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Entrevista da Semana Quarta-feira, 03 de Outubro de 2018, 16:00 - A | A

03 de Outubro de 2018, 16h:00 - A | A

Entrevista da Semana / APÓS UM ANO

"A Justiça do Trabalho era estigmatizada e a reforma veio para acabar com isso; temos que ser imparcial e não protecionista", diz juíza

Um dos grandes impactos sentido pela magistrada após a reforma, foi a redução das “aventuras jurídicas”, quando o autor da ação recorria na Justiça requerendo direitos absurdos

Antonielle Costa e Lucielly Melo



estes a completar um ano de vigência, a Reforma Trabalhista ainda é alvo de discussão no universo jurídico. As mudanças significativas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trouxeram novidades relacionadas ao trabalho intermitente, parcelamento de férias, pagamento de taxa sindical e honorários sucumbenciais, dentre outros pontos, ainda dividem opiniões entre membros da comunidade da Justiça do Trabalho.

A juíza Graziele Cabral Braga de Lima, que atua na 1ª Vara do Trabalho de Várzea Grande, defende a reforma.

Para ela, a mudança foi necessária, já que reformulou alguns direitos envolvendo patrões e empregados.

Um dos grandes impactos sentido pela magistrada após a reforma foi a redução das “aventuras jurídicas”, quando o autor da ação recorria à Justiça requerendo indenizações absurdas.

“A Justiça do Trabalho era estigmatizada no seguinte sentido: geralmente quem pedia, ganhava, sem qualquer penalidade para ações totalmente desprovidas de boa-fé e razoabilidade. Esse era o estigma, principalmente de proteção incondicional ao trabalhador e hostilidade ao empregador, que, certo ou errado, morria de medo da Justiça do Trabalho, e não é essa a realidade. A Justiça do Trabalho, como todo ramo do Poder Judiciário deve ser imparcial, resolvendo as demandas com observância da legislação, que em algumas situações revela um grau protetivo necessário. Desta forma, admite-se uma lei com conotação protecionista, mas jamais um juiz do trabalho protegendo, sem amparo legal, uma das partes do processo” disse.

Veja abaixo a entrevista completa:

Ponto na Curva: No próximo mês completa um ano da vigência da Reforma Trabalhista, inclusive a senhora foi uma das defensoras na época da sanção. Como avalia a reforma em si? O que avançou? 

O que reduziu foram as aventuras jurídicas, aquelas ações chamadas de ações “chiclete”, se colar colou. Antes, para o ingresso irresponsável na Justiça do trabalho, não havia qualquer penalidade ou sanção, multiplicando as ações desprovidas de lógica, boa fé e verdade

Graziele Lima: Sim, eu continuo sendo defensora e ainda vejo a reforma com muito otimismo. Eu vislumbro a necessidade de uma mudança, considerando as inovações pelas quais o mundo todo passa, não só o Brasil. São inovações sociais, econômicas e, principalmente, tecnológicas. Essas inovações refletem em todas as relações e também nas relações trabalhistas. Como já esperado, as alterações causam certo tumulto, alguma insegurança jurídica, mas que não chegam a desmerecer a reforma, sendo certo que toda a mudança, principalmente no mundo jurídico, acarreta uma instabilidade que dura de 3 a 5 anos, período este onde a jurisprudência vai se formando e a doutrina vai se construindo após a análise científica das alterações. A comunidade jurídica precisa aceitar as mudanças e começar a se adequar, ao invés de ficar discutindo ideologicamente se a reforma é boa ou ruim, se vai aplicar ou não vai aplicar. Eu analiso a situação e digo: a redução de demandas aconteceu? Aconteceu, como era esperado, só que, nos dois primeiros meses do ano, ela foi de 50% e depois ela se estabilizou em 30%, que é o que a gente tem hoje de redução. Observo que essa redução não é medo do trabalhador de entrar na Justiça do Trabalho, porque as demandas hígidas continuam chegando às pencas. O que reduziu foram as aventuras jurídicas, aquelas ações chamadas de ações “chiclete”, se colar colou. Antes, para o ingresso irresponsável na Justiça do trabalho, não havia qualquer penalidade ou sanção, multiplicando as ações desprovidas de lógica, boa fé e verdade. Hoje, foram essa ações que tiveram redução.

Ponto na Curva: Muita gente ainda crítica a reforma, diz que foi em prol do empresariado e contra o trabalhador. Como a senhora vê esse posicionamento?

Graziele Lima: Não vejo por esse lado. Eu observo e desafio, inclusive, qualquer pessoa a me mostrar um direito que está previsto no artigo 7º da Constituição Federal, que trata dos direitos sociais, que foi retirado do trabalhador. Direitos como o 13º salário, férias, licença maternidade e paternidade, permissão máxima de duas horas extras por dia com pagamento de adicional mínimo de 50% (exceto na jornada de 12x36), FGTS, seguro desemprego, dentre outros, todos foram mantidos. Existiram algumas adaptações e muitas delas vieram para corrigir entendimentos decorrentes de jurisprudências que nasceram sem respaldo legal. Nós tínhamos muitas decisões que inclusive se transformaram em súmulas, que não tinham uma base legal. Como exemplo cito a exigência da condição de empregado para o preposto, sem qualquer legislação que impusesse essa condição. Eu vejo [a reforma] como uma correção, uma adequação necessária. Mesmo para aqueles que veem a reforma como uma coisa ruim, diria que no mínimo é um mal necessário. O Brasil precisa ser competitivo. A legislação trabalhista extremamente protecionista tinha razão de ser em 1943. Há a necessidade de continuar protegendo? Sim, mas não da forma como era, desestimulando o empregador e o emprego, gerando um país menos competitivo, que não atrai investimentos.

Só que faço uma ressalva: não é um milagre e isso eu falei desde o começo. Não vai ficar maravilhoso de um dia para o outro. A reforma trabalhista sozinha não vai gerar emprego e muito menos causar desemprego. Precisamos de várias outras reformas, estamos em plena crise, mas não é a reforma trabalhista que irá, sozinha, ser a salvação da humanidade ou dos empregos no Brasil, mas penso que é o primeiro passo. Ainda temos que passar por outras reformas, como a tributária, sindical, previdenciária, política. Então, a reforma trabalhista não é uma legislação milagrosa que vai salvar o país, mas uma dentre as tantas mudanças necessárias para um futuro diferente.

Ponto na Curva: Na prática, em relação aos processos, qual foi a mudança mais executada?

Graziele Lima: O que percebo são as ações, as peça processuais feitas com muito mais cuidado. Pedidos de dano moral, que antes eram absurdos – contrato de trabalho com duração de seis meses e na ação pedido de 4 mil reais de verbas rescisórias e 50 mil reais de danos morais – agora são mais razoáveis. Essa razoabilidade e responsabilidade tem sido observada com muita clareza nessas novas ações. Hoje o advogado trabalhista, como já fazia em outras áreas, advoga com mais responsabilidade e com mais ética na Justiça do Trabalho.

Ponto na Curva: Antes da reforma, já existia uma discussão da extinção da Justiça do Trabalho e agora de fato, que houve uma redução dos processos, a senhora acredita que as opiniões sobre a extinção podem perdurar?

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A juíza Graziele de Lima explicou sobre a Reforma Trabalhista

Graziele Lima: Sim, é claro que a redução processual, em certo ponto, impacta na estrutura da Justiça do Trabalho. Como já falei, houve uma redução de 30% no número de processos e que se mantém nos últimos 6 meses. Mas eu não acredito em extinção e sim na necessidade de remodelagem da Justiça do Trabalho. Inclusive, quando dou cursos para os advogados, colaboradores, sindicatos e RHs, o que tenho chamado a atenção é para o fato de que todos precisam se reinventar. O sindicato tem que se reinventar, os advogados precisam se reinventar. O que é reinventar? Fazer coisa errada? Não, é se qualificar, é encontrar soluções alternativas na própria legislação, por exemplo: "ah tenho receio de entrar com a ação pois não tenho certeza se o empregado fazia horas extras, se tinha banco de horas, se essas horas eram pagas". Para isso existe a ação de produção antecipada de provas, que pode ser utilizada antes de entrar com ação trabalhista. O próprio ordenamento jurídico nos dá saídas. O que não pode é simplesmente ficar reclamando. O que percebo é que muita gente entra na sala de audiências reclamando da redução de demandas mas não buscam soluções práticas para driblar a situação. O mundo jurídico estava acostumado com uma Justiça do Trabalho extremamente tolerante e com pouca formalidade, na qual era possível litigar de qualquer jeito, realidade esta que não mais se sustenta. Então é hora de reinventar, remodelar e se adaptar a um novo modelo de judiciário trabalhista. Acredito que a Justiça do Trabalho, daqui a alguns anos, com a ajuda da reforma trabalhista, vai ser vista com outros olhos. A Justiça do Trabalho era estigmatizada no seguinte sentido: geralmente quem pedia, ganhava, sem qualquer penalidade para ações totalmente desprovidas de boa-fé e razoabilidade. Esse era o estigma, principalmente de proteção incondicional ao trabalhador e hostilidade ao empregador, que, certo ou errado, morria de medo da Justiça do Trabalho, e não é essa a realidade. A Justiça do Trabalho, como todo ramo do Poder Judiciário deve ser imparcial, resolvendo as demandas com observância da legislação, que em algumas situações revela um grau protetivo necessário. Desta forma, admite-se uma lei com conotação protecionista, mas jamais um juiz do trabalho protegendo, sem amparo legal, uma das partes do processo. Acredito que todas essas mudanças contribuirão para, no futuro, termos uma Justiça do Trabalho mais respeitada.

Ponto na Curva: A mudança na legislação afetou a celeridade Justiça do Trabalho?

Graziele Lima: Sim, mas devido ao impacto da redução de 30% no número de demandas trabalhista após a edição da lei 13467/2017. O ano passado, por exemplo, nessa mesma data, estava marcando audiências para fevereiro e março do ano seguinte. Hoje já tenho pauta para novembro, mês que vem. A redução das aventuras jurídicas deixaram espaço para as ações que são realmente hígidas.

Ponto na Curva: Sobre essa questão da punição em si, na qual o trabalhador perde a ação e precisa pagar os honorários advocatícios. A senhora acredita que isso é uma das coisas que faz gerar essa redução dos processos?

Graziele Lima: Primeiramente é salutar ressaltar que não se trata de punição e sim responsabilidade da parte pelo pagamento das despesas processuais, dentro das quais estão inseridos os honorários advocatícios sucumbenciais. Mas, sim, acredito que na visão do leigo, o fato de poder ser condenado a pagar honorários para a parte contrária, em caso de perder a ação, gera um certo temor em ingressar com a ação trabalhista. Mas volto para o ponto da natureza das demandas. Demandas hígidas tem o risco potencialmente reduzido. Quando as pessoas passarem a ver que, desde que haja razões para o ingresso da ação e prova da violação de direitos o Poder Judiciário Trabalhista será o primeiro a determinar o cumprimento da legislação, condenando o empregador, inclusive no pagamento dos honorários do advogado do empregado, não haverá o que temer.

Agora se ele tem uma ação temerária, sem provas ou sem meios legais para produzir provas das eventuais violações de seus direitos, deve tomar cuidado ao postular isso em juízo. "Ah, mas se o trabalhador não pode provar, ele vai poder entrar com a ação?". A resposta é: ele pode entrar com a ação mas tendo consciência dos riscos. Se ele não tem provas ou não há meios legais de exigir estas provas do empregador, a decisão de entrar com a ação deve ser estudada. Assim como no caso de alguém ter sido lesado como consumidor, por exemplo, mas não possuir provas da lesão e nem meios legais para exigir que a outra parte o faça. Ela vai entrar com ação sem ter como provar? Provavelmente não! Essa sempre foi a realidade nos demais ramos do Poder Judiciário. Não ingressa com ação se não tem condições mínimas de comprovar o descumprimento da legislação. Penso que essa mentalidade deve começar a imperar também na Justiça do Trabalho. E é muito importante a informação para que as pessoas percam o receio de acionar eticamente o judiciário trabalhista, que tem como papel combater o descumprimento da lei e é o que continuará fazendo. As empresas e empregadores que não cumprem a legislação, que explorem seus empregados, vão continuar sendo condenados, na medida e extensão dos direitos inobservados.

Ponto na Curva: Prestes a completar um ano da legislação e ainda se fala de revogá-la, principalmente em época de campanha eleitoral. A senhora acredita que a reforma é um caminho sem volta ou corre risco de ser anulada?

Infelizmente, hoje, notamos com tristeza que o Judiciário Trabalhista se segmentou. Ele se divide entre juízes que são contra e juízes que são a favor da reforma trabalhista

Graziele Lima: A revogação seria um verdadeiro caos, uma tamanha insegurança jurídica, mas não é impossível de acontecer. Penso que o próximo presidente deverá tratar com muita cautela a questão, pois uma coisa é falar em campanha eleitoral e outra coisa é analisar na prática a situação e os impactos que isso causaria no país. Mas, claro, riscos sempre há, a gente não sabe quem será eleito, não sabemos o que vai ser feito. Em relação ao STF [Supremo Tribunal Federal], pelas decisões que já foram proferidas, como no caso do reconhecimento da constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória, e também da terceirização da atividade fim da empresa, é possível afirmar que não acontecerão mudanças significativas na legislação aprovada. Pelo que se observa dos votos dos ministros do Supremo nestas duas ocasiões, dificilmente será declarada a inconstitucionalidade da reforma ou de parte dela. Observando-se o teor dos votos nas votações citadas é possível perceber que a maior parte dos ministros defende a necessidade da mudança, a necessidade de tornar o país competitivo e a necessidade da reforma.

Ponto na Curva: Na justiça comum tem surgido novas formas de conciliação. Como está sendo isso na Justiça do Trabalho? Tem adotado essas formas de conciliação?

Graziele Lima: A conciliação é um princípio do direito laboral. Mas em relação aos novos modelos de conciliação, acho que a gente poderia dar passos mais largos. O Poder Judiciário Trabalhista está abalado com a reforma. Infelizmente, hoje, notamos com tristeza que o Judiciário Trabalhista se segmentou. Ele se divide entre juízes que são contra e juízes que são a favor da reforma trabalhista. Isso acabou deixando um pouco de lado situações que mereciam atenção, como a mediação por exemplo. A Justiça do Trabalho sempre teve o perfil conciliador, muito mais do que os outros ramos do Poder Judiciário. Inclusive temos na CLT previsão expressa de que o juízo usará de seus bons ofícios e do seu poder de persuasão para chegar em uma conciliação. Temos a obrigatoriedade de propor um acordo no início e no final da audiência, temos nossas exitosas Semanas Nacionais de Conciliação, mas acho importante implementar formas alternativas de solução de conflitos. Acho que seria muito valioso. Tem um estudo que estou começando sobre constelação na Justiça do Trabalho. Estou no início e quero aprofundar. A gente lida com pessoas, com sentimentos, com situações que muitas vezes se percebe que não basta o dinheiro, a indenização. As vezes o trabalhador só quer um pedido de desculpa, o empregador o reconhecimento de um erro ou de um ato, e assim por diante. Isso não pode ser deixado de lado pelo Poder Judiciário.

Ponto na Curva: Vi uma notícia no site do Tribunal Regional do Trabalho sobre a conciliação pelo WhatsApp. Como a senhora avalia isso?

Graziele Lima: O WhatsApp tem sido muito utilizado, tanto para o bem como para o mal. Já recebi prova de testemunha recebendo oferta de dinheiro para depor pelo WhatsApp. Temos que entender que essas tecnologias vieram para ficar e devem inclusive ser regulamentadas. A tecnologia tem sido bem utilizada também nas conciliações e para realização de audiências por videoconferência, inclusive pelo próprio celular. Por várias vezes em audiência já fiz chamada de vídeo pelo aplicativo para falar com o empregador, explicar a situação, o risco, a vantagem do acordo, obtendo êxito em muitas ocasiões. Essa tecnologia permite que as partes se sintam mais próximas do juiz. E o magistrado não tem que ser uma peça amedrontadora, mas ser visto simplesmente como um instrumento do Poder Judiciário para resolver um conflito. Acho que esses meios informalizam a justiça - no bom sentido - e deixam-na mais acessível.