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Opinião Sexta-feira, 31 de Julho de 2020, 14:32 - A | A

31 de Julho de 2020, 14h:32 - A | A

Opinião /

Os impactos da pandemia na gestão pública e os efeitos práticos da LC 173/2020

Embora a LC 173 tenha instituído o programa federativo de enfrentamento ao Coronavírus, os recursos do auxílio não são para aplicação única em ações de enfrentamento à Covid-19



O Brasil esta enfrentando o evento mais dramático, de escala mundial, a Pandemia da COVID-19, Novo Coronavírus. Em meio a todo drama jamais vivenciado pela humanidade nas ultimas décadas, principalmente pelo risco real de morte que o vírus vem causando e a propagação em escalas estratosféricas de multiplicação diária, o reflexo da Pandemia vem causando preocupações aos gestores públicos.

Ocorre que compete aos gestores públicos administrar e prover todas as ações inerentes ao interesse público, na busca do bem comum, administrar o conjunto de organismos e pessoas dedicadas formal e oficialmente à gestão pública.

Nesse contexto, inegável que a Pandemia, além da vida de todo cidadão e da sociedade, tem afetado diretamente o Poder Público, em razão da drástica redução na arrecadação, fonte de renda do Estado para posterior reversão em benefícios a população.

Para mitigar os impactos da Pandemia na Gestão Pública, o Congresso aprovou e recentemente foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Complementar n. 173, de 27 de maio de 2020 que instituiu o “Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus”. 

Referida Lei além de promover algumas alterações na Lei de responsabilidade fiscal, instituiu um pacote de ajuda financeira, viabilizando auxílios bilionários por parte da União aos Estados e Municípios. Embora a lei tenha efetivado o socorro financeiro, por outro lado determinou uma imposição proibicionista, com suspensão de concursos públicos para novos cargos, bem como proibição de aumentos da remuneração, vantagens e direitos inerentes aos servidores públicos.

Os efeitos práticos da LC 173 são temporários, eis que o próprio art. 1º expressamente dispõe que o programa federativo de Enfrentamento ao coronavirus é exclusivo para o exercício de 2020. Assim, o auxílio financeiro será repassado ao longo do presente exercício e em relação a proibição de assunção de novos gastos e aumento de despesas, a vigência é ate 31 de dezembro de 2021. Logo, os efeitos da LC 173 são temporários.

Adiante, passaremos a discorrer, sem esvair o tema, sobre os efeitos fomentadores e proibitivos dispostos no Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, dando maior ênfase na seara municipalista.

Em relação ao aspecto fomentador, trata-se de auxilio financeiro repassado pela União aos Estados e municípios com a finalidade de mitigar as dificuldades financeiras impostas pela Pandemia ante a redução da receita tributária, possibilitando a continuidade da prestação dos serviços públicos e o funcionamento da máquina estatal. Nesse eito, como reflexo, houve flexibilização da Lei de Responsabilidade fiscal da seguinte forma:

a) dispensa aos entes federativos da limitação de empenho prevista no art. 9º, da Lei de Responsabilidade Fiscal;

b) dispensa ao governo federal do atingimento do déficit fiscal previsto para 124 bilhões de reais, tal como estabelecido na LDO 

Especificamente em relação a ajuda financeira que será repassada pela União ao longo do exercício financeiro de 2020, tem-se pela disposição contida no art. 5º da LC 173 que o auxílio corresponderá em 4 (quatro) parcelas mensais e iguais, o valor total será de R$ 60.000.000.000,00 (sessenta bilhões de reais) para aplicação, pelos Poderes Executivos locais, em ações de enfrentamento à Covid-19 e para mitigação de seus efeitos financeiros, da seguinte forma:

I – R$ 10.000.000.000,00 (dez bilhões de reais) para ações de saúde e assistência social, sendo:

a) R$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de reais) aos Estados e ao Distrito Federal; e

b) R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) aos Municípios;

II – R$ 50.000.000.000,00 (cinquenta bilhões de reais), da seguinte forma:

a) R$ 30.000.000.000,00 (trinta bilhões de reais) aos Estados e ao Distrito Federal;

b) R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais) aos Municípios;

A distribuição dos valores acima entre os Entes federativos será realizada em consonância com o anexo da LC 173/2020, sendo que dentre os critérios dessa divisão tem-se que para os Estados, a União levará em conta a incidência do COVID-19, conforme dados divulgados pelo Ministério da Saúde, e a população do respectivo Estado. Já para os Municípios haverá a divisão apenas com base na população, conforme dados do IBGE.

Em relação a utilização desses valores, a Lei Complementar disciplina que 10 bilhões de reais deverão ser utilizados especificamente em ações da saúde e assistência social, e na LC 173 não há imposições de como organizar e distribuir esse recurso nessas áreas, logo poderão ser destinados, inclusive, para o pagamento dos profissionais que atuam na Saúde e na Assistência Social.  Ou seja, o recurso será de livre execução desde que vinculadas a quaisquer ações de saúde e/ou assistência social, aplicados nas políticas do SUS e pelo SUAS. 

Já os 50 bilhões de reais restantes poderão ser utilizados LIVREMENTE pelos gestores, em quaisquer secretarias, inclusive para reforçar a Saúde e da Assistência Social.

Especificamente em relação aos municípios o socorro financeiro será na ordem de 23 bilhões de reais, sendo que 3 bilhões deverão ser utilizados especificamente com saúde e assistência social, e os 20 bilhões restantes do auxílio é de uso livre conforme a necessidade da gestão, podendo ser utilizado para QUALQUER finalidade.

O recurso será creditado pela União em 4 (quatro) parcelas, sendo que a primeira e a segunda já foram creditadas na conta dos municípios, os créditos serão realizados na conta do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Todavia, os municípios podem abrir uma conta específica para destinação de tais recursos, facilitando o gerenciamento e aplicação.

Quanto eventuais deduções, será descontado apenas 1% (um por cento) do PASEP. Em relação ao FUNDEB, uma vez que o repasse é um apoio financeiro e este não tem origem tributária, não incide sobre ele a dedução do Fundeb e não possuindo origem tributária, de igual forma, portanto, não incide sobre ele a dedução da Saúde.

Destaca-se que como o auxílio financeiro é uma receita não ordinária, tais valores não compõem aqueles definidos como receita pelo art. 29-A da CF para fins de cálculo do duodécimo, logo não comporão qualquer índice para aumento do duodécimo das Câmaras Municipais.

Em relação aos índices de aplicação da receita tributaria de 15% para Saúde e 25% para a educação, os valores repassados pelo auxilio financeiro NÃO entrarão nessa base de cálculo da saúde e da educação, contudo, uma vez que parcela significativa será de livre utilização, seria conveniente que os gestores aplicassem parte do recurso em ambas as áreas, eis que sempre são deficitárias nas administrações. Mas, não há obrigação para se atingir tais índices. 

Embora a LC 173 tenha instituído o programa federativo de enfrentamento ao Coronavírus, os recursos do auxílio não são para aplicação única em ações de enfrentamento à Covid-19, pois parte desse recurso (na verdade a maior parcela: 50 bilhões de reais) é para recomposição do orçamento, tendo em vista os efeitos financeiros da pandemia, que poderão ser usados livremente pelos gestores, ou seja, não estão vinculados às ações do combate a Pandemia.

Há de se destacar que os recursos poderão ser utilizados, inclusive para quitação de dívidas contraídas pelos Estados e Municípios até mesmo antes da Pandemia, devendo por ocasião do pagamento ser observado o processo de pagamento, eis que em alguns Estados, a exemplo de Mato Grosso, os Tribunais de Contas tem determinado a criação de mecanismos para controle e aplicação do recurso. 

Nesse sentido, o TCE/MT em Resolução Normativa estabeleceu procedimentos de contabilização, transparência e prestação de contas dos recursos recebidos e aplicados no enfrentamento ao novo coronavírus (COVID-19), inclusive criando fonte específica para alocar o detalhamento das ações de saúde nos municípios. Aos gestores compete a observação e o cumprimento da normativa.

Em resumo, em relação ao auxílio financeiro, tem-se que os municípios receberão 23 bilhões de reais, dos quais 3 bilhões deverão ser utilizados para ações de saúde e assistência social, enquanto que 20 bilhões serão de livre utilização dos gestores, em qualquer despesa, não vinculados às ações de combate a Pandemia, estes recursos poderão ser utilizados, inclusive para saldar débitos pretéritos à Pandemia e a edição da Lei, devendo os gestores atentarem-se para o procedimento de empenho, fonte etc.

Insta observar que os recursos não sofrerão nenhum desconto referente ao FUNDEB ou saúde, nem ficarão vinculados a atingimento de índices de 15% para Saúde e 25% para Educação, apenas sofrerá dedução de quase imperceptíveis 1% referente ao PASEP, em outras palavras, o recurso chegará praticamente limpo e puro e poderá ser destinado da forma que o gestor entender, ressalvada a vinculação da parte menor para a saúde e assistência Social.

Feitas as observações sobre o conteúdo ativo e fomentador da LC 173/2020 nas gestões públicas, mormente as municipais, importante balizar quanto ao conteúdo proibitivo existente em referida norma.

Ocorre que o art. 8º da LC 173 dispôs expressamente que enquanto durar a Calamidade Pública em decorrência da Pandemia da COVID-19, e pelo menos até 31 de dezembro de 2021, a União, os Estados, o Distrito Federal e OS MUNICÍPIOS afetados ficam PROIBIDOS de:

1) criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

2) alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;3) admitir ou contratar pessoal, sob qualquer título, salvo se essa admissão ou contratação não implicar aumento de despesa e for para:• repor um cargo de chefia;

• repor um cargo de direção;

• repor um cargo de assessoramento;

• repor vacância de cargo efetivo;

• repor vacância de cargo vitalício;

• contratação temporária prevista no art. 37, XI, CF;

• contratação temporária para serviço militar

• contratação de alunos de órgãos de formação de militares.

4) realizar concurso público, EXCETO para as reposições previstas acima, ou seja, reposição de vacância de cargos efetivos ou vitalícios, de modo que não poderá haver, assim, para novos cargos, mas apenas para aqueles que vagarem por aposentadoria, morte, promoção, etc.

5) Conceder, criar ou majorar auxílios e demais verbas para membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade.

6) criar despesas obrigatórias de caráter continuado, não se aplicando às medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração, bem como não se aplica em caso de prévia compensação mediante aumento de receita ou redução de despesa, na forma dos incisos do § 2º da LC 173/2020.

7) contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.

Dessa forma, embora a LC 173 tenha instituído o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus com auxílios financeiros aos Estados e Municípios, impôs também as proibições listadas acima, determinando o congelamento dos salários dos servidores públicos e qualquer aumento de despesas ao Poder Público até 31 de dezembro de 2021.

Especificamente em relação aos CONCURSOS PÚBLICOS, os órgãos da administração direta e indireta não poderão ampliar seu quadro de pessoal com o objetivo de impedir o aumento dos gastos com a folha de salários dos funcionários pública. Todavia, os concursos públicos NÃO estão totalmente proibidos, pois a LC 173/2020 dispõe de EXEÇÕES à regra, sendo possível a realização de concursos públicos para as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos.

Destaca-se que esta é a ÚNICA exceção. Ou seja, em relação a concursos para a área de saúde e segurança pública, estes também só poderão ser realizados para reposições decorrentes de vacância, não havendo que se falar realização de concurso para AMPLIAÇÃO de cargos para combate à Pandemia, pois a Lei não trouxe exceção nesse sentido.

Assim, a Lei determina que até o dia 31/12/2021 os Entes Federados estão impedidos de contratar pessoal a qualquer título, sendo que essa proibição conta com diversas ressalvas contidas na própria Lei Complementar, que tornam possível a contratação de funcionários públicos nas seguintes situações:  

• Para reposição decorrente de vacâncias: existindo cargos vagos, efetivos ou vitalícios, é possível a nomeação de servidor para ocupá-lo, repondo a vaga do servidor pretérito;  

• Para reposição de cargos de chefia, de direção e de assessoramento: desde que não acarretem aumento de despesa, é possível a nomeação de servidor para repor a vaga de cargo em comissão;  

• Contratação de alunos de órgãos de formação de militares: é possível a realização dos cursos para ingresso nas carreiras policiais ou das forças armadas; 

• Contratação temporária para atender a necessidade de excepcional interesse público: essa contratação é feita por meio de seleção pública e trata-se de uma demanda especial de órgãos públicos em casos de necessidade transitória de substituição de pessoal ou nos casos aumento extraordinário de serviços; 

• Contratação temporária para prestação de serviço militar: a Lei não impede o recrutamento de conscritos para serviço militar obrigatório. 

De qualquer forma, o debate sobre a aplicação da lei é polêmico, especialmente porque restringe direitos adquiridos dos servidores públicos. Como exemplo, destaco a vedação a concessão de qualquer vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão (art. 8º, inciso I), eis que a maioria dos diplomas legais que tratam de tais direitos e da progressão funcional de servidores públicos foram editados anteriormente à declaração de calamidade pública, o que importaria exatamente na exceção contida na parte final do citado Inciso I do art 8º da LC 173: “...exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública”.

Por este, entre outros, motivos é que a constitucionalidade da Lei Complementar 173/2020 está sendo discutida em diversas ações inconstitucionalidade, dentre as quais cito a ADI 6.447-DF. 

Claro como sol de estio é que muitos gestores públicos vêm manifestando uma série de dúvidas acerca da aplicação da legislação, principalmente porque a pretexto de impedir impacto nas despesas com pessoal, a lei suprime direitos adquiridos dos Servidores Públicos.

Todavia, enquanto não houver qualquer decisão pelo STF nas Ações de Inconstitucionalidades, a Lei Complementar 173/2020 deve ser estritamente cumprida pelos Gestores Públicos, proibindo-os de gerar qualquer aumento de despesa ao Órgão ou Ente Público.

Conclui-se, portanto, que a Lei Complementar possui um aspecto FOMENTADOR e um aspecto RESTRITIVO. 

No que pertine ao aspecto RESTRITIVO, o Art. 8º da LC 173/2020 disciplinou uma série de imposições proibitivas a fim de VEDAR AUMENTO DE DESPESAS nos entes Federativos, sendo possível a admissão e contratação de pessoal apenas para algumas ocasiões, entre elas a realização de concursos públicos para reposição de cargos efetivos em decorrência de vacância por aposentadoria, demissão, etc, e ainda: reposição de cargos de chefia, de direção e de assessoramento, contratação de alunos de órgãos de formação de militares, contratação temporária para atender a necessidade de excepcional interesse público e contratação temporária para prestação de serviço militar.

No que pertine ao âmbito fomentador aos municípios – o qual se gerou reclamações, estas foram por mais recursos - o auxílio financeiro na ordem dos 20 bilhões poderá ser utilizado pelos Prefeitos para ações de quaisquer Secretarias seja para combate a pandemia ou não. Já em relação aos 3 bilhões, esta parcela é vinculada a Secretaria de  Saúde e Secretaria de Assistência Social e o recurso deverá ser aplicado integralmente nestas pastas, mas de forma livre pelo gestor, inclusive quitando folha salarial, desde que obedecida a política do SUS e SUAS. 

Nesse ínterim, não há como deixar de comparar a diferença nos valores que efetivamente serão aplicados na saúde, o repasse deveria ser inverso, posto que a Pandemia causa reflexos exatamente na área da saúde a qual, pasmem, deverá dividir com a Assistência Social, míseros, 3 bilhões de reais. Absurdo!

De qualquer maneira, o Programa Federativo de Enfrentamento ao Cononavírus é bem-vindo aos cofres municipalistas que vem ao longo de décadas sofrendo queda de arrecadação, agora caberá ao Gestor Público ter uma visão estrategista e desenvolver ações de impacto frente a real necessidade dos cidadãos, mitigando o efeito avassalador que a Pandemia vem causando não só nas prefeituras, mas no cotidiano dos munícipes.

Por oportuno, ao Poder Legislativo compete estreitar as ações de fiscalização nos gastos desse recurso, fomentando normativas para acompanhamento, impondo transparência aos Prefeitos e, sobretudo, prestação de contas dos gastos, tendo em vista que Brasil já sofreu demais por corrupção ao longo de sua história e ninguém deseja que as obras e ações que virão a ser realizadas com os recursos desse auxílio financeiro aportado em decorrência da Pandemia, me perdoem o trocadilho, se transforme numa nova Copa do Mundo. 

Julio Cesar Moreira Silva Junior é Advogado, especialista em Direito Constitucional e em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, Assessor jurídico da UCMMAT – União das Câmaras Municipais de Mato Grosso e Professor universitário.