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Opinião Segunda-feira, 18 de Março de 2019, 14:10 - A | A

18 de Março de 2019, 14h:10 - A | A

Opinião /

A taxatividade mitigada do recurso de agravo de instrumento e o cabimento de sua interposição quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação

Por derradeiro, o recurso especial repetitivo n. 1.704.520-MT, com o objetivo de proporcionar a necessária segurança jurídica, estabeleceu um regime de transição (modulação)

Cristiano Imhof



Sem sombra de dúvida, a mais polêmica inovação do Código de Processo Civil de 2015, e que provocou sérias divergências doutrinárias e jurisprudenciais, encontra-se no seu artigo 1.015, 'caput' e respectivos incisos I ao XI e XIII (o inciso XII, que tratava da conversão da ação individual em ação coletiva, acabou sendo vetado pela Presidência da República), ou seja, o legislador optou por elencar, de forma expressa, quais decisões interlocutórias poderão ser impugnadas através do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento, já que todas as decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário são passíveis de ser impugnadas, de acordo com a expressa disposição do parágrafo único deste mesmo artigo.

As decisões interlocutórias eleitas pelo legislador e que poderiam ser impugnadas através do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento foram as seguintes:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI – exibição ou posse de documento ou coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do artigo 373, parágrafo 1º; e,

XIII – outros casos expressamente referidos em lei.

Esse rol, portanto, passaria a ser taxativo.

Mas essa taxatividade foi recentemente mitigada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça pelo requisito da urgência no julgamento do recurso especial n. 1.704.520-MT, processado sob o rito dos recursos repetitivos, cuja respectiva decisão deverá ser obrigatoriamente observada pelos juízes e tribunais, de acordo com o expressamente preconizado no artigo 927, inciso III do novo Código de Processo Civil.

O propósito do recurso especial alhures enumerado foi definir a natureza jurídica do rol do artigo 1.015, 'caput' do novo Código de Processo Civil e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos seus respectivos incisos.

Assim, na conformidade com o artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça acabou por fixar a seguinte tese jurídica:

"O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação".

Para se ter uma ideia da polêmica em torno do tema, esse recurso especial repetitivo foi conhecido e provido, por maioria, sendo a Ministra relatora Nancy Andrighi acompanhada pelos Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Felix Fischer, ficando vencidos os Ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques. A título de informação, não participaram do julgamento os Ministros Francisco Falcão e Herman Benjamin, que foi presidido pela Ministra Laurita Vaz.

Para bem compreender a definição da natureza jurídica do rol do artigo 1.015, 'caput' do novo Código de Processo Civil conferida pelo Tribunal da Cidadania, você deve, inicial e literalmente, apagar da sua memória tudo o que tenha lido acerca da possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas nos incisos do 'caput' do artigo 1.015 do CPC/2015, como também de que esse rol seria meramente exemplificativo. Isso porque, o recurso especial repetitivo sob análise deixou claro e cristalino que:

"De igual modo, deve ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, pois, além de não haver parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, o uso dessas técnicas hermenêuticas também não será suficiente para abarcar todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato – o exemplo do indeferimento do segredo de justiça é a prova cabal desse fato.

Finalmente, também não deve ser acolhido o entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC é meramente exemplificativo, pois essa interpretação conduziria à repristinação do art. 522, caput, do CPC⁄73, contrariando frontalmente o desejo manifestado pelo legislador de restringir o cabimento do recurso, o que não se pode admitir".

Continuando a nossa higienização cerebral, você deve também apagar da sua memória tudo o que tenha lido acerca da possibilidade de impetração de mandado de segurança contra decisões interlocutórias não listadas no 'caput' do artigo 1.015 do novo Código de Processo Civil, já que o recurso especial repetitivo sob exame, também deixou claro e cristalino que:

"Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais traz malefícios do que benefícios.

Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de julgamento; (iv) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie recursal de efeito devolutivo amplo.

Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o próprio agravo de instrumento".

Elaborado esse introito, faz-se oportuno investigar, a princípio, a razão pela qual o Egrégio Superior Tribunal de Justiça houve por bem mitigar a taxatividade das hipóteses elencadas no rol do artigo 1.015, 'caput' do novo Código de Processo Civil.

A leitura da tese jurídica fixada pelo Tribunal da Cidadania nos dá a primeira indicação: "inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação".

Essa inutilidade do julgamento diferido foi assim enfrentada pelo voto condutor e vencedor da Ministra Nancy Andrighi:

"Do estudo da história do direito processual brasileiro e de como a questão é tratada no direito comparado, pode-se afirmar, com segurança, que a urgência que justifica o manejo imediato de uma impugnação em face de questão incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito, ao final do processo".

Contudo, o mesmo voto condutor e vencedor foi mais além, afirmando que o pilar da inutilidade do julgamento diferido deve ser examinado em conjunto com a mais contemporânea concepção do princípio da inafastabilidade da jurisdição, senão vejamos:

"Esse pilar deve ser examinado, ainda, em conformidade com a mais contemporânea concepção do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que, embora inicialmente concebido como o mero exercício do direito de ação, passou a incorporar também o direito à tutela jurisdicional e de efetivo acesso à justiça, de modo a "alcançar também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a forma adequada para obtê-la". (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de Direito processual civil: vol. 1, parte geral. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2015. p. 85)".

Desse modo, podemos concluir que a mitigação (abrandamento) da taxatividade do rol do artigo 1.015, 'caput' do CPC/2015 conferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça se deu em virtude da união da inutilidade do julgamento diferido, com o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV da CRFB/1988), na sua mais contemporânea concepção, estando isso também bem explícito no voto condutor e vencedor da Ministra Nancy Andrighi:

"O que se quer dizer é que, sob a ótica da utilidade do julgamento do recurso diferido, revela-se inconcebível, a partir do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que apenas algumas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador sejam objeto de imediato enfrentamento".

Muito embora possa haver uma certa confusão quando da leitura do recurso especial repetitivo sob exame, devemos separar o que é taxatividade mitigada (que é a verdadeira natureza jurídica definida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça do rol do artigo 1.015, 'caput' do CPC/2015), do requisito objetivo da urgência e que autoriza a imediata interposição do recurso de agravo de instrumento fora das hipóteses arroladas nos incisos do artigo 1.015, 'caput' do novo Código de Processo Civil.

O objetivo do presente ensaio é justamente analisar o requisito objetivo – urgência – utilizado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça e que autoriza a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias não elencadas nos incisos do artigo 1.015, 'caput' do novo Código de Processo Civil.

A análise desse requisito objetivo – urgência – será o grande desafio dos Tribunais quando da efetiva aplicação da tese jurídica firmada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça - taxatividade mitigada -, posto que os votos vencidos, em especial da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, colocaram em suspeição o modo como deverá ser feita a análise dessa urgência pelo julgador, senão vejamos:

"A tese proposta, de que caberá agravo de instrumento quando houver urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação, a meu ver, trará mais problemas que soluções, porque certamente surgirão incontáveis controvérsias sobre a interpretação dada no caso concreto. Vem-me desde logo a dúvida: como se fará a análise da urgência? Caberá a cada julgador fixar, de modo subjetivo, o que será urgência no caso concreto? Se for assim, qual a razão, então, de ser da atuação do STJ na fixação da tese, que em princípio, deve servir para todos os casos indistintamente?" (Os grifos não constam do original).

Como visto, a polêmica em torno do artigo 1.015, 'caput' e respectivos incisos do novo Código de Processo Civil ainda persiste, mesmo depois do julgamento do recurso especial repetitivo n. 1.704.520-MT pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça.

E essa querela só poderá ser afastada ou dirimida se o requisito objetivo da urgência for bem compreendido por todos aqueles que militam na área do Direito.

Pois bem. Como então o julgador deverá fazer a análise do requisito objetivo da urgência? Penso eu não ser tão difícil essa resposta, uma vez que o próprio voto condutor e vencedor da Ministra Nancy Andrighi nos revela algumas indicações, a seguir transcritas e sublinhados os trechos mais importantes:

I

"Do estudo da história do direito processual brasileiro e de como a questão é tratada no direito comparado, pode-se afirmar, com segurança, que a urgência que justifica o manejo imediato de uma impugnação em face de questão incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito, ao final do processo".

II

"De outro lado, a questão da urgência e da inutilidade futura do julgamento diferido do recurso de apelação deve ser examinada também sob a perspectiva de que o processo não pode e não deve ser um instrumento de retrocesso na pacificação dos conflitos.

Está na raiz etimológica de "processo", derivada do latim "procedere", que se trata de palavra ligada a ideia de percurso e que significa caminhar para frente ou marchar para a frente. Se processo fosse marcha à ré, não se trataria de processo, mas de retrocesso e essa constatação, apesar de parecer pueril, está intimamente ligada à ideia de urgência no reexame de determinadas questões.

De fato, justamente para evitar as idas e as vindas, as evoluções e as involuções, bem como para que o veículo da tutela jurisdicional seja o processo e não o retrocesso, há que se ter em mente que questões que, se porventura modificadas, impliquem regresso para o refazimento de uma parcela significativa de atos processuais deverão ser igualmente examináveis desde logo, porque, nessa perspectiva, o reexame apenas futuro, somente por ocasião do julgamento do recurso de apelação ou até mesmo do recurso especial, seria infrutífero.

Dito de outra maneira: se o pronunciamento jurisdicional se exaurir de plano, gerando uma situação jurídica de difícil ou de impossível restabelecimento futuro, é imprescindível que seja a matéria reexaminada imediatamente".

III

"Como se percebe, o entendimento aqui exposto pretende, inicialmente, afastar a taxatividade decorrente da interpretação restritiva do rol previsto no art. 1.015 do CPC, porque é incapaz de tutelar adequadamente todas as questões em que pronunciamentos judiciais poderão causar sérios prejuízos e que, por isso, deverão ser imediatamente reexaminadas pelo 2º grau de jurisdição".

À vista disso e levando em consideração o novo arcabouço processual, no nosso entendimento, o requisito objetivo da urgência está intrinsecamente mais ligado ao perigo de dano, do que propriamente ao risco ao resultado útil do processo, expressões utilizadas pelo novo Código de Processo Civil, ao tratar da tutela provisória de urgência (artigo 300, 'caput' do CPC/2015), isso porque, o perigo de dano difere muito do risco ao resultado útil do processo, como bem explicamos no nosso livro Código de Processo Civil Comentado (2ª edição, 2016, Ed. BookLaw, pp. 476/477):

"Inicialmente, é necessário fazer a distinção entre risco e perigo. Risco e perigo, embora possam parecer sinônimos, não se confundem. Risco é a possibilidade de dano, enquanto que perigo é a probabilidade de um dano ou prejuízo. Assim, perigo é uma causa do risco. Dano nada mais é do que um mal, prejuízo, ofensa material ou moral ao detentor de um bem juridicamente protegido. Já o 'resultado útil do processo', segundo professado por Luiz Guilherme Marinoni, '...somente pode ser o 'bem da vida' que é devido ao autor, e não a sentença acobertada pela coisa julgada material, que é própria da 'ação principal' (Antecipação de Tutela. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 87). E sempre que falarmos em 'bem da vida', não podemos olvidar que o direito das partes de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa, passou a ser uma norma fundamental do processo civil (artigo 4º). Portanto, 'perigo de dano' é a probabilidade de um prejuízo ou de um dano a qualquer bem juridicamente protegido. E por fim, 'risco ao resultado útil do processo' pode ser entendido como sendo a possibilidade de ofensa à busca pelo bem da vida em prazo razoável, sem que se permita postergação da prestação jurisdicional".

Ora, se o risco ao resultado útil do processo diz respeito à ofensa da "busca pelo bem da vida em prazo razoável, sem que se permita postergação da prestação jurisdicional", esse doesto já estaria amplamente protegido pelos incisos I e II do artigo 1.015, 'caput' do Novo Código de Processo Civil (já que contra as decisões interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias e mérito do processo é expressamente cabível o manejo imediato do recurso de agravo de instrumento), ou seja, a busca pelo bem da vida (e as modificações que eventualmente venham a ocorrer por decisões interlocutórias nesses casos), já está salvaguardada. Nesse aspecto, até mesmo a postergação da análise de pedido de tutela provisória ou seu condicionamento a qualquer exigência pode ser objeto de imediato recurso de agravo de instrumento, como expressamente autoriza o Enunciado n. 70 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: "É agravável o pronunciamento judicial que postergar a análise de pedido de tutela provisória ou condicioná-la a qualquer exigência".

Podemos, dessa maneira, concluir com segurança que o requisito objetivo da urgência a que se refere a tese jurídica firmada no recurso especial repetitivo n. 1.704.520-MT está intimamente ligado ao perigo de dano, que é exatamente "a probabilidade de um prejuízo ou de um dano a qualquer bem juridicamente protegido", e isto pode ocorrer, como bem exemplifica Humberto Theodoro Júnior, "quando haja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo" (apud Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 56ª edição, Ed. GEN/Forense, p. 610).

Das lições de Humberto Theodoro Júnior, podemos citar também essa passagem a respeito do perigo de dano, para reforçar ainda mais a nossa conclusão:

"O perigo de dano refere-se, portanto, ao interesse processual em obter uma justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido. Ele nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. Pretende-se combater os riscos de injustiça ou de dano derivados da espera pela finalização do curso normal do processo. (...)

Esse dano corresponde, assim, a uma alteração na situação de fato existente ao tempo do estabelecimento da controvérsia – ou seja, do surgimento da lide – que é ocorrência anterior ao processo. Não impedir sua consumação comprometerá a efetividade da tutela jurisdicional a que faz jus o litigante" (Op. cit. pp. 610/611).

Consequentemente, o julgador, quando da análise do requisito objetivo da urgência a que se refere o recurso especial repetitivo n. 1.704.520-MT e do juízo de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento fora das hipóteses elencadas nos incisos do artigo 1.015, 'caput' do novo Código de Processo Civil, deverá levar em consideração, partindo de dados concretos suficientes para autorizar o juízo de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave (de difícil ou de impossível restabelecimento futuro), se a decisão interlocutória guerreada e que altera uma situação de fato existente ao tempo do estabelecimento da controvérsia (surgimento da lide), produz prejuízo ou dano a qualquer bem juridicamente protegido, como, por exemplo, risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mutação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atuação do provimento final do processo (justa composição do litígio, seja em favor de uma ou de outra parte, o que não poderá ser alcançado caso se concretize o dano temido).

Finalizando a presente exposição, o voto condutor e vencedor da Ministra Nancy Andrighi deixou claro algumas situações urgentes que poderão ser objeto de recurso de agravo de instrumento. São elas:

I – decisão interlocutória que indeferir pedido de decretação de segredo de justiça: "Diversos são os exemplos de situações urgentes não contempladas pelo legislador e que, se examinadas apenas por ocasião do recurso de apelação, tornariam a tutela jurisdicional sobre a questão incidente tardia e, consequentemente, inútil, sendo emblemática a situação que envolve a decisão que porventura indeferir o pedido de decretação de segredo de justiça. Imagine-se que a parte, para deduzir a sua pretensão em juízo, necessite que certos fatos relacionados a sua intimidade tenham de ser expostos na ação judicial. É imprescindível, nesse contexto, que seja deferido o segredo de justiça (art. 189, III, do CPC), pois a publicização de tais fatos impedirá o restabelecimento do status quo ante, tratando-se de medida absolutamente irreversível do ponto de vista fático. Ocorre que, se porventura o requerimento de segredo for indeferido, ter-se-ia, pela letra do art. 1.015 do CPC, uma decisão irrecorrível de imediato e que apenas seria impugnável em preliminar de apelação, momento em que a prestação jurisdicional sobre a questão incidente, tardia, seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade. Nessa hipótese, não se pode imaginar outra saída senão permitir a impugnação imediata da decisão interlocutória que indefere o pedido de segredo de justiça, sob pena de absoluta inutilidade de a questão controvertida ser examinada apenas por ocasião do julgamento do recurso de apelação".

II – decisões interlocutórias relacionadas à competência: "O exemplo mais evidente dessa circunstância nociva é, sem dúvida, a questão relacionada à competência, pois não é crível, nem tampouco razoável, que o processo tramite perante um juízo incompetente por um longo período e, somente por ocasião do julgamento da apelação (ou, até mesmo, de recurso especial nesta Corte) seja reconhecida a incompetência e determinado o retorno ao juízo competente para os fins do § 4º do art. 64 do CPC⁄15. Ainda que se admita que a nulidade decorrente do reconhecimento superveniente da incompetência não demandará, obrigatoriamente, o refazimento de todos os atos processuais já realizados, inclusive porque o sistema de nulidades previsto nos arts. 276 a 283 do CPC⁄15 claramente privilegia o máximo aproveitamento dos atos processuais praticados, não se pode olvidar que haverá, sim, um enorme desperdício de atividade jurisdicional em processo que tramita perante juízo incompetente e que precisará ser refeito, ainda que parcialmente, em maior ou menor escala a depender de se tratar de incompetência absoluta ou relativa e dos atos processuais que eventualmente possam ser aproveitados. De igual modo, não se pode negar que haverá um significativo desperdício de tempo para a solução da controvérsia pelo mérito, acarretando prejuízos aos jurisdicionados e ao próprio sistema de justiça civil, motivo pelo qual a doutrina, majoritariamente, reconhece que a inexistência de impugnação imediata em questão relacionada à competência é nefasta ao sistema processual, de modo que a matéria deve obrigatoriamente ser desde logo reexaminada pelo Tribunal. Todavia, uma parcela significativa da doutrina, capitaneada por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha e que fora, inclusive, adotada em recente julgado desta Corte (REsp 1.679.909⁄RS, 4ª Turma, DJe 01⁄02⁄2018), vislumbra o cabimento do agravo de instrumento para discutir competência a partir da interpretação do art. 1.015, III, do CPC, que trata da hipótese de "rejeição da alegação de convenção de arbitragem", ao fundamento de que ambas as situações seriam muito semelhantes em relação a sua finalidade – afastar da causa o juízo incompetente. Respeitado esse entendimento, não se pode concordar com essa premissa, pois a hipótese tipificada trata de discussão relacionada a abdicação da jurisdição estatal para que a controvérsia seja conhecida pela jurisdição arbitral, situação que é ontologicamente diferente da competência, em que é disciplinada a organização interna da própria jurisdição estatal. Por esses motivos, é mais adequado reconhecer o cabimento do agravo de instrumento sobre controvérsia acerca da competência tendo como base as normas fundamentais do próprio CPC⁄15, especialmente a urgência de reexame da questão sob pena de inutilidade dos atos processuais já praticados"; e ,

III – decisões interlocutórias que versem sobre a estrutura procedimental que deverá ser observada no processo, seja nas hipóteses em que a lei prevê um determinado procedimento especial em virtude das especificidades do direito material, seja nas hipóteses em que as próprias partes celebrarem negócio jurídico processual acerca do procedimento a ser observado no litígio que as envolve: "De igual modo, deve-se admitir o reexame imediato da decisão interlocutória que verse, por exemplo, sobre a estrutura procedimental que deverá ser observada no processo, seja nas hipóteses em que a lei prevê um determinado procedimento especial em virtude das especificidades do direito material (de que são exemplos a ação de exigir contas, as ações possessórias, a ação de dissolução parcial de sociedade, a ação de divisão ou de demarcação de terras particulares e a ação monitória, dentre outros), seja nas hipóteses em que as próprias partes celebrarem negócio jurídico processual (art. 190, caput, do CPC) acerca do procedimento a ser observado no litígio que as envolve. Em ambas as hipóteses, não é razoável aguardar o exaurimento do trâmite processual desenvolvido por um procedimento diverso daquele que a lei ou as partes entenderam como apropriado para, somente na apelação ou até mesmo no recurso especial, reconhecer que o procedimento adequado não foi seguido e que, portanto, será preciso invalidar parte significativa dos atos praticados para amoldá-los à estrutura procedimental prevista em lei ou desenvolvida pelas próprias partes por meio de negócio jurídico processual".

Por derradeiro, o recurso especial repetitivo n. 1.704.520-MT, com o objetivo de proporcionar a necessária segurança jurídica, estabeleceu um regime de transição (modulação), decidindo que a tese jurídica nele fixada – taxatividade mitigada - somente fosse aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do respectivo acórdão, que de fato ocorreu no DJe de 19.12.2018.

Cristiano Imhof é advogado, palestrante, parecerista e autor de diversos livros jurídicos, mantendo ainda os seguintes sítios eletrônicos jurídicos: www.cpc2015.com.br, www.cc2002.com.br e www.leidefalencias.com.br.