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Opinião Sexta-feira, 24 de Abril de 2020, 08:05 - A | A

24 de Abril de 2020, 08h:05 - A | A

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O que os advogados públicos têm feito na crise do coronavírus?

Não parece que são os advogados públicos meros burocratas despreocupados com a finalidade social de suas funções



Em tempos de crise, no qual um inimigo silencioso ataca a sociedade mundial, a mensagem de Churchill nos incentiva: “É inútil dizer ‘estamos a fazer o possível’. Precisamos fazer o que é necessário”.

Com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, foram adotadas algumas medidas restritivas de atividades econômicas e sociais no país. Somente algumas atividades, as definidas como essenciais, foram liberadas.

O Decreto nº 10.282/20, que regulamenta a Lei nº 13.979/20, definiu como essenciais as atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas.

De certo modo, parece redundante a Advocacia Pública ser mencionada neste dispositivo, quando a própria Constituição Federal elenca a instituição como essencial à justiça, nos seus artigos 131 e seguintes.

Inseridos entre um dos atores das funções essenciais à justiça, os advogados públicos são os consultores jurídicos e representantes judiciais dos entes da Federação. Significa dizer que são os advogados dos entes federados em todos os ramos e instâncias, extrajudicial e judicialmente.

Por meio da consultoria, normalmente preventiva, os advogados do Estado informam os melhores caminhos a serem seguidos pelos gestores e governantes para consecução de políticas públicas; post factum, também é viável a consultoria jurídica para orientar os tomadores de decisão a respeito de qual a solução jurídica mais correta, barata ou eficiente para o Estado.

Do ponto de vista judicial, exerce-se a advocacia propriamente dita, com vinculação à Ordem dos Advogados do Brasil e algumas prerrogativas processuais típicas de carreiras de Estado.

Os advogados públicos integram a Advocacia Geral da União, em âmbito federal, e as procuradorias estaduais e municipais, nos respectivos entes federativos, assim como as procuradorias legislativas e autárquicas, onde existem.

A Advocacia Pública resguarda o interesse público da sociedade, seja no âmbito judicial, elaborando as defesas dos entes públicos, seja no extrajudicial, auxiliando a Administração Pública na sua finalidade, por meio dos pareceres e do controle interno, evitando, por exemplo, a corrupção.

Mas como os advogados públicos podem ser essenciais no combate ao coronavírus? Não são eles aqueles burocratas que apenas dificultam o trabalho dos gestores, que ficam em seus gabinetes reproduzindo defesas aos montes em processos de massa?

A essencialidade da advocacia pública tem sido bastante clara em Mato Grosso. A Procuradoria-Geral do Estado arrecadou meio bilhão de reais para os cofres públicos em 2019, tendo um aumento de quase 50% em relação a 2018, quando arrecadou aproximadamente 267 milhões de reais para os cofres estaduais .

Tais dados corroboram a ideia de que a Advocacia Pública é uma instituição superavitária, ou seja, traz lucro para o respectivo ente público. O aumento na arrecadação decorre de uma atuação eficiente na cobrança da Dívida Ativa.

Isso, sem dúvida, tem contribuído para manter a saúde financeira do Estado, que, mesmo diante da crise, mantém-se pagando regularmente os salários de todos os servidores do Executivo.

No tocante à saúde pública e ao combate contra o coronavírus, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso viabilizou, por meio de pareceres jurídicos, a aquisição de ambulâncias, de leitos de unidade de terapia intensiva , de equipamentos de proteção individual , de 10.000 testes rápidos para a detecção do referido vírus .

Especificamente à COVID-19, os procuradores do Estado manifestaram-se em aquisições e contratos em valores que somam mais de 32 milhões de reais.

Além disso, a Procuradoria participou da elaboração do edital de licitação do novo Hospital Universitário Júlio Müller em 2019, a fim de viabilizar de forma célere o suporte jurídico necessário para a Administração Pública.

Também é importante mencionar que a instituição atua judicialmente combatendo pleitos e decisões desarrazoados, que não combinam com situações de normalidade, e, muito menos, com a pandemia que assola o mundo.

Os resultados das medidas de isolamento e de preparação na saúde já são evidentes. Mato Grosso está entre os Estados com menores índices de contágio, internação e mortes pelo vírus.

No âmbito federal, a Advocacia Geral da União conseguiu liminar em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que determinou interpretação conforme a Constituição dos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020.

Tal medida viabilizou a implementação de medidas sociais e econômicas no combate ao coronavírus sem levar em consideração o aumento de gastos públicos, em razão da situação excepcional vivida no país. Tal decisão produz efeitos para todos os entes federados, haja vista a natureza nacional da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ademais, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso conseguiu liminar no Supremo Tribunal Federal, em ação cível originária, que determinou a suspensão pelo período de 180 dias de dívida de mais de 10 milhões de reais por mês do Estado com a União.

Além disso, com o processo judicial eletrônico e a instituição do teletrabalho no período de isolamento, permitiu-se a manutenção regular das atividades dos advogados públicos. Para se ter uma ideia, a Procuradoria de Mato Grosso, nos primeiros 15 dias de isolamento, elaborou mais de 4700 manifestações administrativas e processuais , relacionadas não somente ao combate contra o coronavírus, mas também, de modo mais abrangente, ao resguardo cotidiano do Erário estadual.

Como se não bastasse, no âmbito da União, dos Estados e dos Municípios, os advogados públicos têm atuado em constante colaboração com os gestores públicos, seja na tomada de decisões, seja na elaboração de atos normativos, garantindo a segurança jurídica que deve pautar a atuação pública e que também confere segurança à população.

Não parece que são os advogados públicos meros burocratas despreocupados com a finalidade social de suas funções.

José Afonso da Silva há bastante tempo enunciou este papel do advogado público, reconhecendo “sua responsabilidade pela plena defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana” e afirmando que os membros da advocacia pública “saíram da mera condição de servidores públicos burocráticos, preocupados apenas com o exercício formal da atividade administrativa de defesa dos interesses patrimoniais da Fazenda Pública, para se tornarem peças relevantes da plena configuração desse tipo de Estado [Democrático de Direito]”.

Essa nova perspectiva da advocacia pública é reflexo da busca por boas práticas na gestão pública, tanto que já se fala hoje em um direito fundamental à boa administração , o que, decerto, passa a se inserir entre as atribuições proativas dos advogados públicos.

Diante de tudo isso, não há como negar a importância desta instituição no combate ao inimigo que ataca o nosso país e, ainda que redundante, merece destaque o reconhecimento do Poder Executivo Federal manifestado por meio do Decreto nº 10.282/20: a advocacia pública é atividade essencial ao Estado e sua essencialidade tem sido demonstrada por meio de atos concretos, especialmente em Mato Grosso.

Repetindo Churchill, a Advocacia Pública deve fazer o necessário para resguardar *o Estado brasileiro. O possível não basta. É isso que temos feito na crise do coronavírus.

Caio Valença de Sousa é Especialista em Direito Administrativo e Procurador do Estado de Mato Grosso

Leonardo Vieira de Souza é Especialista em Direito Público; Mestrando em Direito pela Universidade de Lisboa e pela UFMT; Vice-Presidente da Comissão do Advogado Público da OAB/MT; Diretor da Escola da Advocacia Pública de Mato Grosso; e Procurador do Estado de Mato Grosso