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Opinião Quarta-feira, 29 de Abril de 2020, 09:40 - A | A

29 de Abril de 2020, 09h:40 - A | A

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Renegociação: não demore!

Os dias passam, as perdas se acumulam, os custos permanecem e as despesas vão corroendo implacavelmente o patrimônio – às vezes fruto de uma vida inteira



O conceito de mundo “VUCA” – acrônimo em inglês para as características de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade que o permeiam – tornou-se “carne de vaca” na administração e nos negócios, especialmente após a crise de 2008. O adensamento progressivo de informações e dados, bem como a potencialização dos meios de reuni-los e processá-los (inteligência artificial, big data, bussines intelligence, etc), apesar de enormes auxílios preditivos, ainda não são capazes de fazer frente ao desfavor do tempo na tomada de decisões.

Põe-se a antítese: devemos escolher hoje, com uma fração ínfima das informações necessárias para bem fazê-lo e, ainda assim, depender de tê-lo feito para, na prova do tempo, ganhar o conhecimento essencial à própria decisão. Quantas vezes não pensamos “ah, se eu soubesse disso naquela época!”?

É nesse contexto que se coloca a crise trazida pela COVID-19. Os dias passam, as perdas se acumulam, os custos permanecem e as despesas vão corroendo implacavelmente o patrimônio – às vezes fruto de uma vida inteira. A armadilha está posta quando parte visível do cenário disfarça essa realidade.

É bem possível que todo empresário brasileiro com acesso à internet tenha encontrado, nas últimas semanas, algum escrito jornalístico ou especializado sobre contratos, onerosidade excessiva, teoria da imprevisão e força maior. Muito poucos não devem ter lido o artigo 317 ou o conteúdo da Seção IV do Capítulo II do Título V do Livro I da Parte Especial do Código Civil (Lei 10.406/02), reproduzidos, no todo ou em parte, em vários materiais:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Da Resolução por Onerosidade Excessiva

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

As disposições legais acima, apresentadas por vezes como tábuas de salvação para atividades econômicas colapsadas, realmente permitem, verificada alteração no sinalagma dos contratos, a busca por reequilíbrio das prestações (caso possível) ou por resolução contratual. A mesma coisa acontece, no caso específico dos aluguéis, observados o artigo 567 do CC/02 e o artigo 19 da Lei de Locações (8.245/91).

A questão para a qual chamamos a atenção neste momento, porém, é aquela colocada ao final do artigo 478: “Os efeitos da sentença [...] retroagirão à data da citação”.

O tempo novamente se impõe como fator de decisão, acumulando incerteza no momento presente e exigindo assertividade de gestores e empresários.

Inescapável pontuar que, em meio à pandemia, todos os contratantes são vítimas da cessação das atividades econômicas. Desequilibradas as avenças, aqueles que tiveram em tais alterações fontes de prejuízo devem estar atentos para o momento de agir. Não é possível aguardar termos mais certezas, pois as dívidas contraídas agora não serão obrigatoriamente revistas no futuro.

Em palavras mais diretas: se você é parte de um contrato – uma locação comercial, por exemplo – e passa a receber uma prestação diferente daquela que esperava – loja em um shopping fechado, imóvel de rua que não pode abrir as portas –, o tempo de alterar sua contraprestação (pagamento) é agora. Sem um bom acordo escrito ou uma decisão judicial que permita modificar os termos do contrato, as parcelas continuarão a vencer tais como postas até hoje.

Promessas, infelizmente, não são garantias. Mesmo que que alguns administradores de centros comerciais hajam suspendido a emissão de boletos, essa simples atitude não importará na inexigibilidade automática das parcelas vencidas e que se vencerão. Dados os limites temporais das decisões judiciais, quem não agir neste momento perderá a chance de rediscutir cláusulas e readequar débitos.

Victor Ribeiro da Silva Maia Teixeira é gestor do Zoroastro C. Teixeira Advogados Associados. Advogado formado pela Universidade Federal Fluminense. Especialista em direito processual civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso e em direito do trabalho pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 23a Região. Especializando em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e graduando em contabilidade pela Universidade Federal de Mato Grosso.