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Opinião Quarta-feira, 03 de Junho de 2020, 14:02 - A | A

03 de Junho de 2020, 14h:02 - A | A

Opinião /

Compliance nos contratos administrativos

A instituição obrigatória dos programas de compliance para as empresas que contratam com a Administração Pública trará consigo a propagação da cultura de integridade e de anticorrupção



1. Compliance e Contratos Administrativos

A edição da Lei 12.846/2013, seguida do Decreto 8.420/2015 que, dentre outras disposições, regulamentam os mecanismos e procedimentos dos programas de integridade – ou de compliance – trouxeram consigo verdadeira inovação na agenda anticorrupção que o País procurou trilhar após a adesão a Tratados e Convenções Internacionais sobre o tema.

Também nessa esteira, o julgamento da AP 470 pelo Supremo Tribunal Federal, em rede de televisão aberta – ressalvadas as reservas quanto a sua exposição midiática – contribuiu com uma maior conscientização da sociedade, e de seus representantes, quanto aos macro prejuízos decorrentes de atos de corrupção envolvendo agentes públicos e privados.

A Operação Lava-Jato nada mais é que retrato fiel desse histórico.

Nesse contexto, o Programa de Integridade previsto nos diplomas legais supramencionados pretendem assegurar o cumprimento de normas afetas a determinado setor, desde o cumprimento de normas trabalhistas, tributárias, ambientais, anticorrupção, dentre outras.

O foco da presente abordagem é o criminal compliance cuja importância tem levado Estados e Municípios a prever a obrigatoriedade da sua instituição pelos particulares no decorrer da execução de contrato administrativo celebrado com a Administração Pública.

Iniciando nos Estados do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, a instituição obrigatória de Programas de Integridade no âmbito dos contratos administrativos chega também ao Estado de Mato Grosso (Lei 11.123/2020) e ao Município de Cuiabá (Lei 6.457/2019).

Em síntese, as empresas que celebrarem contratos administrativos com o Estado de Mato Grosso e com o Município de Cuiabá, desde que dentro dos valores estipulados como parâmetro nas referidas Leis, estarão obrigadas a instituir programa de compliance no decorrer da execução do contrato administrativo, sob pena de imposição de multa contratual, que poderá chegar até o percentual de 10% sobre o valor do contrato.

2. Criminal Compliance como instrumento de defesa do particular

Conforme asseverado, na esteira das inovações trazidas por outros entes federativos, o Estado de Mato Grosso e o Município de Cuiabá aderiram a instituição obrigatória dos programas de integridade no âmbito das empresas que contratarem com a Administração Pública.

Não obstante as boas intenções do legislador, chama a atenção que ambas, tanto a Lei Estadual, quanto a Municipal, em suas justificativas, valendo-se da supremacia do interesse público, pretendem proteger a Administração Pública de atos lesivos que causem prejuízo ao erário.

Nesse contexto, quase se projeta a Administração Pública – e seus agentes – a condição de vítima de supostos atos lesivos perpetrados por particulares que resultam em prejuízo ao erário.

A tônica não é verdadeira.

A experiência recente no Estado de Mato Grosso nos revelou que a relação corrupta que algumas vezes se instala entre agentes públicos e privados tem sua mola propulsora na exigência da vantagem indevida por parte do agente público e, não exatamente, no oferecimento da mesma pelo particular.

A título exemplificativo, basta rememorar as diversas Ações Penais propostas em desfavor de agentes públicos na denominada “Operação Sodoma” quando se imputou – e a imensa maioria do agentes públicos confessou – a prática do crime de concussão, aquele que alça o particular a condição de vítima (e não partícipe) da exigência da vantagem indevida.

Ou seja, ao contrário do que tenta fazer crer a justificativa dos diplomas legais, a importância da instituição obrigatória dos programas de integridade no âmbito dos contratos administrativos não decorre da supremacia do interesse público, mas sim, como importante instrumento de defesa do particular.
Instrumento de defesa esse que lhe possibilita dizer não ao ilícito! 

Sem, com isso, sofrer as represálias que o regime de prerrogativas extraordinárias previsto na Lei de Licitações e Contratos Administrativos facultam ao Administrador – a título exemplificativo cite-se a possibilidade de atraso no pagamento pelo prazo de até 90 dias sem a rescisão do contrato, muitas das vezes utilizada como coerção para a exigência de vantagem indevida.

É fato que a corrupção não se consuma sem a presença do corruptor que, se possuir instrumentos efetivos de combate a corrupção em mãos, certamente optará por se desvencilhar daquele que, na surdina, muitas das vezes acaba por lhe exigir uma participação sobre os frutos decorrentes do contrato, desencadeando inúmeras consequências sobre as melhores práticas de mercado.

Com efeito, a instituição obrigatória dos programas de compliance, aqui abordados com ênfase no Estado de Mato Grosso, e no Município de Cuiabá, possui finalidade muito mais nobre que a mera criação de mais uma sujeição do particular perante a Administração Pública. Pretende-se, na verdade, reduzir as oportunidades de corrupção existentes no regime extraordinário de prerrogativas concedido a Administração Pública no âmbito dos contratos administrativos, afastando do particular o risco de prejuízo decorrente da imposição de pagamento de vantagem indevida a agentes públicos.

3. Conclusão

A instituição obrigatória dos programas de compliance para as empresas que contratam com a Administração Pública trará consigo a propagação da cultura de integridade e de anticorrupção no âmbito das relações entre agentes públicos e privados. É inegável sua importância na redução de espaços para a prática de ilícitos na execução de contratos administrativos.

O fato é que o compliance deixará de ser prática afeta exclusivamente às grandes corporações para atingir os pequenos e médios negócios que dependem das contratações públicas como forma de manutenção da saúde financeira da empresa.

Evidente que os programas de compliance, dada a sua singularidade, deverão se adequar as particularidades de cada empresa. Não fará sentido que um pequeno ou médio negócio, cuja saúde financeira dependa exclusivamente da celebração de contratos com a Administração Pública, seja obrigado a instituir mecanismos de integridade absolutamente incompatíveis com sua gestão corporativa.

Caberá ao particular, especialmente aquele já eventualmente incitado a práticas de mercado indesejáveis sob o ponto de vista da licitude – e, portanto, ciente do prejuízo delas decorrentes –, sopesar o custo benefício na implantação do programa de compliance, adequado as particularidades da sua empresa, evitando a imposição de multa contratual que pode tornar o contrato administrativo inexequível sob o ponto de vista financeiro, como também se municiando dos instrumentos de defesa que lhe assegurarão ser o único beneficiário dos frutos do seu próprio trabalho.

Artur Barros Freitas Osti, advogado, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, pós-graduando em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, membro da Diretoria da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT.