiradas: a primeira é que apesar da existência de leis normatizando a produção de prova, mesmo assim, as autoridades persecutórias lançam mão, por vezes, de meios proibidos, isto é, ilícitos nas investigações, na ânsia de conseguir demonstrar o envolvimento ou a culpa de alguém, especialmente quando se trata de pessoas destacadas na sociedade, capazes, por si só, de gerar grande repercussão na mídia, como vem ocorrendo nos últimos tempos neste país. Nesse sentido, os tribunais precisam ser mais duros no exame da obtenção de provas por meios ilícitos, pois, na verdade, as autoridades persecutórias sabem que usam de meios ilícitos e afrontam a lei e a Constituição, mas se sentem acima de tudo e da própria Constituição. A segunda lição é a necessidade do respeito ao que dispõe a Constituição Federal e a legislação ordinária que estabelecem os limites e a validade dos meios probatórios, bem como sua forma de obtenção da prova, lembrando, sempre que a última palavra é do STF, que também pode errar, eventualmente, por que ninguém é divindade. Mas, assim, pelo menos, observa-se o devido processo legal e assegura-se um mínimo de tratamento paritário das partes.

Ponto na Curva: Ocorre a nulidade da prova quando obtida de forma ilegal?

Cezar Roberto Bitencourt: Na hipótese de gravação clandestina ou ilegal, isto é, sem a devida autorização judicial e quando não seja de interlocutor para se defender, o mais grave nem é a produção de prova ilícita, que, por si só, já a torna imprestável, mas a violação do direito ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo. São duas garantias constitucionais fundamentais e que, normalmente, nem são lembradas pelos especialistas e pelos próprios defensores. Tratam-se de garantias sagradas da defesa de qualquer cidadão que podem ser violadas e, principalmente, quando ocorre tais violações, não podem ser ignoradas pelos julgadores, os quais devem anular as provas obtidas dessa forma, bem como anular as provas delas derivadas, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada. Ou seja, toda a prova derivada de determinada prova considerada nula ou ilícita também é nula, por que origina-se de nulidade reconhecida, devendo todas serem retiradas dos autos processuais. Na realidade, essa forma de produção ilícita de prova, violando direito ao silêncio e o direito de não produzir prova contra si mesmo, não pode ser usada nem para fundamentar uma denúncia e muito menos para embasar uma condenação de alguém, pois toda e qualquer prova obtida por meio ilícito não tem valor jurídico no âmbito processual-criminal. Enfim, ficando no caso concreto da gravação de Temer, deve ser considerada nula a gravação feita por Joesley, ainda que aquele tivesse admitido a prática de algum crime, o que, na nossa visão, não ocorreu. Com efeito, a gravação clandestina, armada e planejada para produzir prova para incriminar, e ainda com a colaboração de um procurador da República, como ocorreu, violou além da proibição legal da própria gravação clandestina, para incriminar, infringiu também, repetindo, os direitos constitucionais ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo.